terça-feira, 28 de junho de 2022

Dona Irene e o pé-frio

    Como todos que acompanham o meu blog devem saber, sou casado com a Dona Irene, a mais fanática torcedora  do Palmeiras. Pois bem, essa história aconteceu exatamente no dia 25 de julho de 2018, quando o Verdão jogou contra o Fluminense em partida válida pelo Campeonato Brasileiro. E enquanto a minha mulher assistia ao jogo confortavelmente instalada em nossa cama, a minha filha e eu brincávamos de baralho na sala, e o Chengulo, nosso buldogue francês, roncava alto bem ao lado.

    Logo depois da minha filha ganhar mais uma partida, fui até o quarto para ver como a minha amada estava. Sentei ao seu lado e senti o calor do seu corpo, enquanto seus olhos permaneciam vidrados na grande tela presa à parede. Comecei a prestar atenção na partida para fazer companhia àquele amor clubista da Dona Irene. E foi justamente aí que cometi um erro.

    _ O Fluminense está bem melhor, né?

    _ O quê? Você está aqui há menos de dois minutos e vem me falar uma besteira dessa?

    Assim que ela completou essa frase, o narrador grita "Gol do Fluminense!!!" Pra quê? A minha mulher me lançou um olhar de fúria, como se eu fosse o responsável por aquele gol. Seja como for, tratei logo de me levantar e voltar para a sala, onde tomei mais uma surra da minha filha, que estava impossível com as cartas naquele dia.

  • Nota de esclarecimento: A crônica "Dona Irene e o pé-frio" foi publicada pelo Notibras no dia 16/7/2023. Por solicitação do jornal, foi feita pequena alteração no texto para que se adaptasse aos leitores do Notibras.
  • https://www.notibras.com/site/entre-palmeiras-e-cartas-jogar-baralho-doi-menos/

quinta-feira, 23 de junho de 2022

Dona Irene pela manhã

    Há pessoas que se levantam dispostas, como se as primeiras horas do dia fossem as mais felizes do mundo. Pra falar a verdade, eu me encaixo nesse tipo, talvez pelo hábito que adquiri desde os tempos de menino, quando disputava com a minha avó quem é que levantaria mais cedo. Sou do Sol, enquanto a minha mulher, a famosa Dona Irene, prefere esticar ao máximo seu tempo na cama.

   Durmo de meias para pisar no chão sem fazer qualquer barulho logo que acordo, enquanto a minha esposa, ainda adormecida, talvez sonhe com Morfeu. De tão cedo, a Belchior e a Clarinha (as nossas buldogues francesas) nem percebem meus passos. Aproveito esse meu momento de quase solidão junto à pia da cozinha e lavo uma possível louça deixada pra trás na noite anterior.

    Como ainda tenho algumas horas pela frente, faço alguns exercícios na barra fixa que tenho na porta entre a sala e a cozinha. Leio, escrevo algum texto pro meu blog, até que a Clarinha arranha a porta do quarto. Sinal de que chegou a hora de sair com as nossas filhas de focinho achatado.

    Depois do passeio, começo a preparar o café da manhã da minha amada. Nada que demore mais de meia-hora. Deixo quase tudo pronto, até que ouço a linda voz da Dona Irene: "Dudu, já fez o meu café?"

    Mais alguns minutos, lá está a minha mulher sentada à mesa. O lindo rosto, apesar de parecer ser de poucos amigos a essa hora da manhã, ainda esboça um "Obrigadinha!". Rapidamente, ela ergue a xícara quase cheia, que toca seus lábios.

    _ Bom dia, Dudu! Preciso de café pra minha alma fazer download pro corpo!"

  • Nota de esclarecimento: A crônica "Dona Irene pela manhã" foi publicada por Notibras no dia 1/3/2024.
  • https://www.notibras.com/site/cafe-ao-acordar-energiza-corpo-e-resgata-mente/

Marinho, meu primeiro ídolo

    

    O menino, sentado aos pés da avó, era inebriado pela empolgação da senhora: "Vai, Marinho! Chuta! Chuta!!!" O moleque sentia os trancos da avó, que chutava ao vento, como se quisesse acertar a bola, que corria presa aos pés do craque de longos cabelos loiros pela lateral esquerda do Maracanã. E, apesar dos outros jogadores em campo, o menino só tinha olhos para o jogador preferido da sua avó. Diante de tal paixão, não tinha como o garoto não virar Botafogo.

    A avó gostava de falar sobre os grandes nomes do time da Estrela Solitária: Paraguaio, Patesko, Nilton Santos, Carvalho Leite, Heleno, Quarentinha, Didi e, também, um tal Garrincha. No entanto, o menino só queria saber do Marinho! Como jogava! Como driblava! Como chutava! Que gol mais lindo o Marinho fez! Queria porque queria ser igual ao camisa 6!

    _ Somente o Nilton Santos foi melhor que o Marinho.

    _ Vovó, ninguém é melhor que o Marinho!

   Canhoto, o menino teve sua primeira decepção, pois queria ser destro como o Marinho. Começou a chutar somente com a direita nas peladas na rua. De tanto arriscar com a dita perna ruim, acabou por domesticá-la, talvez pouco melhor que o Gerson, que sempre dizia que só usava a perna direita pra subir no ônibus. 

    Maior tristeza, todavia, foi quando o Marinho foi jogar no Fluminense. Sentiu-se traído! Tanto é que pensou: "Ainda bem que sou canhoto!!!"

  • Nota de esclarecimento: O conto "Marinho, meu primeiro ídolo" foi publicado por Notibras no dia 2/2/2024.
  • https://www.notibras.com/site/idolo-frustra-ao-trocar-fogao-por-po-de-arroz/

quarta-feira, 22 de junho de 2022

Eternos ruralinos - UFRRJ

   Remexendo antigas fotografias, encontrei uma em que eu estou montado no Maradona, o lindo cavalo dos meus tempos de estudante de medicina veterinária. Essa foto, aliás, foi tirada no meu último dia na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Isso me fez lembrar de que, apesar de já ter passado por outras universidades, me considero um ruralino, que é como aqueles que estudaram na Rural se autodenominam. 

    Pois é, mesmo após décadas do meu último dia naquele maravilhoso ambiente, toda vez que conheço alguém que já passou por lá, logo de cara me identifico e trocamos lembranças, independentemente de termos ou não estudado na mesma época. Esse laço que envolve todos esses estudantes, apesar de nunca terem se visto, é algo inexplicável para quem não foi aluno na mais linda universidade do Brasil. Chega a ser estranho, como a minha mulher, a Dona Irene, já havia me dito antes de pisar no maior campus da América Latina. 

    A minha esposa, certa vez, participou de um encontro entre representantes de instituições de ensino superior em Santana do Livramento-RS. Durante esse tempo, ela conheceu algumas pessoas que se formaram na UFRRJ. Cismada, ela falou que era casada com um ex-aluno de lá. Pra quê? Os seus novos colegas começaram a falar maravilhas da minha universidade, o que a deixou ainda mais intrigada. "Por que esse povo é assim? Será que todo mundo que passa por lá é maluco?", ela se perguntou. 

   Mais alguns anos se passaram, até que, finalmente, a Dona Irene conheceu a minha amada universidade. Dava para notar o brilho naqueles lindos olhos castanhos. De imediato foi como se a minha mulher tivesse sido captada pela magia de pertencer àquele lugar e, talvez por um instante, ela  própria tenha se sentido um pouco ruralina. Seja como for, a partir desse dia, ela jamais voltou a questionar o meu encanto pela Rural.

    
    
    

    

O rabo da cobra

    Dizem que essa história aconteceu em uma fazenda lá em Padre Bernardo-GO, para onde teriam ido um casal e sua filha pequena. A propriedade era cercada por dois riachos, que se juntavam em determinado ponto e corriam abraçados a partir de então. Os visitantes, na varanda da casa, não conseguiam avistar as águas lá embaixo, mas ouviam, encantados, o famoso ronco dos bugios, que saltavam entre as copas das enormes árvores à margem. 

    Como o tempo estava muito seco, resolveram descer a ribanceira para um banho refrescante. Durante a caminhada, a menina corria à frente, sempre acompanhada pelos olhos atentos da mãe. Já o pai parecia mais preocupado em não perder o equilíbrio naquele chão cheio de pedrinhas soltas. 

    Tudo transcorria dentro do que podemos chamar de normalidade, até que o marido avistou uma cobra esticada no meio do mato. Ele, que havia aprendido a diferenciar as peçonhentas, constatou que aquela não era venenosa. Então, sob os olhares atentos da esposa e da filha, deu um leve puxão no rabo do réptil, que, assustado, se embrenhou no capim seco. Todo orgulhoso do feito, o homem estufou o peito e fez uma pergunta para a filha.

    _ Você viu o papai pegando no rabo da cobra?

    _ Rabo? Ué, pensei que cobra fosse tudo rabo.

Nota de esclarecimento: A crônica "O rabo da cobra" foi publicada pelo Notibras no dia 29/3/2023.

https://www.notibras.com/site/no-encanto-do-mato-descoberta-encanta-menina/

quinta-feira, 16 de junho de 2022

Francisca, a benzedeira

    Francisca, mulher de lá seus quase 70, era muito considerada na comunidade, seja como benzedeira das mais tradicionais, seja por conta dos quitutes que deixava todo mundo de água na boca. Mal saía de casa, todos a cumprimentavam ladeira abaixo, até chegar à rua, de onde caminhava até o calçadão de Copacabana. Virava à esquerda e dava exatos sete passos. Ainda de pé, retirava as sandálias de couro puído e, somente então, pisava na areia. Sentia seus pés afundando gostosamente, ao mesmo tempo em que soava aquele gostoso barulhinho: "Chiiii!"

    Nada detinha Francisca até que chegasse às águas, que lambiam seus pés. Ela abaixava o tronco e, com os braços pêndulos, catava um pouco da água gelada, passava nos pulsos e, depois, molhava o rosto. Precisava energizar! O olhar fixo para o horizonte, a boca muda, apesar do sorriso alvo por conta da nova dentadura, conversava em pensamento com Iemanjá, a rainha do mar. 

   Quase uma hora após, Francisca subia o morro e, finalmente, chegava à sua casa. Tudo era paz, tamanha a paciência da velha. Daqui a pouco, chegariam os moradores em busca de auxílio espiritual. E foi o que aconteceu, quando adentrou na varanda da casa da benzedeira a Iolanda, que puxava o filho pelo braço bem fininho. 

    _ Dona Francisca, a senhora precisa me ajudar com o Pedrinho! 

    _ E o que tem esse menino tão lindo, minha filha?

    _ Ele não obedece ninguém! Já botei de castigo, já dei taca, mas ele continua desobediente.

    Francisca observa cada palavra cuspida pela boca de Iolanda, enquanto o moleque tentava se esconder entre as pernas da mãe. A velha, com aquele olhar complacente, pegou na mão do Pedrinho. Este, por sua vez, fez uma careta tão feia pra benzedeira, inclusive dando língua. Francisca, já com a feição atormentada pela atitude do Pedrinho, diz:

    _ Isso não se correge nem cá peste!

  • Nota de esclarecimento: O conto "Francisca, a benzedeira" foi publicado por Notibras no dia 20/8/2023. Por solicitação da redação do jornal, foi confeccionado um parágrafo anterior ao texto original.
  • https://www.notibras.com/site/moleque-travesso-escapa-ate-de-velha-benzedeira/

quarta-feira, 15 de junho de 2022

Rita, a mamãe coruja

 

    Rita acordou eufórica, olhou para o lado da cama, onde o marido, barrigão pro teto, roncava sem dó nem piedade. Nem ligou, não era aquilo que tiraria a alegria do seu domingo, dia de comemorar o primeiro mês do Osvaldinho, o filho que tanto desejou depois de tantas e tantas tentativas frustradas.

   Levantou ligeira, silenciosa como uma gata, como se possuísse almofadas nos pés. Foi até o berço ao lado, onde o pequenino ainda adormecia, como se nem desconfiasse que a vida não é apenas feita de peitos jorrando leite. Nada como a inocência dos primeiros momentos fora da placenta!

  A mãe de primeira viagem passou boa parte da manhã arrumando os últimos detalhes para o tão esperado evento. Por um bom tempo, teve que dedicar atenção quase exclusiva ao filho, apesar da insistência do marido, o Osvaldão, que, como se fosse ainda menino, recorria a olhares tristonhos e bicos para ganhar mais uma lata de cerveja, enquanto permanecia com o traseiro pregado ao sofá diante da televisão.

   Às 16h, os convidados começaram a chegar. Não muitos, já que Rita não havia se dado conta do feriado prolongado, quando várias amigos viajaram para a praia. Seja como for, ela não se cansava de carregar seu bebê no colo e, toda orgulhosa, o exibia para todos.

    _ Não é lindo demais o meu Osvaldinho?

   Todos, sem exceção, concordavam com um aceno de cabeça, às vezes até mesmo com um largo sorriso, o que só aumentava o estado de euforia da Rita. Certa ela estava que o Osvaldinho era mesmo o menino mais lindo do mundo. Um príncipe!

    A festa ia avançando, as pessoas se despedindo da anfitriã, carregada de uma boa dose de alegria materna, enquanto o Osvaldão, ainda com os gordos glúteos pregados ao sofá, tentava acertar a boca com mais um gole de cerveja. Enquanto isso, o Osvaldinho descansava o sono dos inocentes lá no seu berço esplêndido.

  Solange e Augusta, duas amigas de longa data da Rita, já estavam na esquina, quando começaram a conversar sobre a festa.

    _ Já fui a velórios mais animados.

    _ E você viu aquela coxinha toda cheia de óleo? Vou ter que tomar um remédio pro fígado,

    _ E o Osvaldinho? Que menino mais feio! Será que a Rita tá ficando cega?

    _ Solange, por acaso você já viu uma coruja achar o filho feio?    

  • Nota de esclarecimento: O conto "Rita, a mãe coruja" foi publicado por Notibras no dia 30/12/2023.
  • https://www.notibras.com/site/solange-e-augusta-as-candinhas-trairas-de-rita/

terça-feira, 14 de junho de 2022

Meu sogro me pegou no flagra com a Dona Irene

  Provavelmente esta é a história mais constrangedora que me atrevo a escrever. Ela aconteceu há aproximadamente um ano, quando a minha amada Dona Irene, meus sogros (Martinha e Valdir), a nossa cadelinha Belchior e eu voltávamos de carro de uma viagem a Caxias (MA). Aliás, apesar de ter nascido em Teresina, a minha mulher morou toda a sua infância nessa agradável cidade maranhense. 

    Pois bem, lá estávamos nós cinco enfrentando aquela longa estrada e, quando chegamos a Barreiras (BA), resolvemos arrumar um local para dormir, já que os pais da Dona Irene precisavam descansar, pois já não são tão jovens assim. Entramos na cidade e, busca daqui, busca dali, conseguimos encontrar um motel. Pedimos dois quartos, um ao lado do outro. Até me lembro dos números: 10 e 11. 

    Tudo parecia lindo, até que a minha esposa, a Belchior e eu entramos no nosso quarto e  logo nos deparamos com a televisão ligada em um filme adulto, com esses closes na região dos países baixos, onde só conseguíamos ver dois homens entrando e saindo nos distintos caminhos possíveis de uma mulher. Pra quê? A Dona Irene, muito mais atenta a detalhes que eu, olhou aquilo com seus lindos olhos castanho e  correu desesperada até o quarto ao lado.

    _ Mãe, a televisão estava ligada?

    _ Estava sim! Mas pode ficar tranquila que já desliguei.

  Tudo parecia bem, quando, de repente, a minha mulher se deparou com um enorme consolo na cabeceira bem ao lado da cama. Mas antes que ela pudesse dizer alguma coisa, a minha sogra a mandou voltar para o outro quarto, pois a jornada seria bem longa no dia seguinte.

  Assim que a minha esposa voltou ao nosso quarto, ela percebeu que também havia um consolo idêntico ao do quarto dos seus pais. Ela pegou aquilo nas mãos e, apenas pelo olhar, entendi que a decoração de todos os quartos deveria ser a mesma. Seja como for, fomos tomar banho para nos deitarmos maritalmente. Acabamos adormecendo.

    Lá pelas 5 h da manhã, fui despertado por um desses beijos bem beijados da Dona Irene e, então, voltamos a fazer coisas que casais costumam fazer. Tudo ia muito bem, até que, quando já estávamos perto de chegar ao clímax, eis que ouvimos fortes batidas na porta.

    _ Mulher, já acordou? Vamos embora!

    _ Pai, ainda nem são 6 h! A mãe já acordou?

    _ Não! Tá dormindo!

    _ Então, volta pro quarto e durma mais um pouco.

   Finalmente meu sogro nos deixou em paz. Não sabíamos se continuávamos ou ríamos de tamanha intromissão. Aquela situação era tão esdrúxula, que ninguém iria acreditar que meu sogro bateu na porta do motel enquanto a Dona Irene e eu fornicávamos. Mas a história não acaba por aí.

    Já de volta à estrada, a Belchior começou a ficar muito agitada e, então, a minha esposa, que estava no banco da frente ao meu lado, a entregou para o meu sogro segurá-la. Daí, surgiu o seguinte interlúdio entre o Valdir e mim.

    _ Tá gostando de ficar com a sua netinha preferida no colo?

    _ Netinha preferida vai ser o dia em que vocês fizerem uma.

    _ Como você quer que a gente faça uma, se você vive batendo na porta do nosso quarto quando estamos tentando?

    Enquanto o meu sogro fazia um bico enorme, a Dona Irene e a minha sogra caíram na gargalhada.

    

domingo, 12 de junho de 2022

A insanidade de ser torcedor do Botafogo

 

    Não há dúvida de que o Botafogo nasceu bem antes da tal lei de Murphy, que diz que "Se alguma coisa pode dar errado, dará. E mais, dará errado da pior maneira, no pior momento e de modo que cause o maior dano possível". Essa lei nada mais é do que uma livre interpretação da máxima "Tem coisas que só acontecem ao Botafogo". 

  Além dessa aura trágica, o Glorioso é tão cercado de acontecimentos sobrenaturais, que é possível afirmar que não há no universo supersticioso mais convicto que o botafoguense.  É como se a Bahia inteira estivesse concentrada na icônica sede de General Severiano. Haja mandinga!!! Também, o que esperar de um time que possui três datas de aniversário? Isso é pra deixar qualquer astrólogo maluco tentando desvendar o mapa astral desse clube.

    Há os que dizem que Jesus, apesar de não ter sido o primeiro torcedor, com certeza era botafoguense. Do contrário, não teria tanta convicção de que Lázaro, um dia, pudesse se levantar. Isso é facilmente constatado quando se vê algum torcedor de outro time reclamando da falta de títulos por um ou dois anos, e o cara já fica pensando em torcer pro Real Madrid. Já o botafoguense esbraveja, chora, dá chilique, mas tá ali, mesmo que emburrado, de rabicho de olho na Estrela Solitária.

   Além do mais, quem torce pelo Botafogo é bem-humorado, como já foi constatado inúmeras vezes. No entanto, vou destacar uma, que é a de quando o Dé estava no comando do time em uma partida sofrível no Maracanã, que, de tão vazio, uma agulha poderia ser ouvida ao cair sobre um chumaço de algodão. Então, um quase solitário torcedor gritou: "Dé, a próxima é minha!"

    Além disso, não há torcedor cardíaco do Botafogo. Se houvesse essa esdrúxula possibilidade, ele não resistiria a cinco minutos de uma partida. Aliado a esse coração resistente a intempéries, nós valorizamos cada minuto de glória, que sabemos ser bem passageira. No entanto, assim como milhões de pessoas, meu pai, que era Vasco, nunca entendeu esse meu amor pelo Alvinegro carioca. Tanto é que ele sempre questionou essa minha paixão:

    _ Edu, por você não virou vascaíno?

    _ Papai, não tente entender o que é a insanidade de torcer pro Botafogo.

  • Nota de esclarecimento: A crônica "A insanidade de ser torcedor do Botafogo" foi publicada pelo Notibras no dia 16/4/2023.
  • https://www.notibras.com/site/virar-torcedor-do-botafogo-e-coisa-para-insanos/

    

    




sábado, 11 de junho de 2022

Nilton Santos, o Senhor Enciclopédia

 

    Ainda menino, conheci o Nilton Santos através das conversas com o meu pai, que, apesar de ferrenho torcedor do Vasco, sempre o teve como um dos maiores da história do futebol. Já na escola, o professor de educação física cismava em me colocar na lateral esquerda, simplesmente porque sou canhoto. Na verdade, nunca gostei de jogar na defesa, mesmo sendo a posição do dito Enciclopédia do Futebol. Por isso, lá estava eu sempre no ataque tentando marcar alguns gols, da mesma forma que o Nilton também fazia os seus, com certeza muito mais importantes e lindos do que os meus.

    Depois de muitos anos, vi o jornalista Luiz Mendes falar que o Nilton Santos era tão habilidoso, que fazia até embaixadinha com caixinha de fósforo e sempre terminava com ela no bolso da camisa. Isso para mim era o máximo, pois, na minha rua, sempre fui o que ganhava aquelas disputas de embaixadinhas, fazia até com bolinha de tênis ou um limão. Mas caixinha de fósforo já era muito pra mim! Até o Garrincha, quando alguém lhe pedia para fazer umas embaixadinhas, costumava dizer: "Peça lá pro Nilton, pois ele que é bom nisso!"

  Outro jornalista que sempre enalteceu o melhor lateral de todos tempos é o Roberto Porto, que já disse que o maior ídolo da história do Botafogo não é o Garrincha, mas o Nilton Santos. Não sei se todos os botafoguenses concordam com isso, mas gosto de pensar que o Roberto está certo. Isso porque, certa vez, o meu grande ídolo Mendonça falou que, se ele conseguisse dar um título ao Botafogo, seria quase como um novo Nilton Santos.

    Quero terminar essa história com um interlúdio que tive com o meu pai há muito tempo, pouco antes de ele falecer.

    _ Papai, mas o Nilton não tinha um defeito sequer?

    _ Ah, tinha muitos! Mas todos porque nunca jogou no Vasco!

  • Nota de esclarecimento: A crônica "Nilton Santos, o Senhor Enciclopédia" foi publicada pelo Notibras no dia 18/8/2023.
  • https://www.notibras.com/site/defeito-de-nilton-santos-foi-nao-jogar-no-vasco/


    

quarta-feira, 8 de junho de 2022

Cafezinho x Chimarrão

    Dois colegas do Banco do Brasil, um mineiro e um gaúcho, trabalhavam numa agência em Porto Alegre, bem ali no bairro Menino Deus. Como era sexta-feira, deram uma esticada até o bar de sempre, na rua Marcílio Dias. Mal chegaram, já estavam tomando aquela cerveja bem gelada. Aliás, uma ceva, como se fala na linda capital do Rio Grande do Sul.

   A prosa corria solta, até que o gaúcho resolveu dar uma de gaúcho e começou a enaltecer as maravilhas gaúchas. A melhor carne do Brasil, o melhor churrasco do Brasil, o melhor fazedor de churrasco do Brasil... O mineiro a tudo ouvia sem mexer um músculo da face, que parecia até a de um boneco de cera, se não fosse pelo gogó proeminente deglutindo mais um gole do copo, que já necessitava de outra chorada da garrafa bem à sua frente. Até que o gaúcho levantou o seu copo e exclamou:

    _ Um brinde ao chimarrão, a melhor bebida do Brasil!

    _ ...

    _ O que foi, meu amigo? Não concorda que o chimarrão seja a melhor bebida do Brasil?

    _ Moço, se não fosse pelo cafezinho, o brasileiro nem existiria.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Cafezinho x Chimarrão" foi publicado por Notibras no dia 15/2/2024.
  • https://www.notibras.com/site/bancarios-travam-batalha-verbal-sobre-melhor-bebida/

As amigas de óculos

    As duas meninas, agora não tão meninas assim, já haviam passado dos 20, mas ainda faltava percorrer um bom caminho até os 30 Elas se conheciam desde os tempos de escola, quando, inseparáveis, corriam pelo pátio à procura de sonhos. Seus nomes? Thayná e Aninha.

    As duas tomaram caminhos bem diferentes. A Thayná se tornou modelo e está fazendo curso de medicina veterinária, enquanto a Aninha foi ser  advogada. No entanto, apesar das profissões distintas, as duas continuavam a se encontrar de vez em quando, além de guardarem algo em comum: o alto grau de miopia.

    Certo dia, que não faz tanto tempo assim, lá estava a Aninha correndo na esteira da academia, quando percebeu, logo ali adiante, a Thayná numa bicicleta ergométrica. A modelo pedalava tanto, como se fosse possível a bicicleta sair voando pela janela. A advogada, feliz por rever a amiga, quis ir cumprimentá-la, mas eis que chega uma mensagem de um cliente no seu aparelho celular. 

    A cena que se passou foi mais ou menos assim: A Aninha digitava com uma velocidade muito maior do que das suas pernas, que tentavam não perder o ritmo acelerado da esteira, que, por sua vez, não parecia nem aí para o diálogo entre a advogada e o seu cliente. Até que, de repente, a Thayná surge bem na frente da amiga.

    _ Oi, Aninha, tudo bem? Quase não te reconheci, pois hoje vim sem óculos.

    _ Ah, eu já havia te visto ali fazendo bicicleta.

    _ Ué, mas eu acabei de entrar!

    _ Sério?

    _ Mas ela era bonita pelo menos?

    _ Ah, também esqueci os meus óculos. Mas o vulto parecia bonito sim. 

  • Nota de esclarecimento: O conto "As amigas de óculos" foi publicado por Notibras no dia 14/2/2024.
  • https://www.notibras.com/site/encontro-na-academia-anos-depois-afaga-egos/


quinta-feira, 2 de junho de 2022

Coisas cariocas


   Amanda, carioca de Copacabana, todos os dias acordava bem cedinho, bebericava seu café e, sem mesmo se preocupar se estava ou não com os cabelos no lugar, corria para a praia. Já bem pertinho do mar, sentava-se, fechava os olhos e apenas sentia todo aquele aroma vindo das ondas, que quebravam mansinhas nessa quase aurora. Todos os dias, lá estava aquela mulher sentada na areia, como se todos já soubessem que ela já fosse parte da bela paisagem.

    Não fazia muito tempo, porém, Amanda tinha pegado Covid-19. Na época não havia vacinas disponíveis para a população e, mesmo tendo sofrido horrores com o tal vírus, ela conseguiu sobreviver. Quase totalmente recuperada, a mulher retornou para seu apartamento, onde se manteve isolada durante um período. Queria refletir sobre a própria morte, já que quase havia partido desta para melhor. Não exatamente isso, pois quem mora em Copacabana dificilmente irá se deparar com algo mais divertido no outro lado.

    Seja como for, os dias foram passando até que Amanda resolveu retomar a sua rotina. Acordou antes mesmo que os primeiros raios solares brindassem a sua janela. Quase queimou a boca com a quentura do café, mas nem ligou. Deixou a xícara já vazia sobre a pia da cozinha e correu para o mar. 

    Já sentada diante das ondas, Amanda sentiu falta de alguma coisa. Algo a incomodava, mas todos ao redor pareciam não perceber, pois passavam e apenas a olhavam, como que felizes por ter aquela paisagem novamente brindada pela presença tão familiar da Amanda. No entanto, de repente, uma lágrima escorreu pelos seus lindos olhos de um castanho profundo. Ela havia percebido que não conseguia mais sentir aquele cheiro tão característico dos que vivem próximos à praia. Amanda refletiu: "Poucas coisas são mais cariocas do que a maresia!"

  • Nota de esclarecimento: O conto "Coisas cariocas" foi publicado por Notibras no dia 6/3/2024.
  • https://www.notibras.com/site/depois-da-covid-sem-olfato-amanda-perde-maresia/