segunda-feira, 17 de março de 2025

Tia Zuleide, a muquirana

        Família grande, sabe como é, tem sempre um chá de bebê, festa de debutante, casório daquele primo que nem conhecemos... O auê da vez era justamente a festa de 15 anos da caçula de um primo de mainha, que seria nesses lugares paradisíacos na fotografia, mas que ficam tão longe, que até o coitado do Judas perdeu as meias por lá, já que as botas ficaram logo ali para trás, caso  você queira fazer uso de certo jargão mineiro.   

          Do lado de cá da família, começou aquela farra e alguém conseguiu uma Van, já que era muita gente, e o povo sempre bebe mais do que deve, e ninguém quer dirigir nessas situações. Pois é, a gente é pobre, mas tem juízo. 

          O problema foi na hora de coçar o bolso para pagar a condução. Quer dizer, aos trancos, barrancos e chororô, todo mundo deu a sua parte, isto é, tia Zuleide, sempre ela, disse que já havia arrumado carona e, por isso, não entraria na vaquinha. Mentira, como ficou provado na hora do embarque, no sábado bem cedo. A muquirana, ainda por cima, veio com aquela conversinha.

          — Minha gente, como já tá pago, e tô vendo que tá sobrando lugar vazio, vou aproveitar a companhia de vocês até a festa.

          A parentada trocou olhares, mas ninguém teve coragem de falar alguma coisa, ainda mais porque quem podia com tia Zuleide já partiu dessa para melhor. Seja como for, bastou o motorista dar partida para que o pagode rolasse solto até o sítio, onde a outra parte da família já estava se divertindo. 

          De tão boa estava a festança, nem parecia confraternização da minha família. Não vi imbróglios dignos de menção, a não ser os costumeiros porres de tio Alberto e vovó Lucinha. Bom mesmo foi a seleção de sambas, apesar da insistência de dois primos, que passaram uma temporada em Goiânia, querer meter sertanejo. Foi aí que entrou a autoridade de tia Almerinda, que disse que nem sobre o seu cadáver aceitaria tamanha desfeita. 

           Salvo o bom gosto musical, o churrasco e a cerveja desceram que é uma beleza. Todo mundo ficou satisfeito ou, como gosta de dizer mainha, triste diante de tanta fartura. Mas eis que, já no final do dia, precisávamos retornar e, então, todos meteram as mãos no bolso para pagar o motorista da Van por conta da volta. Quer dizer, tia Zuleide, sempre ela, disse que descolara uma carona com um primo metido a rico, que foi o único a ir de carro próprio. Ninguém acreditou, mas, dessa vez, era mesmo verdade.

           Tia Zuleide, no banco do carona, ainda acenou para todos nós assim que o automóvel partiu. De tão bêbados que estávamos, não tivemos nem ânimo para mandar nossa parenta para aquele lugar. Mal entramos na Van, cada um foi buscar seu canto e, não tardou, era possível ouvir roncos em vários tons, alguns até desafinados. 

           Nem me dei conta de quanto tempo passou até que a Van parou, o que despertou um ou outro parente. Logo a gritaria começou e, então, percebi o motivo. Era o tal primo e tia Zuleide, que estavam no meio do caminho. O motivo? A gasolina havia acabado. Pra quê? Foi aquela zoação!

           Alguém até pensou em dar suporte para a dupla, mas logo desistiu. Que se virassem, mesmo porque havia um posto de gasolina a uns dois quilômetros para trás. Sei que foi maldade, mas deu aquela sensação gostosa de vingança ver tia Zuleide e o primo metido a besta caminhar em direção ao posto para comprar gasolina.

  • Momento Cultural: O conto "Tia Zuleide, a muquirana" foi publicado por Notibras no dia 17/3/2025.
  • https://www.notibras.com/site/tia-zuleide-a-muquirana-paga-para-ir-a-farra-de-uma-forma-ou-de-outra/

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