quinta-feira, 24 de março de 2022

Titio e os frangos

   O menino, apesar de ter uma certidão de nascimento como boa parte de todos nós, era conhecido como Titio. E, volta e meia, lá estava o moleque no sítio da família, onde perambulavam centenas de animais, a maior parte composta por galinhas, galos e pintinhos.  Esse ambiente, aliás, o fazia sonhar em seguir os passos de um dos seus parentes, que era veterinário.

   O garoto, há um bom tempo na escola, sabia muito bem contar até bem além dos mil. Todavia, talvez até pelo imaginário infantil, ele se perdia um pouco na quantidade exata dos bichos, ainda mais quando eles estavam espalhados à sua volta. Por isso, quando ele pegou um pouco de milho para jogar para os frangos, estes começaram a se aglomerar ao seu redor, formando uma verdadeira multidão de aproximadamente 500 ou mais. 

    O tio do Titio, vendo aquela cena, perguntou ao menino quantos frangos havia ali. O pirralho pensou, pensou, até coçou um pouco a cabeça, mexeu no queixo, e, com a certeza de um matemático, respondeu: 

    _ Trinta!

  • Nota de esclarecimento: O conto "Titio e os frangos" foi publicado por Notibras no dia 28/12/2023.
  • https://www.notibras.com/site/numero-cabalistico-30-e-sinonimo-de-outros-tantos/

segunda-feira, 21 de março de 2022

Elizeth Cardoso, Dona Irene e eu

 

    Creio que praticamente todos que acompanham meus contos e crônicas sabem do meu amor pela minha mulher, a Dona Irene. No entanto, sem que ela soubesse, passei o dia de hoje ao lado de uma outra diva, que sempre passou pela minha vida de maneira discreta. Na verdade, sempre soube quem ela era, mas o culpado fui eu de nunca observá-la com os olhos do bom gosto. Mas hoje, finalmente, me rendi aos seus encantos e, então, descobri que seria impossível não me apaixonar por ela: Elizeth Cardoso!

   Tudo começou na noite de ontem, quando futuquei o celular em busca de algo para ler antes de dormir. Nem sei o motivo pelo qual digitei Elizeth Cardoso, mas o fiz e comecei a ler sobre sua carreira, seus amores, descobri até que ela foi motorista de táxi por dez anos para ajudar a pagar as contas, já que era desquitada e tinha família para sustentar. Pois é, essa enorme estrela da música não teve um vida de princesa, como talvez muitos possam imaginar. Ela teve que ralar muito!!! 

  Seja como for, ainda me faltava recordar como era a voz da Elizeth. Puxei pela memória e me lembrava de um dueto entre ela e outra super maravilhosa estrela, a Elza Soares. Para falar a verdade, me lembrava vagamente do timbre, algo entre Ângela Maria e Elis Regina, imaginei. Eu até queria colocar uma música para tocar, mas já era tarde e eu estava sem fone de ouvido. Acabei adormecendo com o pensamento dividido entre a Dona Irene e a Elizeth.

    Hoje acordei bem cedo, resolvi tudo que tinha que resolver em casa e, então, fui trabalhar. Mas, antes de entrar no carro, já procurei no Spotify algumas músicas dessa mulher encantadora. Mal entrei no automóvel, já comecei pela primeira: "Folhas mortas". Não sei o que me deu, mas várias imagens da Elizeth foram saltitando na minha mente, como se me dando uma bronca por ter demorado tanto tempo para ouvi-la de verdade. 

    Parei no sinal vermelho, quando começou "Eu bebo sim". Gente, meus pés não paravam de mexer, tanto é que, sem querer, quase acabo provocando um acidente, já que meu pé direito bateu mais forte no acelerador. Que susto!!! Mas isso é para eu aprender a não ficar tanto tempo longe da Elizeth. E que me desculpe a Dona Irene, mas agora formamos um trisal.

  • Nota de esclarecimento: A crônica "Elizeth Cardoso, Dona Irene e eu" foi publicada por Notibras no dia 27/12/2023.
  • https://www.notibras.com/site/bebendo-sobre-folhas-mortas-e-formando-trisal/

domingo, 20 de março de 2022

Minhas filhas e o motorista de Uber

 

    A história de hoje aconteceu na cidade de São Paulo durante a pandemia da covid-19, cuja população é muito maior que a de muitos países. Sampa, apesar da enorme multiplicidade de culturas, não é propriamente o local mais lindo do mundo. Seja como for, a minha filha, que à época era a mais nova, mas hoje é a do meio, que cursa biotecnologia na USP, foi morar nessa metrópole. E, para auxiliá-la nessa mudança, a minha filha mais velha foi ajudar a irmã.

    E lá estavam as duas no Uber, quando o motorista puxou conversa. Ele perguntou se as duas haviam chegado recentemente a São Paulo. A minha filha mais velha respondeu que sim, quando o motorista logo notou o sotaque característico do Rio. A partir daí, ele começou a enaltecer São Paulo, dizendo isso e aquilo, que era o melhor lugar do mundo, o mais lindo do planeta. As minhas filhas se entreolharam espantadas, mas, como são muito educadas, apenas sorriram. 

   _ Pois é, São Paulo é muito melhor que o Rio. Os cariocas não trabalham, vivem apenas para o carnaval. 

    _ Você já foi ao Rio? - perguntou a mais velha.

    _ Nunca! São Paulo tem tudo! Aqui tem tudo e tudo aqui é melhor! O Rio é até bonitinho, mas acho que aquelas coisas que aparecem na televisão é tudo montagem. Deve ser um cenário que os jornais fazem para que o Rio pareça ser bonito.

    As minhas filhas continuavam a se entreolhar e rir, quando o motorista estacionou o veículo no destino, justamente o campus do USP Leste, onde fica o curso de biotecnologia. A minha filha, então caçula, quase muda, apenas acenou com a cabeça em agradecimento. No entanto, a maior, contestadora como ela só, quis saber o time do tal motorista. Ele, com um sorriso mais largo que a própria cara, respondeu:

    _ O maior de todos: Flamengo!

  • Nota de esclarecimento: A crônica "Minhas filhas e o motorista de Uber" foi publicada por Notibras por Notibras no dia 25/11/2023.
  • https://www.notibras.com/site/minhas-filhas-o-motorista-de-uber-em-sampa-e-o-melhor-do-rio/

    

Almeidinha e o casaco

  Não sei se você já leu alguma história que escrevi sobre o meu grande amigo Almeidinha, que provavelmente está entre as pessoas mais toscas que conheço. Extremamente bruto, mas também é um ser de uma bondade enorme e, talvez por isso mesmo, a minha mulher (a Dona Irene) e eu tenhamos verdadeira paixão por ele. Mas vamos logo aos fatos desse acontecido há alguns anos, quando a Dona Irene quis apresentar uma amiga, a Isadora, para o Almeidinha, já que os dois estavam com o coração solitário na época.

    Pois bem, lá estávamos os quatro numa mesa de um famoso bar em Copacabana, assistindo a mais um show do grande cantor Lindy Naldo, cuja voz convida para o amor. A Dona Irene e eu de um lado da mesa, a Isadora e o  Almeidinha do outro. Até mesmo o tempo, especialmente frio naquela ocasião, algo raro na Cidade Maravilhosa, parecia perfeito para que os dois pombinhos solitários juntassem os bicos e, até mesmo, engatassem um romance. 

    A Isadora, talvez ansiosa por aquela ocasião tão especial, acabou se esquecendo de levar um casaco, ao contrário de nós três. Ela, então, em certo momento, trocou algumas palavras com o Almeidinha.

    _ Puxa, está tão gelado hoje.

    _ Não estou com frio! - respondeu o Almeidinha, que estava com um casado bem acolchoado. 

    A Dona Irene e eu, obviamente, nos olhamos espantados com a resposta do Almeidinha, que, nem sequer, ofereceu o seu casado para a Isadora. Esta, em seguida, se levantou e foi ao banheiro. A minha esposa, por sua vez, travou essa conversa com o Almeidinha.

    _ Por que você não deu o seu casaco pra Isadora?

    _ Ué, ela não me pediu!

  • Nota de esclarecimento: A crônica "Almeidinha e o casaco" foi publicada por Notibras no dia 13/3/2024.
  • https://www.notibras.com/site/quem-insinua-mas-nao-pede-fica-com-frio/

    

sexta-feira, 18 de março de 2022

Almeidinha e o caixa do banco

    Já fazia um bom tempo que eu havia perdido contato com o meu grande amigo Almeidinha, que se aventurou por nesse mundaréu chamado Brasil. Eu sempre me perguntava por onde andava esse meu companheiro do curso de jornalismo, até que, certo dia, lá estava eu na fila de um banco. Por coincidência, estava conversando com um outro amigo, também chamado Almeidinha, que aqui vou chamar pelo outro sobrenome para que essa história não fique confusa: Alvarenga.

    Pois bem, o Alvarenga e eu falávamos qualquer coisa, que nem me lembro o que era, tamanha o acontecimento que se seguiu. Um bate-boca vindo lá na frente entre o caixa e um cliente nos chamou a atenção. Aliás, chamou a atenção de todo mundo, tanto é que os que estavam mais atrás na fila, como no nosso caso, esticaram o pescoço para ver do que se tratava. 

    Um homem corpulento e de voz rascante reclamava em alto e bom som com o homem do caixa. Observei aquela cena por alguns milésimos de segundo quando, então, constatei que era o Almeidinha. Sim, o meu amigo lá dos tempos da faculdade de jornalismo estava logo ali esbravejando. Saí da fila e fui até ele. Toquei o seu ombro direito e falei: "Almeidinha, há quanto tempo!"

    Tudo parecia lindo e maravilhoso! Eu acabara de reencontrar o meu grande amigo, por quem procurei por anos. Todavia, logo me lembrei que o Almeidinha tem certas peculiaridades tão arraigadas, que eu nem deveria ficar surpreso com o desfecho desse encontro. Ele olhou para mim como se tivéssemos nos visto no dia anterior e disse: "Oi, Edu!" Depois, ele se virou e continuou a brigar com o caixa.

  • Nota de esclarecimento: A crônica "Almeidina e o caixa do banco" foi publicada por Notibras no dia 3/2/2024.
  • https://www.notibras.com/site/almeidinha-em-dia-ruim-e-o-caixa-do-banco/

    

terça-feira, 15 de março de 2022

Chengulo, minha sombra

    Aqueles que me conhecem sabem que o meu maior companheiro nesses anos tem sido o Chengulo, um bulldog francês que é o meu chicletinho. Ou, então, eu é que sou o dele. Seja como for, somos tão ligados, que, agora mesmo, aqui está ele deitado ao meu lado, enquanto eu escrevo este texto. Obviamente, ele está roncando como um típico representante da raça. 

    Não sei se você que está me lendo possui um parceiro que o acompanha no seu dia a dia. Talvez seja um bichano, um coelho, um hamster, um ratinho, um peixe ou até mesmo um amiguinho imaginário.  Não importa! O que vale mesmo é saber que podemos contar com esses verdadeiros psicólogos, que sabem nos ouvir sem resmungar que estamos falando demais.

    Às vezes eu me pergunto se o Chengulo já teve um dia ruim, se já acordou de mau humor. Realmente não sei, pois todos os dias ele me cutuca com o nariz geladinho e olha para mim com aquela carinha de "E aí, o que vamos aprontar hoje?". E, por mais cansado e entediado que eu esteja, parece que aquela energia contagiante toma conta de mim. Pois é, não sei como é a sua sombra, mas a minha tem a forma do Chengulo. Provavelmente, a dele tenha a minha.


  • Nota de esclarecimento: A crônica "Chengulo, minha sombra" foi publicada no Notibras no dia 18/04/2023.
  • https://www.notibras.com/site/chengulo-melhor-amigo-tambem-melhor-sombra/



domingo, 13 de março de 2022

Esquerda, direita e o preço da gasolina



   Lá estavam aqueles dois eleitores conversando. Os dois, obviamente, de esquerda, pois eram trabalhadores. No entanto, um deles, extremamente moralista, insistia em cair nas bobagens faladas por qualquer candidato da direita: "Pela família brasileira!", "Por Deus!", "Bandido bom é bandido morto!", "Cidadão de bem!", "Todo mundo vai poder comprar uma arma!"

    _ Hoje não deu pra sair de carro. A gasolina tá muito cara.

    _ Ainda bem que trabalho perto do trabalho. Vou a pé mesmo.

    _ Sorte a sua. Vou ter que pegar dois ônibus pra chegar no meu.

    _ Pois é... Isso é pra você aprender a votar. Quem mandou votar nesse traste?

    _ Ah, mas eu não tinha opção.

   _ O quê? Que bobagem é essa? Claro que tinha! De um lado você tinha um professor universitário, extremamente capacitado, e, do outro, esse imbecil que só sabe fazer arminha com a mão.

    _ Mas o outro é da esquerda. Não voto na esquerda de jeito nenhum! 

    _ Então, aguenta firme, pois o rojão ainda vai vir mais firme!

    _ Mas eu tentei fazer a coisa certa! Só que não está saindo como eu esperava.

    _ Meu amigo, vou te explicar o que você fez. Sei que você é corintiano, assim como eu também sou. Então, imagine a situação: estamos lá, você e eu, querendo que o nosso time ganhe o campeonato para todos nós ficarmos felizes. O nosso adversário na final é o Palmeiras. Eu, que sou corintiano, pego o meu dinheiro e invisto no Corinthians, pois quero que ele vença a partida e me faça feliz. No entanto, você, que também é corintiano, pega o seu dinheiro e aplica no Palmeiras, na esperança de que esse mesmo Palmeiras entre em campo e faça dois gols contra simplesmente pra fazer a nação corintiana feliz. Desculpe, mas isso não vai acontecer nunca! 

    

sexta-feira, 11 de março de 2022

O avô e a neta em Paquetá

 

    A neta e o avô estavam em Paquetá, uma pitoresca ilha na Cidade Maravilhosa. Ele, quando criança, morou ali por alguns anos e, talvez por isso, guardava no peito intenso sentimento nostálgico, muito mais comum naqueles com idades superiores aos da maioria de nós. A menina, toda animada com a estada naquele paraíso aos seus olhos infantis, queria correr para a praia, mas foi contida pela voz suave do velho: "Mais tarde a gente entra junto. Vamos almoçar primeiro". 

  Comeram peixe frito com arroz, deliciosas batatinhas fritas, uma saladinha para rebater aquela comilança. Tudo muito gostoso!!! Tão delicioso, que os dois ficaram tristes de tanto comer e, deitados numa rede ali mesmo na sacada do hotel, adormeceram. 

    A neta acordou, olhou para o céu. Um céu muito azul, daqueles que quase nos obriga a ir para o mar. Ela cutucou a barriga do avô, que, com os olhos entreabertos, sorriu e abraçou a menina. A neta, não satisfeita com aquela reação, voltou a cutucar a pança do homem. "Vamos pra praia, vô! Você prometeu!" Ele não teve outra escolha e, então, ergueu o corpanzil, segurou a pequenina mão da garota e, por fim, a seguiu.

    Já na areia, a neta puxava ainda mais forte a mão do avô, que resistia o quanto podia. "Vai lá na água. Amanhã eu entro com você". Mesmo contrariada, a menina correu e se jogou no mar. Toda eufórica, corria pelo raso e espalhava a água sem qualquer cerimônia. O velho, sentado em uma cadeira logo ali sob a proteção de uma barraca, a tudo via e acenava, de vez em quando, para a neta. A tarde se foi, e os dois retornaram para o hotel, onde conversaram por horas, até que ela adormeceu sem mesmo se lembrar das últimas palavras do avô.

  Os dias foram passando, a menina sempre implorava para que o avô entrasse no mar com ela. Todavia, dia após dia, ele sempre dava a mesma desculpa: "Amanhã eu entro com você". Que nada, ele pregava o bumbum naquela cadeira sob a proteção da mesma barraca e ali ficava, enquanto a garota corria de um lado para outro, sempre espalhando aquela água salgada. E, quando o sol já estava se pondo, os dois voltavam de mãos dadas para o hotel, onde o velho contava histórias dos tempos de menino, enquanto a neta a tudo ouvia com muito interesse, até que não conseguia mais segurar o sono e adormecia.

  Último dia em Paquetá! Novamente o sol amanheceu quase expulsando os dois da cama. Tomaram o café da manhã e rumaram para a praia. O avô estacou em frente à cadeira sob a barraca e, para a surpresa da neta, não se sentou. Retirou o chinelo, jogou a camisa sobre a cadeira, segurou a mão afoita da neta e foi em direção ao mar. 

    A menina não acreditava naquilo! Finalmente, o avô iria entrar no mar com ela. Ainda de mãos dadas, os dois puseram os pés naquela água gelada. "Que saudade do mar!", disse o avô. Em seguida, voltou para a mesma cadeira sob a mesma barraca. A promessa estava cumprida!

  • Nota de esclarecimento: O conto "O avô e a neta em Paquetá" foi publicado por Notibras no dia 11/11/2023.
  • https://www.notibras.com/site/ai-que-saudades-que-da-de-colocar-o-pe-em-paqueta/

    

quinta-feira, 10 de março de 2022

Tia e madrinha

    A tia era tão apegada à sobrinha, que a tratava como filha. Aliás, além de tia, ela também era a madrinha da menina. Antes mesmo da afilhada nascer, lá estava a mulher ao lado da irmã, que estava com aquele barrigão. O nome já até estava decidido, mas a futura tia queria, a todo custo, convencer os futuros pais de que a menina deveria ter outro nome.

          – Ah, ela tem que ter um nome chique. O que vocês escolheram é muito simples.

          – E qual deveria ser o nome dela?

          – Milady Rayani!

          – Melhor deixar Ana Maria mesmo.

          Até a menina, anos mais tarde, agradeceu ao pai por não ter dado ouvido àquela ideia esdrúxula. Isso para não usar outras palavras menos educadas.

          Mas voltando à história, a menina já estava com 10 anos, quando a tia foi buscá-la para dar um passeio. Seria aquela farra somente entre ela e a sobrinha. No entanto, já na porta do apartamento, foi justamente a avó da menina que atendeu. Essa avó, na verdade, era a mãe do pai da menina. A tia até gostava dela, mas havia certa disputa entre as duas pela atenção da garota. Ah, a avó estava com uma visita, uma amiga de longa data. Então, aconteceu o seguinte diálogo.

          – Lourdes, essa é a Marinha, tia da minha neta.

          – Tia e madrinha! E você sabe, né? Tia e madrinha é até mais importante do que avó.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Tia e madrinha" foi publicado por Notibras no dia 16/3/2024.
  • https://www.notibras.com/site/flerte-ainda-na-gravidez-merece-titulo-duplo/

terça-feira, 8 de março de 2022

Matuto no confessionário

 

   Lá estava aquele homem matuto contando mais um desses causos que, por coincidências da vida, parecem acontecer somente em Minas Gerais.  Diante de tais histórias quase impossíveis, acabou angariando alguns desafetos, que o chamavam de mentiroso. Já os amigos, por mais que também duvidassem daquelas incongruências com a verdade, cismavam em defendê-lo. 

    A intriga estava tão grande, que o padre resolveu chamá-lo para uma confissão que, não se sabe como, acabou virando mais um causo. O loroteiro de um lado do confessionário; o padre, do outro. 

    _ Seu padre, mas eu juro que é verdade!

    _ Mas como pode isso, meu filho? 

    _ Pois bem. Lá estava eu naquele mundaréu sem fim, o capim dessa altura, de repente apareceu um homem com um facão. Ele ergueu aquele trem pra mim e já ia me cortar em pedacinhos. Mas aí, graças ao nosso bom Jesus Cristo, surgiu uma cobra e picou o dedinho do pé do homem. A botina dele tinha um furo justamente ali. Por sorte minha, o homem caiu durinho na hora!

    _ Meu filho, e que cobra era?

    _ Ah, isso eu não sei não. Mas que a bicha tinha três tipos de veneno, ah, isso tinha!

Dalmi, o homem do campo

    Creio que muitos sabem que sou veterinário nas horas vagas, profissão que exerço há mais de duas décadas. E, nesse tempo todo, conheci vários clientes interessantes e até curiosos, mas nenhum, creio, tão peculiar quanto o Dalmi. Além de criador de cães da raça Dogue de Bordeaux, ele é domador de bois e compositor. Na verdade, ele é extremamente preocupado com o bem-estar animal, pois trata todos com imenso carinho no seu sítio, seja galinha, seja cabra ou qualquer outro que aparecer por lá. 

    Por conta dessa diversidade de atividades, de vez em quando o Dalmi me manda uma mensagem pedindo socorro ou, então, para me mostrar a nova música, daquelas do tipo sertanejo bem raiz, como ele mesmo gosta de dizer. E sempre compartilho as tais canções com vários amigos e colegas, que muitas vezes tecem elogios. Alguns até dizem que vão colocá-las para tocar no carro. Pois é, parece que o Dalmi é um excelente compositor!

    A minha mulher, a Dona Irene, além das músicas, adora ouvir as mensagens de voz que o Dalmi me manda. Ela acha o máximo a falta de papas na língua do meu cliente, que não se envergonha em falar muitas palavras que, talvez, você, que está lendo esta história, não ouse proferir. Mas já vou avisando, isso não é falta de educação dele, mas simplesmente por ele pensar que as coisas devem ser chamadas pelos nomes. 

    Portanto, não espere que o Dalmi diga "Eduardo, o Brutus está com disenteria!", pois isso não vai acontecer. O Dalmi fala as coisas da maneira mais brasileira possível: "Eduardo, o Brutus tá cagando mole!"

  • Nota de esclarecimento: "Dalmi, o homem do campo" é mais uma das crônicas do Blog do menino Dudu que foi publicada pelo Notibras.
  • https://www.notibras.com/site/dalmi-o-homem-do-campo-fala-curto-e-grosso/

Ninica, a avó e o frango

 

    A avó da minha filha Ninica mora em Olho D´Água das Cunhas, interior do Maranhão. E a história que vou contar se passou justamente numa das visitas que a Ninica fez à sua vovó, que se chama Antônia. 

    E lá estavam as duas na cozinha conversando, quando a Antônia tentava convencer a Ninica a comer carne. É que ela já era vegana nessa época. A avó, muito atenciosa com a neta, falava que não entendia o que era aquilo de vegana, e a Ninica tentava lhe explicar.

    - Vó, é que eu não como carne. 

    - Mas Deus fez os animais pra gente comer.

    - Vó, a gente não come os cachorros.

    - Ah, mas não são todos os animais que a gente come.

    - Vó, mas eu não gosto de ver o sofrimento dos animais.

    - Ah, entendi! Você fica aqui, que eu vou ali no quintal e já volto.

    - O que a senhora vai fazer lá?

    - Vou matar o frango pra gente comer. 

    - Não, vó!

    - Ele não vai sofrer. 

    - Vó, claro que vai!

    - Vai nada. Eu mato rapidinho!

  • Nota de esclarecimento: A crônica "Ninica, a avó e o frango" foi publicada por Notibras no dia 16/3/2024.
  • https://www.notibras.com/site/vegana-ate-tenta-mas-nao-livra-pescoco-da-galinacea/

    

Doutor em tudo

    Dizem que aquele advogado, chamado de Doutor pra cá e pra lá, era a maior autoridade da região. Se alguém estivesse com qualquer problema, seja até mesmo picada de cobra, já corria lá na propriedade do Doutor. Para que médico, quando ali mesmo morava o Doutor?

Ele resolvia disputas de terras, reconciliava casais que já não se bicavam, até era capaz de fazer as pazes entre atleticanos e cruzeirenses. No entanto, havia uma situação que, talvez, fosse demais para o tal Doutor.

Um menino esbaforido de tanto correr chegou ao sítio do advogado, passou pela porteira, sempre aberta aos visitantes, e foi direto para a enorme varanda. Estirado numa rede, lá estava o Doutor, que quase não demonstrou reação, apenas observou o garoto.

– Doutor, o pai quer se separar da mãe!

Sem muita pressa, o homem se levantou da rede, pegou a garrafa de café posta à mesa ao lado, derramou um pouco numa xícara de louça colorida. O menino, ciente de que estava diante da autoridade máxima da região, apenas olhava com aqueles olhos maiores que a própria face. O Doutor sorveu um pouco do café, ao mesmo tempo em que olhava aquele menino mais magro que o gado em tempo de seca.

– Chame seus pais aqui agora.

O menino apenas assentiu com a cabeça e voltou correndo para a casa. Pouco tempo depois, lá estava ele com os pais, a mulher chorosa, o pai mais bravo que burro chucro.

– O que está acontecendo?

– Ela me traiu!

– Não traí não, Doutor!

– Por que você tá falando que ela te traiu, se ela está dizendo que não traiu?

– Olha esse menino, Doutor! Ele tem a pele mais escura que a minha e a dela. Ele não é meu filho!

O sábio observou com seus olhos atentos aquela situação. Pensou por um breve momento e, então, voltou-se para o homem queixoso.

– Quero que você e o menino andem até ali naquela jaqueira e voltem para mim, lado a lado.

O marido e o menino foram andando, enquanto o Doutor apenas observava. Assim que os dois cumpriram a ordem do advogado, este disse:

– Vocês dois andam mancando da mesma perna. Esse menino é seu filho! A sua mulher não te traiu!

– Tem certeza, Doutor?

– Claro que sim! Acabei de fazer o teste de DNA!

  • Nota de esclarecimento: O conto "Doutor em tudo" foi publicado por Notibras no dia 7/12/2023.
  • https://www.notibras.com/site/dna-de-pai-e-filho-mancos-alivia-a-mae-chorosa/

Ondas de gargalhadas

 

    Provavelmente, você já teve aqueles ataques de risos, quando não conseguimos nos conter, mesmo que façamos o maior esforço. Obviamente, também já tive alguns, especialmente ouvindo piadas de amigos, assistindo a alguns filmes ou mesmo relembrando algum acontecido. Todavia, uma vez aconteceu de eu perder o controle no metrô do Rio voltando para casa. 

    Nesse dia, eu estava na companhia de um livro muito engraçado (Segredos da cozinha masculina, de Marcos Gonzáles). Aliás, pode até parecer que estou fazendo propaganda dessa obra, mas, na verdade, nem conheço o autor. Que seja, resolvi dar crédito ao livro e ao escritor, já que, sem eles, eu não teria essa história para contar.

   Mas vamos direto aos fatos. Pois bem, lá estava eu, em pé, lendo o tal livro, quando solto uma pequena risada. As pessoas ao redor me olharam, o que me fez abaixar os olhos, pois sou meio envergonhado. No entanto, ao invés de guardar o livro, insisti na leitura, que estava muito interessante. Só que os parágrafos iam ficando cada vez mais cômicos e, então, não consegui mais conter minhas emoções e comecei a gargalhar. Mas não eram gargalhadas que conseguimos conter, pois vinham em ondas, uma mais forte que a outra. 

    Meus olhos começaram a lacrimejar, algumas pessoas ao redor me olharam com cara de espanto, outras sorriram, umas duas até se afastaram, e eu querendo sumir logo dali. Pensei até em descer em alguma estação antes da minha, pois a situação estava tão constrangedora, que os músculos da minha barriga começaram a doer de tanta câimbra. Eu me abaixava, me esticava, tentava puxar ar, mas logo vinha outra onda de gargalhadas ainda mais fortes. As lágrimas corriam pelo meu rosto. Que vergonha!!!

    Finalmente, chegou a minha estação. Desci o mais rápido que pude, já que, mais do que a vergonha que estava sentindo, queria voltar o mais rápido possível para aquelas páginas tão hilárias. Pois é, se o sofrimento comove a ponto de lhe dar aquela dor no peito, o riso nos deixa eufóricos de tal forma, que queremos mais e mais. Ele é compulsivo!!! Faz-me até lembrar da minha mulher, a Dona Irene, diante de uma prateleira de chocolates. Impossível resistir!!!

  • Nota de esclarecimento: A crônica "Ondas de gargalhadas" foi publicada por Notibras no dia 4/3/2024.
  • https://www.notibras.com/site/segredos-da-cozinha-fazem-passar-vexame-no-metro/

domingo, 6 de março de 2022

Salim e o capitalismo



    Um grupo de jovens estava no Quiosque do Salim, onde costumavam degustar aqueles deliciosos quitutes árabes. Nesse exato dia, porém, lá estava um rapaz, que havia se juntado à galera há poucos dias. Seu nome? Leonardo, mas todos o chamavam de Leo. E não sei se você sabe, mas Leonardo quer dizer bravo como um leão. O Leo não fazia o tipo violento, muito menos possuía a força do dito rei dos animais. Todavia, apesar de tamanha magreza, tinha uma fome de leão.

     Quase todos à mesa já haviam feito os seus pedidos para o Salim, menos o Leo. Aliás, essa era a primeira vez que ele ia naquele estabelecimento. Então, aconteceu o seguinte diálogo:

    _ E você, o que vai querer? - perguntou o Salim.

    _ Hum... Quatro quibes.

    _ E pra beber?

    _ Hum... Uma Coca.

    _ Eu não vendo essa bebida de capitalista!

    _ Tem algum refrigente?

    _ Ah, tem Pepsi!

    

Rogério, meu cunhado

    Um dos meus cunhados, o Rogério, tem uma padaria em São João de Meriti, município colado à Cidade Maravilhosa. Além de padeiro, ele também é podólogo, que, para os que não sabem, é aquele profissional especializado em pés. Sim, isso mesmo! Afinal, essas duas partes do nosso corpo também merecem uma atenção especial, haja vista nos sustentarem durante o dia inteiro.

                    Pois bem, o Rogério ministra um curso de podologia no Centro do Rio e, certa vez, a minha esposa (a famosa Dona Irene) e eu fomos até lá fazer uma surpresa para ele. Logo que entramos, o Rogério mostrou aquele sorriso largo e nos cumprimentou. Aliás, aqui cabe um parêntese, já que o meu cunhado morria de ciúme de mim com a sua irmã, quando ainda éramos namorados. Essa situação mudou completamente depois que, finalmente, nos casamos. 

    Mas voltemos à história. Na sala, os alunos atendiam os clientes, enquanto o meu cunhado os orientava aqui ou ali, dependendo do procedimento. Tudo bem profissional, até que a minha mulher, sempre muito atenta e repleta de curiosidade, chamou o irmão para o canto.

          - Não entendo uma coisa.

          - O quê?

          - Se você é careca, porque está usando touca?

          - É pra dar o exemplo!

  • Nota de esclarecimento: A crônica "Rogério, meu cunhado" foi publicada por Notibras no dia 23/3/2024.
  • https://www.notibras.com/site/podologo-careca-e-usando-touca-explica-ai-vai/

Irmãs podem

 

    As duas irmãs, dez e três anos, brincavam com uma amiguinha, a Juliana, na rua sem saída, onde moravam. Sentadas, jogavam bola uma para a outra. De vez em quando a bola caía, e a mão-furada se levantava para pegá-la e, então, recomeçavam aquela brincadeira. De repente, a irmã mais nova se vira para a Juliana e diz:

    _ A Ninica é muito chata, né? 

    _ É sim!

    A irmã mais nova logo faz aquela cara de quem não gostou da resposta da amiguinha.

    _ Ei, não fala assim da Ninica!

    _ Ué, mas foi você que disse que ela é chata.

    _ Ah, mas eu posso! A Ninica é a minha irmã!

Mentiroso ou ótimo contador de histórias

 

    Lá estava aquele senhor de cabelos bem branquinhos, deitado no confortável sofá da sala. No tapete, a neta, não mais que 12 anos, ouvia atentamente cada palavra daquela boca, que ostentava um belo bigode logo acima. Ele, que quase sempre conquistava a simpatia das pessoas, possuía aquilo que costumamos chamar de carisma. 

    Passara anos advogando, e, como ele mesmo falava, sempre havia muitas histórias para contar. E não foi diferente naquele dia, quando ele começou a falar sobre um caso ocorrido há anos. Era a respeito de um suposto homicídio, onde o réu fora acusado de matar um desafeto com um tiro de pistola. O tribunal do júri, segundo o avô, era um show, e ele teria que conquistar a plateia para salvar a pele do seu cliente.

    _ O sujeito já estava condenado, bastava olhar para as expressões faciais dos membros do júri. A minha tese é de que a arma havia disparado sozinha, mas o promotor não concordou e disse que aquela arma não disparava sozinha. 

    _ E a perícia, vô?

   _ Não tinha perícia, eu precisava provar ali mesmo que a arma disparava sozinha. Aquela era a minha única chance. Então, peguei a arma e a joguei no chão. E não é que a pistola disparou? O júri ficou surpreso também e, então, absolveu o meu cliente. 

    _ Ah, que bom que o senhor conseguiu fazer com que um inocente não fosse preso. 

    _ Ah, não! Ele era culpado!

  • Nota de esclarecimento: O conto "Mentiroso ou ótimo contador de histórias" faz parte da coletânea Beatniks .23 da editora Persona. 
  • O conto "Mentiroso ou ótimo contador de histórias" foi publicado pelo Notibras no dia 25/5/2023.
  • https://www.notibras.com/site/mentiroso-da-sorte-ate-ao-contar-uma-historia/

quarta-feira, 2 de março de 2022

Réveillon em Copacabana



    Esta história, confesso, hesitei contar por algum tempo. No entanto, resolvi escrever sobre o ocorrido, mesmo que isso possa ferir os sentimentos de alguns. Mas que seja, pois isso realmente aconteceu e, obviamente, não cabe a mim mudar os fatos simplesmente para agradar fulano ou sicrano. 

    Lá estávamos minha esposa, a Dona Irene, e eu com alguns amigos, sentados em uma mesa de bar em Copacabana. Quando o teor alcóolico já era capaz de quebrar qualquer bafômetro, chegou um outro amigo, que aqui vou chamar de Almeidinha. A minha mulher, que adora a companhia desse nosso amigo, puxou uma cadeira para que ele pudesse se sentar ao seu lado. Conversa vem, conversa vai, todos na mesa já estavam inebriados pelo humor sarcástico do Almeidinha. A Dona Irene, então, perguntou para o nosso amigo onde ele iria passar o réveillon, quando aconteceu esse pequeno interlúdio:

    _ Sei lá, mas não vai ser aqui!

    _ Por que não, Almeidinha? Copa tem o melhor réveillon do mundo!

    _ Tinha! Tinha!!! - disse o Almeidinha, com o dedo indicador da mão direita erguido, quase se levantando da cadeira.

    _ E por que não tem mais?

    _ Desde que houve aquele acidente em que morreu uma pessoa, a queima de fogos deixou de ser na areia e passou a ser nas barcas. Ficou uma droga! E você sabe quem morreu? 

    _ Não. Quem?

    _ Um paulista!!! Pode isso? Mudaram o réveillon carioca por causa de um paulista! Gente, que falta faz um paulista no mundo?


terça-feira, 1 de março de 2022

Vida de artista


    Aquele jovem casal, que morava ali na rua Voluntários da Pátria, em Botafogo, recebera, há pouco, um parente, que foi tentar a sorte como ator na Cidade Maravilhosa. Tão empenhado estava o rapaz, que até havia se submetido a uma dolorosa cirurgia plástica para reparar um suposto defeito no nariz, desses que a maioria das pessoas nem se dão conta. Todavia, como seres praticamente insignificantes, aquele casal não conseguia entender as razões que levavam uma pessoa a sentir tanta dor por quase nada. Quase nada para nós mortais, mas uma enormidade para o mundo dos artistas.

    O marido se levantava cedo, a mulher também, já que ambos trabalhavam em locais praticamente sem graça. Ele era bancário no bairro ao lado; ela, vendedora em uma loja de couro, quase em frente ao apartamento em que moravam. Já o parente não precisava acordar tão cedo, pois o curso de teatro começava apenas bem mais tarde. Além disso, a sua pele de bebê agradecia por aquelas horas a mais no mundo de Morfeu.

    Os dias foram passando, a rotina do casal continuava sem qualquer alteração, a não ser por conta de um furo na meia ou mesmo uma mancha de café na camisa pouco antes de sair. Mas nada que uma quase nova não pudesse tomar o lugar da agora suja. Por sua vez, o parente havia evoluído substancialmente, talvez por seu talento, talvez até por conta daquela dolorosa operação. Conseguira um papel de destaque em uma peça de teatro, onde faria parte do famoso bando de Robin Hood. 

    O casal, muito animado pelo sucesso do parente, resolveu fazer uma pequena comemoração. Compraram pizza e refrigerante, enquanto assistiam a um filme de terror. A mulher e o marido olhavam, quase aterrorizados, as cenas que se passavam, enquanto o parente praticamente não mostrava reação, a não ser pelo comentário de que tinha vontade de atuar em uma produção como aquela. No entanto, quando o monstro do filme decepou a cabeça de uma de suas inúmeras vítimas, a esposa, talvez pela inocência, talvez até por ironia, disse: "Vai ser artista!"

Peladeiros


   Um dia desses estava passeando com a minha mulher, a Dona Irene, na orla em Porto Alegre, onde várias pessoas estavam praticando algum esporte. Passamos por um campo de futebol, onde rolava uma partida bem disputada, mas sem aqueles passes formais, aquelas jogadas ensaiadas e nada de esquemas táticos fixos que nos causam tédio, típicos dos profissionais. Virei para a minha amada e disse que eu gostava de ver aquilo. Ela até estranhou, talvez não acreditando em mim, pois sempre me mostro arredio quando ela me chama para assistir à algum jogo na televisão, especialmente masculino. O futebol profissional feminino até é legal de se ver, talvez porque elas ainda não estão tão presas aos esquemas táticos, que tornam o futebol televisionado tão chato.

   "Ah, mas o importante é vencer!", dizia um antigo colega, chamado Jailson, fanático torcedor do Vasco. Desculpe, mas não penso o mesmo, pois não consigo ficar parado vendo um jogo igual a tantos outros e depois sair comemorando a vitória ou chorando a derrota, dependendo do resultado. O esporte não é apenas vitória, não é mesmo! Para ser mais específico, vou relembrar uma partida que aconteceu nos idos de 1981 entre o time do Jailson e o meu Botafogo. Pois bem, eu me recordo do placar (3 x 1), que me fez sorrir muito naqueles tempos, mas a coisa que mais me marcou naquela partida foi justamente um drible homérico que o antigo ponta-direita cruzmaltino, chamado Wilsinho, aplicou sobre o zagueiro do meu time. E eu, que sempre fui peladeiro, tentei por diversas vezes aplicar aquela finta, acertando uma ou outra. 

    Infelizmente, estamos cada vez mais enaltecendo o vencedor, independentemente de como se deu essa conquista. Parece que deixamos para trás aquele sentimento lúdico, inclusive quando muitos de nós nos metemos em alguns campeonatos de ruas ou de bairros. Não temos mais prazer em jogar bola ou praticar qualquer outro esporte. Queremos vencer, vencer e vencer e nada mais. Todavia, graças àqueles atletas de fim de semana, sejam meninos de 8, 15 ou 80 anos, alguns completamente fora de forma, diga-se de passagem, ainda podemos assistir a uma boa pelada, onde, a qualquer momento, pode surgir, ali mesmo, um novo drible, talvez sem aquela habilidade do Wilsinho, mas que nos faz sorrir e aplaudir. "Ganhei o dia!", pensaremos e, se formos daqueles tagarelas, contaremos o que vimos para nossos amigos, seja numa roda de bar, seja até mesmo na esquina da nossa rua.