De tão mirrada, a patroa tratou de arrumar
um banquinho para que a menina alcançasse o fogão. Iracema precisou se
acostumar com o fogo tão perto dos seus braços finos, bem como suportar a
quentura da água do feijão avermelhando seu rosto infantil. Óleo quente, então,
respingava e a garotinha aprendeu a lidar com tamanha dor.
Problema maior era enfrentar as noites
solitárias no quartinho dos fundos, quando as luzes eram apagadas e o choro
chegava silencioso para não atrapalhar o sono dos donos da casa. Sentia falta
dos pais e dos irmãos, e imaginava que um dia sua mãe iria buscá-la, mas o tempo
passou e carregou todas as esperanças.
Iraci, a caçula, por sorte, quando chegou a
idade de ganhar o destino de Iracema, a família se mudou para o Distrito
Federal, cujas construções necessitavam de braços fortes e mãos dispostas a
preparar a boia para tantos candangos. Enquanto os irmãos viraram ajudantes de
pedreiro, o pai e a mãe trataram de construir um barraco com alguns cômodos,
sendo o principal um vão com mesas e cadeiras, onde eram servidas refeições aos
trabalhadores das empreiteiras. Não ficaram ricos, mas a vida melhorou.
Sem tempo e coragem para resgatar
Iracema, os pais deixaram os anos passarem, até que, quando a filha, já mulher
formada, decidiu aparecer. Ficou por um outono e um inverno, até que percebeu
que seu caminho era solitário. Saiu sem se despedir, apesar de, vez ou outra,
mandar notícias.
Iracema não casou nem teve filhos e hoje, já velha, divide sua solidão com duas gatas, ambas castradas. Raras são as visitas, inclusive dos irmãos, que se dispersaram pelo mundo. Iraci telefona duas vezes por ano, sendo uma no aniversário da irmã e outra no Natal. Trocam poucas palavras, até que o constrangimento se instala. Há coisas que é melhor deixar enterradas, como os pais, que repousam no cemitério Campo da Esperança.
- Nota de esclarecimento: O conto "Iracema e Iraci" foi publicado por Notibras no dia 14/3/2025.
- https://www.notibras.com/site/contra-mais-atritos-melhor-deixar-magoas-enterradas-no-campo-da-esperanca/
Nenhum comentário:
Postar um comentário