quinta-feira, 13 de março de 2025

Plantando a discórdia

Tenho evitado visitar minha mãe, tudo por conta de um mal-entendido. Isso como se eu fosse responsável por conhecer tudo sobre minha genitora. Mas como saber, se desconheço até a mim mesma? 

          Se não amo mamãe? Que pergunta mais sem-noção! Pois saiba você que poderia venerá-la, caso a dita cuja não fosse dessas torcedoras irritantes do Corinthians. Pois é, do Corinthians! Creio até que ela faz isso de propósito, só porque sou Palmeiras antes mesmo de nascer. Avanti, Porco!

          Minha mãe gosta de se gabar que viu a estreia do Sócrates no Corinthians. Grandes coisas, como se ele fosse mais importante do que o maior dos maiores. Hum! Se o Ademir da Guia dava baile até no Pelé, você pode imaginar o que faria com o Doutor. 

          Mas deixemos as pendengas futebolísticas de lado, pois quero falar sobre algo menos importante. Estava eu no conforto do meu lar, quando a Jaqueline, amiga de longa data de mamãe, me telefonou.

            — Márcia, eu e o pessoal da igreja estamos pensando em fazer uma festa de aniversário para sua mãe. 

          — Hum...

          — Pois é, mulher, estamos com uma dúvida, que só você pode ajudar.

          — Hum...

          — Qual o sabor de bolo que a Martinha gosta?

          — Hum... Abacaxi.

          — Ah, tá bom. Obrigada.

           A festa aconteceu alguns dias após esse telefonema e, quase uma semana depois, lá estava eu tricotando os últimos acontecimentos com mamãe, quando alguém gritou lá da calçada.

          — Martinha! Martinha!

          Minha mãe já reconheceu a voz da Michele, uma vizinha, que também é da igreja. Ela não estava só, pois trazia a Jaqueline a tiracolo. Em questão de minutos, as duas mulheres estavam na sala tomando café com bolinho de chuva. Tudo caminhava bem, até que a Jaqueline plantou a discórdia.

           — E aí, Martinha, gostou da sua festa?

           — Foi quase perfeita.

           — Quase?

           — É que odeio bolo de abacaxi.

           Nem sei como essa conversa terminou, peguei minha bolsa e inventei uma desculpa qualquer e fui embora. Ah, se tem uma coisa que não suporto é essa gente fofoqueira que não tem o que fazer da vida. Como estamos em março, creio que até o Natal consigo acertar os ponteiros com mamãe.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Plantando a discórdia" foi publicado por Notibras no dia 13/3/2025.
  • https://www.notibras.com/site/bolo-de-aniversario-vira-maior-abacaxi-para-ser-descascado-com-cafe/

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