terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Ariclenes e Fofa


    Ariclenes não era turrão, mas tinha lá as suas manias e ideias, que, talvez, deixassem perplexos os que o rodeavam. O homem, mal acordava, subia e descia não sei quantas vezes de uma barra fixa na porta da cozinha. A desculpa eram as dores nas costas, precisava dar aquela esticada no corpo. Todavia, havia os que duvidavam dessa teoria, inclusive os que afirmavam que Ariclenes estava se tornando, cada vez mais, um metódico gagá. 

    Não que ele fosse tão velho assim, ainda lhe faltavam algumas primaveras para completar 60. Seja como for, o dia do Ariclenes não prosseguia sem fazer as tais barras. Depois dos exercícios matinais, eis que Fofa, sua simpática buldogue, dava os primeiros sinais de vida após uma longa noite de roncos. Era o sinal de que a cachorra queria dar uma volta pelo quarteirão. 

    O homem pegava a amiga no colo e lhe dava aquele cheiro gostoso de bom dia. A Fofa, como forma de retribuição de tanto amor, lambia a orelha esquerda do Ariclenes. Não demorava, lá estava aquela dupla inseparável na rua. O passeio levava quase uma hora, até que a teimosia da buldogue a fazia deitar no meio da calçada. E não adiantava que o dono insistisse em chamá-la, pois a cadelinha simplesmente se virava de barriga para cima e fechava os olhos, demonstrando que dali nem um guindaste a tirava. 

    Como não restava outra solução, Ariclenes sorria. Em seguida, ele se abaixava e pegava a Fofa no colo e, ainda com um sorriso na cara, voltava para casa. É lógico que sempre havia um ou outro comentário dos moradores do bairro: "A mocinha cansou!", "Que menina manhosa!", "Essa aí adora o colinho do papai!" Sejamos sinceros, pois o Ariclenes até gostava da situação. Afinal, como ele costumava dizer, "A Fofa tem personalidade!"

    Tudo corria como de costume. O homem acordava bem cedo, fazia aquela infinidade de barras, a cachorra despertava de mais uma noite cheia de roncos, os dois passeavam pelo bairro até que a Fofa empacasse, ele a pegava no colo e voltavam para casa felizes da vida. Pois bem, até que o Ariclenes começou a namorar a Clotilde, uma viúva dali mesmo da rua. 

    A mulher, que passara a vida inteira sem ter um animal de estimação, nem sequer um peixinho dourado, foi se envolver justamente com o Ariclenes. Pois é, mas paixão tem dessas coisas, faz questão de instigar os apaixonados, como se quisesse que esse sentimento arrebatador não durasse mais que um verão.  E foi justamente naquela noite, a primeira em que os pombinhos iriam passar juntinhos na ampla cama do quarto do Ariclenes, que Clotilde descobriu que a Fofa também dormia ali.

        _ Ariclenes, não tem cabimento essa cachorra dormir na cama!

        _ Clotilde, meu amor, os cães vivem tão pouco, que seria egoísmo da minha parte se não deixasse que a Fofa dormisse aqui.

        Não se sabe qual foi o desenlace amoroso daquela noite, mesmo porque não cabe aqui destrinchar a vida íntima dos outros. Entretanto, todos no bairro sabem que, a partir de então, Clotilde, Ariclenes e Fofa passeiam todas as manhãs. A buldogue, agora com uns pelinhos brancos ao redor do focinho, continua empacando, o que obriga o Ariclenes a se abaixar e pegá-la no colo.  Em seguida, três sorrisos voltam para casa, certos de que a vida é muito curta para se preocuparem com besteiras. 

  • Nota de esclarecimento: O conto "Ariclenes e Fofa" foi publicado pelo Notibras no dia 17/6/2023. Por solicitação da redação do jornal, foi feita pequena alteração no texto a fim da história passar no Distrito Federal.
  • https://www.notibras.com/site/clotilde-cede-a-paixao-e-trio-encanta-a-quadra/

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Aprígio, o brigão

        Brigão mesmo era aquele menino, que desde sempre dava socos e pontapés em tudo. Sua mãe, ainda grávida, já não aguentava carregar o filho na barriga, que chutava, socava a todo instante. No entanto, o parto, que não foi dos mais fáceis,  foi um alívio para a mãe do Aprígio. 

     Nasceu rechonchudo, mas, depois de tantas brigas durante os tempos de creche, escola e, principalmente, na rua onde morava, Aprígio foi perdendo as gorduras. Até as carnes, que não eram muitas, transformaram aquele jovem em mais um dos inúmeros magricelas do bairro. A mãe, preocupada com o temperamento explosivo do filho, foi convencida por um vizinho a colocar o menino numa aula de artes marciais. Seria bom para controlar o pavio curto do Aprígio, garantiu o homem. 

       Do judô foi pro caratê, depois deu uns pulos pela capoeira, de onde rumou para o kung fu e, finalmente, chegou ao jiu-jitsu. Todavia, o conselho do amigo de sua mãe pareceu ter efeito contrário ao esperado. É que o Aprígio, quanto mais aprendia a desferir golpes, mais sentia vontade de brigar na rua. Não que procurasse confusão, mas parecia incapaz de resistir a qualquer provocação.

          Pois é, depois de tantas batalhas nas ruas do seu bairro, o rapaz ganhou fama de invencível. Tanto é que a Ritinha, uma das beldades da região, se engraçou para o seu lado. Não tardou, os dois começaram a namorar, um namoro sério, tão sério que deu em casamento alguns anos depois. Tiveram até um filho, o pequeno Aprígio Júnior, o Juninho. 

        Alguns meses antes do Juninho completar três anos, Aprígio quis porque quis introduzir o herdeiro no mundo das lutas. Pra quê? O menino chorava sem parar ao menor tapa que levava dos coleguinhas durante os treinos na academia. Aprígio tentou insistir na formação de guerreiro do Juninho, mas Ritinha, para quem aquilo tudo já havia se tornado enfadonho, barrou as pretensões do marido. 

     A relação do casal, pelos próximos anos, foi cheia de altos e baixos, até que a mulher deu o definitivo basta naquilo tudo. Aprígio pegou aquele cartão vermelho recebido e, com o rabo entre as pernas, foi morar num quarto e sala no outro lado da cidade. Não tardou, recebeu a visita de um amigo, que havia ido consolá-lo.

       _ Aprígio, sempre pensei que vocês formassem o casal perfeito.

       _ Eu também pensei, mas a Ritinha me expulsou de casa.

       _ Mas por que ela fez isso?

      _ Foi logo depois que fomos a uma boate. Ela havia ido buscar uma bebida no balcão, quando dois caras se aproximaram dela. Eles começaram a paquerar a Ritinha. Fui até lá e falei para eles saírem de perto, pois do contrário eu iria estragar a noite deles. 

      _ E daí?

   _ Daí que os caras entenderam o recado e pediram desculpa, pois não sabiam que ela estava acompanhada. Já deram as costas e foram saindo.

     _ Ah, que bom que tudo ficou resolvido. Mas ela brigou com você por causa disso?

    _ Não. Foi porque eu não aguentei e pulei no pescoço dos caras e sobrou pontapé pra todo lado. 

    _ Aprígio, mas você precisa se controlar. Tem que mudar esse seu gênio!

    _ Sim, eu sei. Isso já faz muito tempo, eu me arrependo demais disso. Hoje sou um novo homem, muito mais calmo. 

    _ Ah, tá! Quando foi isso?

    _ Na semana passada.

  • Nota de esclarecimento: "Aprígio, o brigão" foi publicado pelo Notibras no dia 28/02/2023. O texto foi adaptado, a pedido do editor, para que se ambientasse na Ceilândia, uma das cidades satélites do Distrito Federal.
  •  https://www.notibras.com/site/aprigio-brigao-nocauteado-pela-esposa-ritinha/

domingo, 26 de fevereiro de 2023

O Pendurado

     Bernardo, apaixonado por filmes de pirata desde a mais tenra idade, era encantado por tatuagens. Tinha aos montes, a despeito das broncas da mãe, que achava aquilo coisa de vagabundo. O pai, apesar de ter a mesma opinião da esposa, preferia guardá-la para si, pois sabia que o desgaste, além de estressante, era inútil. 

      Aos 33 conheceu Juliana, pouco mais jovem, muito mais vivida. A mulher havia viajado o mundo às custas do tarô,  jogado em todas a línguas, que, por ventura, aprendera. A atração foi tão intensa, que prometeram fidelidade até onde fosse possível. Não que fossem volúveis, mas a poliglota sabia que não era das que costumam deixar a âncora presa por muito tempo no fundo do mar. Quanto ao Bernardo, já era bem grandinho para saber como é que as coisas funcionam nessas paixões de verão. 

      Ele, ciente da brevidade daquele sentimento, largou as mesas dos bares depois do trabalho. Os amigos poderiam muito bem esperar, pois Bernardo estava envolvido no inebriante perfume dos lençóis de Juliana. Com as narinas bem abertas, o homem queria desfrutar cada instante daquele aroma. Quanto a ela, sabia escolher com quem se deitar. Talvez por conta das cartas, que contavam todos os segredos que a mulher desejava saber.

        O casal, depois de se amar mais uma vez naquele fim de tarde, se deitou na rede na sacada, bem em frente à linda praia de Cabo Branco. Bernardo pensou em abrir um vinho tinto, mas foi dissuadido pela amada. Uma cerveja bem gelada parecia ser o mais apropriado para a ocasião,

        Beberam ao som das ondas do mar. A maresia instigou o casal para mais uma rodada de amor, ali mesmo na rede. O receito daquilo arrebentar e os dois caírem no chão não foi o suficiente para impedi-los. Amaram-se e adormeceram embolados, embriagados de paixão. 

        Acordaram pela manhã. Bernardo foi preparar o café, enquanto Juliana tentava aproveitar mais um pouco o conforto de continuar deitada. Não resistiu ao cheirinho vindo do bule e, não demorou, sorriu enquanto levava a xícara aos lábios. Com certeza não era o melhor café do mundo, mas era tudo o que ela precisava naquele momento.  

        Juliana se levantou, foi até a cômoda ao lado. Pegou o baralho e voltou para a mesa. Bernardo, até então, desconhecia aquelas cartas cheias de gravuras. Ela disse que era tarô. Ele já tinha ouvido falar. Algo sobre adivinhação ou sei lá o quê, mas Juliana o corrigiu a tempo. Bernardo ficou tão interessado, que a namorada decidiu jogar as cartas para ele. 

        Ela embaralhou bem o monte de cartas, enquanto Bernardo decidia o que desejava saber. O homem pensou, pensou, pensou. Várias coisas vieram àquela mente anuviada. Escolheu a que mais lhe despertava curiosidade. Juliana olhou o amado e, finalmente, revelou a carta.

        _ Que carta é essa?

        _ É o Pendurado. Também conhecido como o Enforcado.

        _ E o que isso significa?

      _ Olhe o mundo sob novas perspectivas. Quando fixamos os olhos por muito tempo sobre algo, acabamos nos cegando pela própria capacidade de sempre enxergar a mesma coisa, sem nos darmos conta do que está ao redor. 

        Aquele verão durou pouco menos para Bernardo, que viu as lindas curvas daquela mulher subirem a rampa do enorme navio. O destino daquele monte de ferro era seguir a costa brasileira até o Rio Grande do Sul. Quanto à Juliana, aquilo era muito pouco para ela. 

        Não se sabe ao certo se os dois voltaram a se encontrar, mas dizem que trocaram cartas por algum tempo. O certo mesmo é que Bernardo, de tão impressionado, acabou por fazer uma nova tatuagem, que fez sua mãe revirar os olhos de repulsa. Ela, talvez, não tenha entendido o significado daquela figura pendurada por um dos pés. 
  • Nota de esclarecimento: O conto "O Pendurado" foi publicado pelo Notibras no dia 25/08/2023.
  • https://www.notibras.com/site/cartas-de-taro-deixam-bernardo-a-ver-navios/
        

Santana e a sequestrada

   A delegacia estava tão tranquila naquela madrugada, que poderia até parecer um aconchegante dormitório, caso não fossem por aquelas cadeiras capengas. Santana tentava manter as pestanas abertas, enquanto os outros policiais dormiam. Ele estava no seu toco, que terminaria daqui a menos de vinte minutos, quando o próximo da fila o substituiria e, finalmente, poderia tirar uma soneca de verdade no alojamento da delegacia. 

    Aliás, para quem não sabe o que é toco, é quando apenas um dos policiais fica acordado, enquanto o restante da equipe tira uma soneca durante a madrugada. Obviamente que há um rodízio para que todos possam tirar seu quinhão de sonhos repletos de pôneis coloridos pastando em campos verdejantes. Alguns, todavia, talvez tenham pesadelos.

    E lá estava o Santana, quando, de repente, aquele silêncio passou para o caos assim que uma mulher entrou gritando pela porta da delegacia. Desesperada, ela não conseguia dizer coisa com coisa, mesmo que o Santana utilizasse sua costumeira truculência. Nada parecia acalmar a tal mulher, que estava totalmente transtornada. O que teria acontecido para que ela se transformasse numa doida varrida? Teria sido assaltada? Seria mais uma vítima de violência doméstica? 

    Aquela situação começou a incomodar o velho policial. Não por empatia, sentimento que ele raramente demonstrava. Mesmo assim, somente quando havia um interessa maior por detrás como, por exemplo, uma gratificação em dinheiro ou até um simples lanche na padaria da esquina. No caso em questão, Santana não estava interessado em recompensa, mas um frio na espinha indicava que algo terrível teria acontecido com aquela mulher e, pasmem, ele poderia se tornar a próxima vítima.

     _ Um homem...

     _ Que homem?

     _ Um homem enorme... Peludo...

     _ O que foi que ele fez?

     _ Ele me sequestrou,

     _ Onde foi isso?

     _ Eu fugi.

     _ Senhora, onde foi isso?

     _ Num barraco.

     _ Você sabe onde fica esse barraco?

     _ Sei, sim.

     _ Onde fica?

     _ Não sei o endereço, mas sei ir.

      Nisso, Santana, com suas banhas, sai correndo pelos corredores da delegacia, bate nas portas para acordar todos os policiais. Em menos de cinco minutos, estão prontos para prender o tal sequestrador. Com armamento pesado, a equipe se dirige para a viatura, quando, então, percebem que se trata de mais um caso de insanidade.

    _ Mas vocês vão apenas com essas armas?

    _ Só? Senhora, isso aqui é uma 12.

   _ Ah, mas com essas balas que vocês têm não vão conseguir matar o peludão, não. Tem que usar bala de prata.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Santana e a sequestrada" foi publicado pelo Notibras no dia 31/8/2023.
  • https://www.notibras.com/site/visao-de-lobisomem-leva-mulher-a-delegacia/

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Elvis x The Beatles

   Antes de qualquer coisa, quero deixar bem claro que o responsável por me instigar a escrever este texto é o Lindy Saints, fenomenal cantor das noites cariocas.  Pois bem, ele disse exatamente essas palavras: "Gostaria de sugerir um texto seu sobre amantes de Beatles e Elvis. Quem conquistou mais público?"

    Essa é uma pergunta que parece estar no imaginário de muita gente. Não resta dúvida que a icônica figura do Elvis é algo difícil de ser suplantada, talvez comparável apenas a de Napoleão. A performance também dá uma ampla vantagem ao rapazola do Sul dos Estados Unidos, pois serviu e serve, até hoje, como parâmetro para os cantores que se atrevem a dar umas sacudidelas no corpo. 

    Quanto à voz, não tem nem discussão. Se juntassem as vozes de Paul, John, George e Ringo, não daria nem uma oitava do vozeirão do dito Rei do Rock. Elvis é, sem sombra de dúvida, um dos maiores cantores de todos os tempos, além de ser, provavelmente, o mais eclético. 

    Outro ponto a favor de Elvis é que ele é bem anterior aos Beatles. Sim, isso mesmo! Já em meados de 1954, ele gravou profissionalmente sua primeira canção, o que o tornou um sucesso local da noite para o dia. E, já no início de 1956, era o maior fenômeno musical do mundo. Quanto aos rapazes de Liverpool, só alcançaram sucesso mundial em 1964. Ah, todos eles, especialmente John, foram influenciados por Elvis. 

    Mas voltando à pergunta do Lindy, quem conquistou mais público? Bem, devemos lembrar que nos anos 1950, o rock and roll era a música dos negros, do demônio, coisa e tal. Então, Elvis era algo proibido, odiado pelos mais velhos e religiosos. Na década seguinte, os Beatles encontraram um público mais acostumado ao então novo som, que nem era tão novo assim, já que o rock and roll havia surgido bem antes deles todos. 

    Outra coisa que muita gente não se dá conta é que o Elvis dos anos 1950 era muito mais agressivo que os quase ingênuos Beatles de meados de 1960. Pois é, esse Elvis em nada parecia com aquele dos inúmeros filmes tolos dos anos 1960, bem como os Beatles ainda não eram necessariamente os Beatles de alguns anos mais tarde, quando, finalmente, entraram para a história como a mais icônica banda de rock de todos os tempos. 

    Os últimos discos dos Beatles são repletos das melhores músicas do século XX. Não há o que se discutir isso. Provavelmente são os maiores parâmetros para os artistas que vieram depois. Sem sombra de dúvida, a partir desse ponto, são mais importantes do que o Elvis. Não há, no entanto, de se falar que Elvis foi influenciado pelos Beatles, mas justamente o contrário. 

    Elvis gravou algumas músicas dos Beatles, mas seria leviano afirmar que ele teria sido afetado pela música dos Beatles. Ele era uma amálgama de tudo o que havia escutado na infância. Obviamente que gostava de uma música ou outra da banda inglesa, mas nunca foi, necessariamente, um fã. Elvis sempre manteve os ouvidos voltados para as mesmas músicas que aprendeu a cantar desde criança. 

    Já os quatro rapazes ingleses juntaram vários sons novos, introduzindo-os ao rock and roll, que ficou com uma cara nova. Sim, nova, mas com as bases do mais puro rock. E, se o Elvis possibilitou o surgimento dos Beatles, estes foram os pais de inúmeros artistas que vieram em seguida. 

    Creio que, ainda que repleto de dúvidas, conseguirei responder à pergunta do meu querido Lindy Saints. A figura do Elvis é muito maior que a dos Beatles, pois ela está no imaginário de todos nós. No entanto, a música dos Beatles influenciou muito mais que a dele. Creio que essa discussão é até tola, pois você não precisa escolher apenas um lado para gostar. E, para terminar este texto, quero deixar bem claro que a Tina Turner é tão boa no palco como o Elvis, talvez até melhor. Sem falar que as pernas dela são muito mais lindas! E que venham as críticas!!!

  • Nota de esclarecimento: O texto "Elvis x The Beatles" foi publicado pelo Notibras no dia 24/02/2023.
  • https://www.notibras.com/site/elvis-ou-beatles-mas-ha-as-pernas-da-tina-turner/

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

Jurema, a buldogue

    Não é raro ouvir alguém falar que todos os cães da raça pinscher miniatura se consideram verdadeiros gigantes, maiores até do que os mais avantajados dogues alemães. Tal afirmação, todavia, não se encaixa muito bem quando o assunto é um buldogue. Quer dizer, pelo menos não naquela linda cadelinha branca com manchas tigradas que adorava dormir agarrada a um enorme osso, que, de tão grande, algum exagerado poderia jurar que teria sido de um dinossauro.  

    Jurema, gulosa como ela só, vivia fuçando algo apetitoso para comer. Aliás, dizem até que ela possuía o olho maior do que a barriga. Difícil de se acreditar, já que a cadelinha ostentava aquele barrigão. De tão roliça, não é de se admirar se alguém a confundisse com um leitãozinho. 

    Uma das inúmeras histórias que se conta sobre essa curiosa cachorra é de quando ela foi fazer um passeio em uma fazenda em Goiás. Alguns afirmam que foi em Itumbiara, mas, parece, que o fato aconteceu mesmo em Padre Bernardo. Seja numa ou noutra cidade, isso não importa, pois em nada muda o acontecido, que, seja verdade ou mentira, não deixa de ser uma boa história. 

       Pois bem, era um dia bem quente, desses em que o astro rei trabalha mais do que o próprio Diabo para manter o Inferno aquecido. Por conta disso, eis que a Jurema, acompanhada das suas três irmãs humanas, resolveu se refrescar num dos riachos da tal fazenda. E lá estavam as quatro parentas naquela água fria, ou melhor, gelada. Mas crianças não estão nem aí para essas coisas, pois gostam mesmo é da bagunça. 

        Respingo de água para todo lado, eis que a Jurema, numa dessas correrias desembestadas, esbarra na Ninica, que cai de bumbum na água. Todas gargalharam, até mesmo a cadelinha, que abriu um enorme sorriso com aquela língua maior do que a própria boca. Daí, assim que a menina se levanta, eis que ela se depara com uma cobra bem ao seu lado. Uma cascavel! A serpente, talvez assustada, arma o bote para picar a Ninica. No entanto, antes que ela consiga completar o seu intuito, eis que a Jurema abocanha a cabeça da cobra e a engole por inteiro. 

        Não se sabe como é que aquela buldogue conseguiu esse feito, pois não foi picada nem sofreu qualquer consequência do seu ato. Se essa história é verídica, não se sabe ao certo. Todavia, até hoje é contada pelas três irmãs, que já são grandes. Apesar de não morarem juntas há tempos, cada uma guarda com saudade uma fotografia da Jurema na mesinha ao lado de suas camas. 
  • Nota de esclarecimento: A crônica "Jurema, a buldogue" foi publicada pelo Notibras no dia 07/08/2023.
  • https://www.notibras.com/site/sai-pra-la-cascavel-que-ninica-e-minha-amiga/
 

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

Genival e os cachorros

      Genival era conhecido como o velho dos cachorros. Não que possuísse muitos, mas, não raro, era visto conversando com  um ou outro na rua. Sempre acompanhado de Bela e Isa, suas duas vira-latas, ele era quase um ermitão. Quase! Não que não tivesse amigos, até os tinha. Não muitos, é verdade, talvez por conta do seu gênio um pouco difícil. Na verdade, muitos do bairro o consideravam intragável. 

      No edifício onde morava, Genival vivia se metendo em confusão com os vizinhos. Seja por conta do lixo orgânico misturado ao reciclável, seja por alguém ter estacionado o automóvel bem em cima da faixa, seja até mesmo por conta dos sons mais animados de alguns fazendo amor sem ter intenção de procriar. Uma verdadeira afronta aos bons costumes, o velho, cheio de razão, reclamava com veemência.

        Aposentado há quase duas décadas, o ranzinza conseguiu arrumar confusão até com o padre Plínio, um homem quase santo, segundo o testemunho de todos que o conheciam. Pois foi num domingo, durante a missa de sétimo, eis que o velho interrompeu a fala de elogios à finada Doroteia.  Genival não aguentou ouvir o padre Plínio dizer que a falecida faria muita falta, mas que seria acolhida no Reino dos Céus.

        _ Aquela bruxa vai direto pros Quintos do Inferno!!!

        Foi um mal-estar completo na igreja. Todos, inclusive o Francisco, que até se dava com o Genival, ficaram constrangidos. Mesmo assim, tentou colocar panos quentes naquela situação. No entanto, antes que falasse alguma coisa, eis que o Genival se levanta e vai embora sem se despedir de quem quer que seja. Dizem que até Jesus, esculpido no enorme crucifixo de madeira logo acima do altar, teria ficado pasmo.

      Não demorou, a notícia desse imbróglio correu todo o bairro. A péssima fama de Genival, como se isso fosse possível, piorou ainda mais. Os mais exaltados cuspiam no chão quando o viam passar, nem que fosse pela calçada do outro lado da rua. Ninguém queria mais contato com o velho rabugento. Ninguém o convidava nem para enterros, quanto mais para comemorações. Ele havia sido excluído de tudo, até dos grupos de WhatsApp. Nada de vida social para o encrenqueiro. Aquilo estava chegando a um ponto insuportável, quando, então, o bondoso padre resolveu ter um particular com o Genival. 

     Dizem que o encontro entre o religioso e a ovelha desgarrada teria acontecido na esquina da rua Marcílio Dias com a avenida Getúlio Vargas, ali no bairro Menino Deus, em Porto Alegre. Lá estava o Genival, acompanhado das inseparáveis Bela e Isa. Ele conversava eloquentemente com as duas, quando o padre Plínio se aproximou. Assim que percebeu a presença do sacerdote, Genival voltou seus olhos para as cachorras e continuou a tagarelar. O padre, a despeito de tal atitude de desdém, insistiu em conversar com o velho.

       _ Genival, você quer conversar?

       _ Já estou conversando com as minhas amigas.

       _ Sim, percebi. Mas você não quer mais conversar com as pessoas?

       _ Não! Agora só converso com os cachorros.

       _ Meu filho, mas por quê?

       _ Padre, amo os cães porque eles nunca me cancelam. 

  • Nota de esclarecimento: O conto "Genival e os cachorros" foi publicado pelo Notibras no dia 7/9/2023. Por uma solicitação da redação do jornal, foi feita uma pequena alteração no texto a fim da história se passar no Distrito Federal.
  • https://www.notibras.com/site/riscado-do-mapa-velho-ranzinza-fica-com-bela-e-isa/

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Elisberto e as baratas

        A despeito da enorme corcunda por conta de tanto se curvar para conversar com os outros, Elisberto, ainda assim, era bem mais alto do que a grande maioria das pessoas. Um gigante, que poderia ter saído de um conto de terror. Não pela maldade, já que o coração daquele homem desejava fazer somente o bem. Era por conta daquela aparência pouco agradável, cujos olhares mais corajosos eram logo desviados, tamanha a feiura. 

        Suas pernas e braços eram tão longos, que, caso ele tivesse mais quatro membros, poderia ser confundido com um gigantesco polvo. O andar parecia o de um camelo desengonçado. como se já não bastasse que todos já o fossem sem qualquer esforço. O nariz, adunco como o de uma ave de rapina, poderia até tocar o queixo, caso este não fosse tão pontiagudo. 

        Elisberto, apesar de conviver com aquela aparência há algumas décadas, andava cada vez mais ranzinza com as pessoas ao redor. Não que fosse violento, pelo contrário. Mas também não era uma mosca morta nem tinha sangue de barata. Se bem que ele acabou desenvolvendo certa cumplicidade com este último inseto. 

        Pois é, lá estava o Elisberto no cachorródromo do Tesourinha, no agradável bairro Menino Deus, em Porto Alegre. Ele estava acompanhado do seu inseparável vira-lata, o Popoco. Nisso, chega a Filisteia, que trazia na coleira a Lili, uma poodle cheia de pompons. Uma lindeza só!

        Filisteia soltou a sua cadela, que correu para brincar com o Popoco. O cachorro, apesar de castrado, resolveu se engraçar todo para o lado da poodle. Pura conjectura de que algo impossível pudesse vir a acontecer.

       Tudo parecia como mais uma manhã agradável, até que, de repente, uma enorme barata passou perto dos pés da Filisteia. A mulher soltou um grito tão agudo, que a Lili e o Popoco pararam a brincadeira. Elisberto, que estava a poucos metros, logo percebeu o motivo de tal grito, mas nada fez. Ele apenas acompanhou o caminho da barata, talvez voltando para o lar, doce lar. 

        Filisteia, então, intimou o Elisberto a matar aquele ser repugnante. O homem, a princípio, ignorou os apelos da mulher, que insistiu para que ele tomasse uma atitude. Nada! Ele não moveu uma palha sequer.

        _ Não sabia que você tinha medo de barata, Elisberto.

        _ Não tenho.

        _ Então, por que não esmagou esse barata asquerosa?

        _ Porque tenho pena delas.

        _ Mas as baratas são nojentas!

     Nojentas são as formigas, que andam pelos lixos. Mas todos amam as lindas formiguinhas. Ninguém gosta das baratas, que são feias. Sei bem como é que elas se sentem! Além disso, as baratas me livram dos percevejos. 

  • Nota de esclarecimento: O conto "Elisberto e as baratas" foi publicado pelo Notibras no dia 07/10/2023.
  • https://www.notibras.com/site/socorro-uma-barata-deixa-ela-comer-percevejos/

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Nada mais que um bobo da corte

 


    Recentemente li um texto maravilhoso do Mathuzalém Júnior, um craque na arte do Jornalismo. Repare que escrevi Jornalismo com letra maiúscula, pois não há outra maneira de se referir aos escritos desse, me atrevo a dizer, colega. Ele se referia ao palhaço que depositou o traseiro por quatro longuíssimos e tenebrosos anos na cadeira presidencial, afirmando que "rei morto, rei posto". 

    Conheço tal ditado, como tenho certeza de que você, que está lendo este texto, também o conhece. Todavia, não há quem me convença de que o Bozo tenha reinado um dia sequer na vida, pois nunca passou de um mero bobo da corte. Sim, BOBO DA CORTE!!! Com letras garrafais. 

       A direita, cansada de tomar pancada da esquerda, arquitetou o golpe contra a Presidenta Dilma. Falar algo contrário a golpe é, no mínimo, burrice ou falta de caráter. É óbvio, mais que óbvio, que foi golpe. Ah, mas e as pedaladas? Pois é, as únicas pedaladas que a Presidenta Dilma deu foram na sua bicicleta. Aliás, para quem não sabe, ela continua pedalando diariamente em Porto Alegre, o que lhe garante uma silhueta esbelta, além de muito fôlego para lutar contra os que insistem em flertar com o fascismo. 

        Mas voltemos ao tal bobo da corte. Parodiando um velho poeta mineiro de Itabira, o PT era a pedra no caminho da direita, que não emplacava um candidato à Presidência da República desde o Fernando Henrique Cardoso. Pois é, houve até quem apelasse para uma suposta operação de combate à corrupção, a tal Lava Jato, que, depois de todo aquele espetáculo circense, descobriu-se tratar-se de uma farsa. 

        O Brasil passou por dois anos temerosos sob o comando de um antigo intérprete do mais famoso vampiro. Tudo parecia de acordo com a cartilha da direita, certa de que iria, finalmente, conseguir eleger seu candidato. Entretanto, o queridinho da direita caiu depois de um áudio em que dizia que iria mandar um primo para pegar uma propina. Sim, um primo, mas um que ele pudesse mandar matar.

    Como o plano A falhou, tudo apontava para mais uma vitória avassaladora do PT. Mas eis que, logo ali ao lado daquele circo armado, surge um palhaço. Sem melhor opção, a direita se despiu de qualquer pudor e passou a apoiar as atrocidades ditas pelo Bozo. Todos sabíamos que esse palhaço era o arquétipo, ainda mais caricato,  do Adolf ou daquele outro, o tal Benito. 

    A grande imprensa abraçou essa ideia estapafúrdia e, então, o Brasil passou a ser chacota mundial a partir da eleição do Bozo. Este, sem qualquer modo, mas com o modus operandi costumeiro, meteu o pé na jaca perante todo aquele banquete. As pegadas, de tão evidentes, precisaram ser camufladas com sigilos aqui, ali, acolá, em todos os lugares.

    A situação se tornou tão infame, que até parte da direita começou a ficar incomodada com aquele bode na sala. A solução foi se aliar ao PT, único partido de verdade do Brasil, pois os outros não passam de legendas. Dessa forma, após uma batalha gigantesca, finalmente o país voltou a ter um Presidente da República com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva. Quanto ao Bozo, este perdeu. Pois é, o bobo da corte perdeu da maneira mais vexatória. Perdeu roubando. Então, nada de se falar de rei morto, rei posto. 

  • Nota de esclarecimento: esse texto saiu no Notibras no dia 17/02/2023.
  • https://www.notibras.com/site/mamathuzalem-pera-ai-rei-so-ha-um-o-outro-e-o-bobo-da-corte/?fbclid=IwAR2syLKSiqnP_EIQNUBrPLWiNIXMBZ2ydIuT-rsE2OdFG_s_RYCBkHL64CA

Valgredo, o gigolô


    Valfredo José Gouveia da Mata e Silva, apesar de toda pompa do seu nome, herdara apenas um pequeno apartamento no subúrbio, que ficava bem em cima da antiga padaria da família. Poderia ter seguido os passos do pai e, literalmente,  metido a mão na massa. No entanto, desde muito cedo percebeu que, do ofício do seu velho, gostava apenas de comer aquele pão bem quentinho com algumas fatias finas da mortadela especial. À moda da casa, conforme o enorme cartaz atrás do balcão. 

    Sem muito tutano pros estudos, mal terminou o ensino fundamental. Valfredo não conseguia entender o motivo pelo qual alguém pudesse passar a vida inteira entretido com raízes quadradas, esses e mais aqueles afluentes da margem esquerda do rio Amazonas, tantas orações subordinadas. Insubordinado que era, ele é que não iria perder seu precioso tempo com tantas informações inúteis. 

    Aos dezoito, caiu nas graças de uma jovem senhora. Não tão jovem assim, diga-se de passagem, ainda mais para um rapaz que mal havia trocado as fraldas pelo jeans libertador. Seja como for, o sacrifício valia a pena. Nada de acordar bem cedinho, nada de suar o suor dos paupérrimos trabalhadores. Tudo bem que Valfredo teria que cumprir suas obrigações de alcova quase diariamente, mas a flor da idade e os hormônios nas alturas lhe garantiriam muito fôlego para satisfazer todas as luxúrias daquelas carnes quase sem viço. Aliás, a velha tinha nome e sobrenome: Dolores Gonçalves de Magalhães, uma herdeira de verdade.

    O tempo, no entanto, provou que até os casais arranjados possuem lá as suas agruras. De noites quase contínuas de amores febris, Dolores cada vez menos buscava os braços do seu quase gigolô. Ela ainda sentia arrepios toda vez que Valfredo a pegava por detrás e lhe tacava um ardente beijo no pescoço. Todavia, por recomendação do geriatra, a osteoporose estava muito avançada. Então, nada de movimentos bruscos.

    Como existe um ditado ou algo que o valha que diz que, quando algo não está sendo preenchido, alguém irá se apoderar dessa lacuna, não tardou e Dolores se apaixonou novamente. Sim, isso mesmo! A velha ficou encantada quando uma amiga de longa data, a Rosa, lhe presenteou não com uma, mas com duas buldogues. Valfredo, que nunca tivera alergia à cachorro, passou a se coçar como se tivesse dormido com urtiga. No entanto, para não perder suas regalias, sempre demonstrava ter o maior afeto por Gigi e Lalá. Tanto é que sempre fazia questão de levá-las para passear pelos imensos jardins da mansão. 

    É verdade que, por duas ou três vezes, Valfredo tenha tentado dar fim naquelas cachorras. Mas logo percebeu que não havia nascido para atos de violência. Mesmo assim, a cada dia aumentava seu ódio pela Gigi e, especialmente, pela Lalá, que cismava em lhe lamber a cara todas as manhãs. Pois é, as duas dormiam na mesma cama que o casal. Se isso não bastasse, a cachorra ainda tinha o péssimo hábito de roncar e soltar flatos sem qualquer cerimônia.

    Ainda bem que não há mal que dure para sempre. E isso aconteceu logo numa manhã chuvosa de domingo. Depois de quase 15 anos dormindo na mesma cama, Valfredo se arrepiou todo ao sentir o gélido corpo ao seu lado. Era Dolores. A velha foi embora sem nem mesmo dizer um tchauzinho. Ele ficou até triste, pois percebeu que já havia se acostumado com o cheiro de naftalina da quase amada. 

    O enterro foi no dia seguinte, com direito até à marcha fúnebre, como Dolores havia pedido. Quanto ao testamento, este foi lido quase um mês depois, quando todos os parentes, finalmente, puderam se reunir. Obviamente que Valfredo estava presente. Aliás, na primeira fila de cadeiras diante do advogado da família da defunta. Todos os herdeiros estavam ansiosos, todos desejosos do devido quinhão. Algumas poucas joias ficaram para a pequena Laís, sobrinha-neta favorita de Dolores; o faqueiro de prata foi herdado pela única irmã. E a mansão? E a mansão? E a mansão? Dolores estava atolada em dívidas, a mansão foi direto para as garras do banco.

    Valfredo parecia o mais devastado pela falência da velha. Enquanto todos se levantavam para ir embora, eis que o advogado se vira para o agora viúvo e diz que ainda faltava revelar o último desejo da defunta. Ela queria que as buldogues ficassem com Valfredo, já que ele era a única pessoa na qual ela depositava plena confiança, haja vista o amor que ele sempre demonstrou possuir pelas duas. Sem forças nem coragem para declinar de tal desejo da falecida, Valfredo sorriu aquele sorriso amarelo e pegou as cachorras no colo.

    Uma semana mais, Valfredo e as cachorras foram despejados da mansão. Sem lugar para onde ir, ele voltou para o pequeno apartamento que herdara. É óbvio que levou as buldogues. Não por compaixão, muito menos por amor. O ódio àquelas cachorras o consumia dia a dia, até que, certa manhã, ele acordou bem cedo e, decidido, resolver dar cabo das duas.  

    Já na rua, o homem desceu a ladeira puxando as cachorras pela guia. Sua mente maquiavélica pensava em vários planos para, finalmente, se ver livre daquelas pulguentas. Ora pensava em jogá-las no lixão, ora no rio que passava logo ali desfilando todo o esgoto do bairro. Foi em direção ao rio. O sorriso cínico nos lábios, pura satisfação ante algo tão desejado. Eis que, de repente, ele ouve uma voz desconhecida. Era a de uma jovem senhora em um luxuoso conversível. Não tão jovem assim, diga-se de passagem. Mas nada que um Valfredo, desesperado que estava, pudesse deixar escapar.

    _ Que mocinhas lindas! São suas?

    _ Ah, sim! São os amores da minha vida. Esta aqui é a Gigi. Já esta fofura aqui é a Lalá.
  • Nota de esclarecimento: o conto "Valfredo, o gigolô" foi publicado pelo Notibras no dia 23/02/2023. A pedido do editor do Notibras, o texto sofreu uma leve alteração para que a história se passasse no Distrito Federal. 
  • https://www.notibras.com/site/valfredo-o-gigolo-se-deu-bem-com-gigi-e-lala/
  • O conto "Valfredo, o gigolô" compõe o 13º número da Revista Fluxos, do projeto A Liter Ação.
  • https://drive.google.com/file/d/1UP4TU35Av9H6vxtQlpofeUDvWywc_Gz9/view
  • https://www.calameo.com/read/0063543782b5f9db38bf8
  • O conto "Valfredo, o gigolô" faz parte da antologia Nova Literatura Indie da editora Obook, 2023.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Genuíno, o sincero

      Genuíno Lhano é o que se pode chamar de homem peremptório. Sim, isso mesmo! Direto como uma flecha, não fazia rodeios para dizer o que tinha que dizer. Ou, como gostava de falar o seu amigo, o Juarez, Genuíno falava o que era para ser falido, dizia o que era para ser dizido. Seja com português rebuscado ou inventado pela sabedoria popular, esse homem diz o que pensa, mesmo que nem sempre pense o que fala. 

    Histórias não faltam sobre esse homem quase octogenário que não faz rodeio nem para montar cavalo xucro, caso seja necessário. Uma delas aconteceu justamente na primeira vez que viu o Augustinho, o primogênito da dona Augusta e do seu Augusto, os então novos moradores do bairro Menino Deus, na linda e acolhedora Porto Alegre. 

    O jovem casal, orgulhoso do seu herdeiro, passeava com aquele bebê de apenas seis meses. Os moradores paravam para elogiar aquela coisa mais fofa do mundo. Dona Lídia, uma das mais antigas, fez questão até de tascar um baita beijo naquelas bochechas rosadas. Nem a marca do batom vermelho pareceu incomodar os pais do menino. Na verdade, os dois pareciam acreditar que mereciam tudo aquilo, tão certos que estavam de que o pequeno Augustinho era mesmo um príncipe de tão lindo. 

        Nisso, eis que surgiu o Genuíno, que não entendeu o porquê daquela algazarra em volta daquele carrinho de bebê. Curioso, foi até lá, quando a Alzira lhe sorriu ao mesmo tempo em que apontou para o Augustinho. 

        _ Vem ver, Genuíno! Vem ver esse menino mais lindo do mundo!

        O velho se aproximou do grupo e, finalmente, olhou olho a olho pro Augustinho. Para falar a verdade, bem que ele quis permanecer calado, dar as costas e ir embora. Mas foi impedido pela Alzira, que, eufórica, queria porque queria a opinião do Genuíno. O velho torceu a cara e acabou causando um mal-estar, que poderia ter virado até caso de polícia, caso o seu Valdo não interviesse.

    _ Por que viraram o piá do avesso?

    Esse reboliço foi assunto no bairro durante os próximos anos, até que o Augustinho, já com seus quase 8, estava jogando bola na quadra em frente ao cachorródromo do Tesourinha. Chuta daqui, chuta dali, eis que um bicudo mais forte fez com que a bola ultrapassasse a grade e fosse parar justamente aos pés do Genuíno. 

    O idoso, que estava acompanhado do velho Ludo, um vira-lata de pelo rasteiro, fez questão de demonstrar suas habilidades futebolísticas, que não eram muitas. Agachou-se com certa dificuldade, pegou a bola e tentou devolvê-la com um chute. Sem sucesso, pois ela caiu no gramado do cachorródromo, bem ao lado da grade. Foi até lá e, com mais um esforço, conseguiu jogá-la do outro lado. Augustinho, já com a bola nas mãos, agradeceu o velho pela generosidade. O velho sorriu e disse uma coisa que o menino não entendeu.

    _ Você ficou bem melhor depois que te reviraram.

    Parece que tal interlúdio foi parar nos ouvidos da dona Augusta, que, até aquele momento, guardava certa mágoa do Genuíno. Todavia, todo esse rancor de anos havia chegado ao fim. Na verdade, a mãe do Augustinho passou até a ser uma defensora do velho, que ainda guardava alguns desafetos no bairro. Tanto é que, certo dia, a dona Augusta resolveu fazer uma visita para o Genuíno. Sem saber o que levar, colheu algumas pimentas no jardim. Colocou-as cuidadosamente numa vasilha e, já na calçada, percebeu que o velho acabara de entrar em casa.

    Dona Augusta caminhou até a residência do Genuíno, tocou a campainha. Logo o velho surgiu. Ela, para desfazer qualquer mal-entendido, sorriu com todos os dentes, ao mesmo tempo em que cumprimentou o vizinho. Trocaram algumas palavras com promessas de uma visita para um café daqui a alguns dias. Nisso, a mãe do Augustinho se lembrou das pimentas e entregou o potinho para o mais sincero dos homens.

    _ São para o senhor. 

    _ O que é isso?

    _ Ah, são pimentas do meu jardim. Eu que plantei.

    _ Muito agradecido, minha filha. Mas as minhas hemorroidas não me permitem tal extravagância.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Genuíno, o sincero" foi publicado no Notibras no dia 26/3/2023. Por um pedido da redação do jornal, foram feitas pequenas alterações no texto para que a história se passasse no Distrito Federal.
  • https://www.notibras.com/site/genuino-o-sincero-a-pimenta-e-as-hemorroidas/
  • O conto "Genuíno, o sincero" faz parte da coletânea Contos de Humor da editora Persona, lançada em 2023.
  • O conto "Genuíno, o sincero" faz parte do livro "EDUARDO MARTÍNEZ E OUTROS AUTORES Projeto Literatura na escola PROJETO LITARATURA NA ESCOLA 1".
  • https://www.calameo.com/books/006803069f3f5db711eee
  • O conto "Genuíno, o sincero" faz parte da 44ª edição da Revista LiteraLivre, 2024.
  • https://drive.google.com/file/d/1p23s5QFHjyx7ieM_btfnEYNRrYFF3m6r/view
Versão de microconto:

Genuíno, o sincero

Genuíno era homem peremptório, sem rodeios.

A vizinha lhe entregou um pote.

            _ São para o senhor. 

            _ O que é isso?

            _ Ah, são pimentas do meu jardim. Eu que plantei.

            _ Agradecido, mas as minhas hemorroidas não me permitem tal extravagância.

sábado, 11 de fevereiro de 2023

Adeus, guapuruvu!

    O olhar desolado do Marcio e dos cães ao redor era ainda mais flagrante do que o dos demais que frequentavam o cachorródromo do Tesourinha, ali no bairro Menino Deus, em Porto Alegre. Triste fim para o imponente guapuruvu, que tanta beleza levou para aquele lugar. Beleza, sombra e paz!

    Não se sabe a causa mortis da árvore. Mas quem liga para uma árvore, quando milhões de outras são cortadas por este país afora? Sem falar das queimadas para abrir ainda mais pasto para o gado. Dizem até que alguém pensou em chamar a perícia criminal, mas ninguém se atentou para a necessidade de um boletim de ocorrência. Aliás, pra que meter a polícia nisso? Era apenas mais uma árvore. Plante-se outra!

    Olhares incrédulos, faces chorosas, todos ali, a seu modo, sentiram o baque. Nada mais do majestoso guapuruvu. Nada mais de conversas animadas aos seus pés ou raízes, como queiram. Daqui pra frente, apenas recordações e fotografias tiradas, que vão desaparecer ao longo do tempo, cada vez mais desbotadas até que, por fim, ninguém mais se lembrará que ali, um dia, viveu um guapuruvu.

    Tombou do alto dos seus quase 20 metros. A Defesa Civil foi acionada para desmembrar a enorme árvore, que jazia inerte no chão. Triste fim desse Policarpo Quaresma, que, mais uma vez, foi vencido pelas saúvas, como se todos os problemas do Brasil fossem as formigas. Ninguém reclamou o corpo, que, talvez, vire canoa para algum navegante de última hora do Guaíba.
 

Horácio, o contador

    Aquela praia era a mesma que Horácio, hoje com quase 40, havia vivido a infância. Nessa época de menino, ele passava as manhãs ensolaradas contando ondinhas. Não que soubesse contar além de dez, mas isso não era problema. Contava, recontava, voltava a contar e assim ficava. De tanto contar ondinhas, virou contador. 

    Alugou uma loja no centro da cidade. Mandou pintar uma placa enorme, onde se lia sem qualquer esforço o nome do seu escritório: Contabilidade Beira-Mar. Uma bela praia cheia de ondinhas espumantes completavam a fachada da loja. Em pouco tempo, os raros clientes foram se multiplicando a tal ponto, que Horácio precisou contratar dois funcionários, depois mais três. Quando percebeu, já comandava uma equipe de quase vinte.

    Horácio não ficou rico, mas quase. Comprou uma linda casa no bairro mais chique. De tão grande o lugar, o homem se sentiu solitário. Sem problemas financeiros, encontrou nos braços de Luciana o aconchego que lhe faltava. O namoro durou quase dois anos, mas poderia ter durado muito mais, caso ele não insistisse em se casar. Luciana, enfim, aceitou a mão do contador. Desposou-o num fim de tarde de um domingo. 

    A lua de mel foi na Europa. Passearam por Paris, Londres, Roma, Barcelona e todos os outros lugares que tiveram tempo e dinheiro para gastar. E gastaram muito, mas nada que a interminável mania de contar do Horácio não pudesse pagar. A felicidade daqueles dois era de causar inveja até em princesas e príncipes de contos de fada. 

    Mal chegaram de viagem, foram recepcionados por parentes e amigos, curiosos que estavam dos acontecidos na viagem. Luciana, com aquele largo sorriso, contava coisas pitorescas, o que provocava gargalhadas ao seu redor. Horácio a tudo assistia, peito estufado de orgulho da esposa, tão carismática, que poderia subir no palco e substituir até a Fernanda Montenegro sem que a plateia percebesse, tamanho era o talento da mulher. No entanto, antes que Luciana pudesse demonstrar seus dotes artísticos, eis que ela desandou a vomitar todo o pargo com alcaparras e arroz branco sobre o tapete persa da sala de estar. 

    Ainda bem que havia um médico entre os convidados, o Dr. Batista, gastroenterologista. O especialista examinou a paciente de última hora e, em poucos minutos, do alto de sua vasta experiência, deu o diagnóstico. 

    _ Foi a azeitona!

    _ Que azeitona que nada, doutor! A dona Luciana está buchuda! - afirmou categoricamente a faxineira, que naquele dia fazia as vezes de garçonete. 

    Passado o pequeno constrangimento, todos deram razão à Juraci, que era tarimbada no assunto. Ela tivera oito filhos, sendo três em casa. Até o Dr. Batista, apesar da flagrante humilhação, concordou com a empregada e, dizem, até hoje conta essa anedota para seus pacientes.

    Luciana pariu o primeiro filho, que recebeu o pomposo nome de William. Todavia, por conta do acontecido durante a descoberta da gravidez da mãe, todos o passaram a chamar de Azeitona. O menino até gostava, pois, dessa forma, se viu popular. 

    Assim que Azeitona começou a estudar, seus pais voltaram a ter tempo para outras coisas. O resultado foi que, poucos meses depois, Luciana vomitou todo o café da manhã. Ela, ciente do que estava acontecendo, apenas olhou para a Juraci. A faxineira fez que sim com a cabeça. As duas sorriram. Era uma menina, mas as duas mulheres ainda não sabiam.

    Florisbela nasceu no princípio do ano seguinte. Azeitona, no começo meio surpreso com aquele novo ser em seu território, acabou por se acostumar e, em seguida, não saía de perto da irmã. Queria porque queria participar de todos os eventos envolvendo aquele novo membro da família. A felicidade parecia completa naquele lar, doce lar. E realmente era! Ou quase!

    Horácio, alguns meses após o nascimento da filha, teve uma conversa com Luciana. Pensava em se mudar para uma casa em frente à praia, a mesma praia onde passara a sua infância. A esposa gostou muito da ideia, pois as crianças praticamente só conheciam piscina, seja a da casa onde moravam, seja a do clube onde eram sócios. Mudaram-se assim que foi possível, isto é, quase dois anos após essa conversa.

    Hoje em dia, é possível ver um homem chegar todos os dias bem cedinho à praia bem em frente à sua casa. Sempre acompanhado da linda esposa e dos filhos, ele se senta em uma cadeira bem próximo à água. As ondas molham seus pés e, dizem, ele já contou tantas, que já passaram dos milhões. 
  • Nota de esclarecimento: O conto "Horácio, o contador" foi publicado pelo Notibras no dia 13/7/2023.
  • https://www.notibras.com/site/contador-soma-ondas-a-beleza-de-luciana-e-filhos/
          

terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Ione e Elenice, as quase irmãs siamesas

    Elenice e Ione eram tão amigas, que pareciam irmãs siamesas, de quão grudadas eram desde sempre. Isso mesmo! Desde sempre! Desde os longínquos tempos, quando suas respectivas mães deram à luz na mesma cidade, no mesmo bairro, na mesma maternidade, no mesmo dia e, pasmem, quase ao mesmo tempo. É verdade que Elenice nascera dois minutos antes, o que a tornava a mais velha da dupla.

    Por mais uma dessas coincidências da vida, cresceram na mesma rua, onde brincaram com as mesmas crianças no mesmo parquinho ali perto. Estudaram naquela velha escola, que há tempos fora quase nova. Namoraram alguns rapazes da vizinhança, mas nada além de namoricos sem grandes consequências. Isto é, alguns corações partidos sofreram aqueles sofrimentos de adolescentes, como se Elenice ou Ione fosse a garota da vida de algum rapaz mais romântico. Que nada! As duas preferiram outros ares e, por isso, acabaram se casando com os pretendentes do bairro vizinho.

    Orival foi o sortudo que conseguiu levar a bela Ione para o altar. Não que ele a tenha escolhido, mas justamente o contrário, como sempre acontece. O rapaz até imaginou não ter qualquer chance com aquela beldade. Sorte dele que ela se encantou por sua aparência nada além de comum. Sim, não havia qualquer atributo que pudesse distingui-lo dos demais. Era bem-humorado, é verdade! Talvez tenha sido isso mesmo que a atraiu, já que ela sempre gostou de dar boas gargalhadas. 

    Por sua vez, Elenice se simpatizou com o Joca, que, por acaso, era muito amigo do Orival. Seja como for, o quarteto começou a ser visto nos eventos da pequena cidade mineira. De tão pequena, os pais de Ione e Elenice logo quiseram apressar o casório, antes que os ímpetos daqueles jovens pudessem dar o que falar. Não demorou, e foi o que aconteceu. O casório! Afinal, Ione e Elenice eram moças de família. 

    Depois das núpcias na então badalada Belo Horizonte, os dois casais voltaram para a pequena cidade. Moraram na mesma rua, casas quase uma em frente à outra. Enquanto as agora jovens senhoras cuidavam dos afazeres domésticos, eis que os maridos iam trabalhar na mesma fábrica, aliás, a única daquela cidade. 

    Joca, apaixonado por uma boa porção de feijão, sofria com os gases. Em casa, ele fazia o maior esforço para segurá-los para manter a harmonia no casamento. Quem sofria era o Orival, já que o amigo não fazia qualquer cerimônia para soltá-los no trabalho. Acabou se acostumando. Não que gostasse! Todavia, suportava porque eram amigos. 

    Elenice e Ione engravidaram quase ao mesmo tempo. Os bebês nasceram no mesmo dia, na mesma maternidade, quase ao mesmo tempo. Alberto, filho de Elenice e Joca, nascera dois minutos antes do Rafael. Obviamente que esses dois molequinhos cresceram quase grudados. Aliás, até dizem que o Alberto, sempre brincalhão, gostava de dizer que era o irmão mais velho do Rafael. 

    O tempo foi passando muito depressa a partir de então. As crianças logo se transformaram em adolescentes, que, em seguida, viravam adultos quase responsáveis. Mudaram para a capital, onde foram arrumar novas oportunidades de emprego, casaram, tiveram seus próprios filhos. 

    Enquanto isso, as duas amigas continuavam grudadas. Envelhecidas, é verdade, mas nem por isso deixavam de se ver diariamente. Até que, sem nem mesmo avisar para a quase irmã, eis que a Elenice fechou os olhos e nunca mais acordou. Ione, extremamente desolada, ficou sem chão. Antes tivesse ficado viúva, chegou a pensar. Mas não foi o caso, mesmo porque continuava apaixonada pelo velho Orival, agora com seus quase 80.

    O enterro foi em uma triste manhã chuvosa. Joca estava extremamente tristonho, Ione, então, não conseguia acreditar que nunca mais iria ter a companhia da Elenice. Orival ora consolava a esposa, ora ia dar um abraço no viúvo.

    Já havia se passado quase um mês da morte de Elenice, quando Ione e o marido estavam na cama, adormecidos por conta do avançar da noite, que deu lugar à madrugada. De repente, o celular da Ione toda. Ela se vira, ainda sonolenta, e vê quem poderia ser àquela hora. Para seu espanto, é o número da Elenice. Paralisada, ela não sabe se atende, até que Orival acorda com o barulho. 

    _ Quem é que está ligando a essa hora?

    Ione aponta para o nome de Elenice na tela do aparelho celular. Orival também fica sem entender aquilo e, finalmente, pede para a esposa atender. Ela pega o telefone e o coloca no viva voz. Sons estranhos são ouvidos pelo casal, que arregala os olhos. Seria a Elenice telefonando do além? Até que outro som, ainda mais estranho, chega aos ouvidos de Ione e o marido. Orival sorri, vira-se e, antes de fechar os olhos, acalma a esposa. Ele havia descoberto o mistério.

    _ Provavelmente o Joca guardou o celular da Elenice e, sem querer, enquanto roncava, deve ter apertado a tecla pra ligar pra você.

      _ E como é que você descobriu isso, Orival?

       _ Ah, esse pum eu conheço!

  • Nota de esclarecimento: O conto "Ione e Elenice, as quase irmãs siamesas" foi publicado pelo Notibras no dia 2/6/2023.
  • https://www.notibras.com/site/pum-encerra-misterio-do-celular-madrugador/

sábado, 4 de fevereiro de 2023

Gil, aquele abraço!!!

    Ao lado do meu grande amigo Johnny, assisti a um show do Gilberto Gil nas areias de Copacabana, talvez em 1991 ou 1992, não sei ao certo. Esse baiano, que gosta de inventar palavras, como um menino inquieto, que precisa dar novos significados não apenas às coisas, mas à vida das pessoas, pirilampo como ele só, iluminou meus olhos naquele dia. 

    Confesso que alguns anos antes me irritei com o Gil. O motivo? Bem, não gostei de vê-lo fazer reverência ao Stevie Wonder, que considero um grande artista. Todavia, deixando de lado qualquer nacionalismo bobinho, não há de se negar que o Gil é muito maior que o prodígio estadunidense. Então, aquele gesto me pareceu, naquela época, submissão. Tolo fui eu, que não percebi que esse baiano fantástico é um poço de generosidade, talvez ainda maior que a sua própria genialidade. 

    Submisso é algo que o Gilberto Gil não é. Ele é ciente do seu talento! Não há nem sombra disso!!! Mas não espere desse canceriano algo Caetano Veloso de ser. Não mesmo!!! Talvez seja por isso que eles são tão amigos, pois, enquanto um é plácido, o outro é explosão. Você pode até se encantar com o colorido dos fogos de artifício, mas, talvez, sentirá mais prazer ao se deitar na areia da praia. Ou, seguindo nesse clima de metáforas, enquanto as ondas se quebram jogando espuma para todos os lados, o fundo do oceano possui belezas e encantos muito mais interessantes.

    Bem, voltando àquele dia em Copacabana, meu rosto devia estar revelando todo o meu encantamento por esse fenomenal artista. Então, quando já estávamos indo embora, eis que o Johnny, que, assim como o Gil, também é baiano, se vira para mim e solta essa: "Pois é, Dudu, é como sempre te falo! Existem os estados do Sul, os do Sudeste, os do Centro-Oeste, os do Norte, os do Nordeste e também existe a Bahia". Levei alguns anos para digerir isso, até que percebi que o meu amigo estava mais do que certo. Aliás, até digo mais! "Existem várias estrelas que iluminam o Céu, mas o Gil abrilhanta muito mais!"

  • Nota de esclarecimento: O texto "Gil, aquele abraço!!!" foi publicado pelo Notibras no dia 04/03/2023.
  •  https://www.notibras.com/site/gil-da-mais-brilho-a-copacabana-do-que-o-sol/