sexta-feira, 29 de setembro de 2023

A reencarnação do Machado de Assis mora no Méier

    

    Não sou religioso e, muito menos, espírita. No entanto, caso fosse, afirmaria com todas as letras e mais algumas que conheço, há mais de 40 anos, a reencarnação do Machado de Assis. Estou louco? Provavelmente, mas isso não me impede, aliás, até me autoriza a assegurar que o espírito do maior escritor do mundo encontrou refúgio bem ali no Méier, famoso bairro carioca, no corpo do filho prodígio dos meus padrinhos: Daniel Marchi de Oliveira.

    Gênio!!! Gênio, sim, senhor!!! Mas, como tudo tem um porém, posso lhe garantir algo, que talvez o decepcione. O que é? Calma! Vou explicar! Afinal, também quero exibir um pouco da minha verve literária com esta crônica que, tenho certeza, você está lendo justamente agora. 

    Caso você conheça a obra do mais Imortal da Academia Brasileira de Letras, sabe que é extremamente extensa. Completa facilmente uma prateleira inteirinha de uma estante de bom tamanho. E, posso afiançar, dificilmente você encontrará uma crônica ou um conto que não mereça, no mínimo, a nota máxima repleta de estrelinhas. Quanto aos romances, nem preciso comentar, pois são divinos e eternos.

    Mas voltemos ao meu grande amigo Daniel. Até adivinho o quê você está pensando. Se ele é a tal encarnação, por que não poderia, ao menos, se igualar ao Bruxo do Cosme Velho? Hum, vou até dar uma longa bebericada no meu café gourmet para satisfazer a sua curiosidade.

    Pois bem, para responder tal pergunta, vou lhe contar um pequeno interlúdio que tive com o José Seabra. Lá estávamos falando sobre alguns dos mais notáveis colaboradores do Notibras, quando ele insistiu em me tecer elogios, que, na verdade, nem sou tão merecedor. Para encurtar a história, foi mais ou menos assim que aconteceu ou, pelo menos, é como me recordo.

    _ Seabra, sabe que eu estava pensando justamente nisso hoje? Pois é, sou o do arroz e feijão, o do rango do dia a dia, que precisa manter o povo alimentado. O Mathuzalém e o Wenceslau são os cozinheiros dos domingos. Quanto ao Daniel, ele é aquele mestre-cuca que aparece uma vez a cada seis meses.

    _ Pô, Dudu, e eu sou o quê? O cara do PF?

   _ Óbvio que não! Você é o dono e o proprietário desse grande restaurante jornalístico chamado Notibras.

    Isso mesmo que você leu. O Daniel é como um lapidador de diamantes raros. Ele leva tempo para aparecer com mais uma pedra preciosa, mas, quando o faz, todos nós ficamos boquiabertos como é que ele conseguiu ser ainda melhor do que imaginávamos. 

    Talvez você, que ainda deve estar me seguindo neste último parágrafo, esteja sorrindo aquele sorriso de quem achou uma falha na minha teoria. Ah, então, o Daniel não é a reencarnação do Machado de Assis? É mais do que óbvio que é!!! Só que é uma reencarnação um pouco preguiçosa. 

  • Nota de esclarecimento: A crônica "A reencarnação do Machado de Assis mora no Méier" foi publicada pelo Notibras no dia 29/09/2023.
  • https://www.notibras.com/site/dandan-machado/

    

quarta-feira, 27 de setembro de 2023

As famosas pizzas da Adriana

    

    Ontem foi sábado, dia da Feira Ecológica do Menino Deus, aqui em Porto Alegre. Aliás, bastou o astro-rei lançar os primeiros raios sobre a capital gaúcha, para que o meu chefe, o José Seabra, me cobrasse a crônica do dia seguinte. No entanto, essa cobrança veio acompanhada de uma ordem: "Dudu, sei que hoje você vai comprar as tais pizzas da Adriana. Pois bem, assim que você vier a Brasília, traga-me várias para degustarmos com aquele seu café gourmet. E ai de você se esquecer das pizzas!"
    
    Pois é, além de satisfazer as vontades da minha mulher, a famosa Dona Irene, preciso garantir o meu emprego em Notibras. Afinal, se paro no olho da rua, não sei onde irei arrumar dinheiro para comprar não apenas as pizzas, mas os pães de queijo, os bolos e, de quebra, tomar aquele café com gosto de carinho da Adriana. Além disso, na banca da minha amiga, ainda tem o seu esposo, o Jeferson, uma figuraça. 

    Ah, preciso contar algo sobre o marido da Adriana. Ele é formado em Artes Cênicas e, atrás daquele pequeno balcão, encanta a todos como se fosse o dono do palco. Sorrisos para o público, que precisa de atenção a todo instante. E, entre um atendimento e outro, o Jeferson ainda tem disposição para me divertir com alguma piada ou causo, ainda mais se o Amauri, escritor e editor que possui uma banca ao lado, se aproxima. As gargalhadas saem facilmente e, não raro, outros clientes chegam mais perto para tentar capturar um pouco daquela alegria contagiante.

    Uma curiosidade sobre as tais pizzas da Adriana é que, segundo a própria me contou numa dessas minhas idas até a feira, é que, na verdade, elas são feitas pela Celina Costa. E quem é essa tal Celina Costa, que ainda não tive o prazer de conhecer? Quer saber? Pois bem, é a irmã da Adriana. 

    Essa revelação não me causou traumas, mas não há quem me faça continuar a não fantasiar que elas são da Adriana. Talvez por isso, minha mente fez um paralelo entre as pizzas e uma das músicas mais gostosas de se ouvir, "Moço", cantada pela Alaíde Costa. Bem sei que os compositores são a Marisa Monte e o Carlinhos Brown, dois artistas maravilhosos. No entanto, para mim, "Moço" é da Alaíde e, as pizzas, obviamente, são da minha amiga Adriana. 
  • Pizzas Tra Sorelle - Primeira Pizza Orgânica Certificada do Brasil: (51) 99807-4470.
  • Nota de esclarecimento: A crônica "As famosas pizzas da Adriana" foi publicada pelo Notibras no dia 1/10/2023.
  • https://www.notibras.com/site/pizzas-da-adriana-podem-ser-servidas-ate-no-olimpo/

 
    


terça-feira, 26 de setembro de 2023

Albertino, o gerente

    

    Faltava-lhe dinheiro? Não. Na verdade, levava uma vida com inúmeros luxos que o cobre pode proporcionar. É certo que ainda não havia comprado uma Ferrari, mas desfilava com sua bela BMW conversível pelas ruas. 

    Seu nome? Em nada muda o ocorrido naquele dia, mas vá lá. Albertino. Todavia, bem que poderia ser Diego, Joaquim ou Afrânio, pois isso não acrescentaria ou deixaria a história incompleta. No entanto, imagino que há pessoas que gostam de se apegar a esses detalhes, da mesma forma que naqueles programas de vida selvagem, em que costumam dar nomes aos leões e crocodilos, como se aquilo fosse fazer diferença para tais animais. Nenhuma, por sinal. Entretanto, instaura-se certa intimidade. Que seja!

    Lá estava o nosso Albertino em mais um dia de labuta no Banco do Brasil. Gerente de contas polpudas, só atendia a nata de Brasília. Concedia benefícios para aquela gente endinheirada, tudo em nome da fidelidade. Isso mantinha milhões e mais milhões em aplicações rentáveis para tais clientes, mas muito mais para os cofres da agência. Quanto a ele, cabia-lhe, de tempos em tempos, uma bela recompensa.

    Nesse toma lá, dá cá, eis que o nosso herói sem capa foi até a cantina tomar um café. Afrouxou o nó da gravata, como que querendo se livrar de algo que o incomodava há tempos. Respirou profundamente, tentando aspirar todo o ar que parecia lhe faltar. Era ali mesmo que ele queria estar? Dali a dois meses chegaria aos 40.

    Os pensamentos do homem foram interrompidos por dois colegas, que entraram risonhos. Serviram-se do mesmo café. Eram mais jovens, provavelmente ainda não tivessem percebido que aquele seria o mesmo café que iriam ter pela década seguinte. Talvez nunca perceberiam tal fato. Quem sabe?

    Albertino se viu incomodado com aquela aparente alegria dos colegas e, então, jogou o copo de café na lixeira. Saiu sem cumprimentá-los. Foi até o banheiro, postou-se diante do espelho. Apertou os olhos, franziu o cenho. Abriu a torneira e sentiu a frieza da água. Lavou o rosto, tentou aplacar aquela frustração, sem sucesso. Pegou um tanto de papel toalha, passou na cara. O choro compulsivo o tomou por completo. 

    Não demorou, os mesmos colegas do café entraram no banheiro. Foram em direção ao mictório, quando, então, Albertino decidiu sair mais cedo para o almoço. Não estava com fome, mas precisava tomar ar fresco.

    O gerente, assim que pisou na calçada, foi em direção ao restaurante de sempre. Adiante, mudou de ideia e tomou o beco. Trilhou caminhos há muito esquecidos e, logo à frente, avistou um parque, onde crianças brincavam. Sentou-se num dos bancos ao redor.

    Albertino, apesar da gritaria daquela gente miúda, fitou o pedaço de terra ao lado e foi transportado para outros tempos. Época em que contava com oito, nove anos, quando amava jogar búlica com os amigos. Recordou que quase sempre perdia, mas, por uma ou duas vezes, voltou para casa com os bolsos cheios de bolas de gude. Sorriu como um menino, aquele mesmo menino que um dia havia sido, mas que, há muito, Albertino não se lembrava que ainda estava por ali.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Albertino, o gerente" foi publicado pelo Notibras no dia 11/10/2023.
  • https://www.notibras.com/site/sufocado-gerente-deixa-bb-e-vai-curtir-bola-de-gude/

domingo, 24 de setembro de 2023

Alberico, o sambista carioca

   Alberico Entrudo, mal sabia, carregava os festejos carnavalescos no singular nome de família. Entrudo! Talvez por isso, uma euforia tomava conta do seu corpo poucos dias antes do feriado prolongado, quando pulava dia e noite, noite e dia, madrugada adentro. Ele se esbaldava por inteiro e mais um tiquinho, caso houvesse espaço para tanto. 

    Carioca de mãe baiana e pai pernambucano, Alberico herdara a ginga do axé e do frevo, que desfilava pelas avenidas e ruelas da Cidade Maravilhosa. De Padre Miguel a Copacabana, ele não perdia oportunidade para mostrar todo aquele talento dos seus pés, ligeiros, que não atravessavam o compasso, nem depois de tantos goles. 

    Ao menor sinal de batucada, uma onda frenética o empurrava para aquela chuva de confetes e serpentinas. A felicidade do seu sorriso branco, rodeado de lábios vistosos, não passava despercebida nem mesmo pela mais linda sambista do grupo. Invariavelmente, os homens o invejavam, pois sabiam que estavam diante de um concorrente imbatível quando o assunto era samba no pé ou golpe certeiro na capoeira. 

    Uma das suas músicas favoritas era "Não deixe o samba morrer", seja na voz do lendário Jamelão, seja na rouquidão maranhense da Alcione. Alberico, apesar de tantas benevolências adquiridas graças à natureza herdada especialmente da mãe, não nascera com o vozerio de encher quarteirão daqueles dois ídolos do cancioneiro popular. Não que fosse desafinado, pelo contrário. A voz mansa até era do agrado dos que a escutavam. Na verdade, era um charme só!

    Não se sabe ao certo se o que se deu foi no carnaval de 1996 ou 1997. Há os que juram de pés juntos que foi muito antes, bem como os que afirmam categoricamente que foi logo após a virada do século. Seja como for, tal precisão não interfere na história, pois, como diria um amigo meu, o Johnny Botafogo, esse acontecido é atemporal. 

    Também não é possível afirmar por qual escola de samba o Alberico havia desfilado naquele ano. Não que ele não tivesse uma preferida. O homem gostava de falar que era Salgueiro desde que estava na barriga da mãe. Todavia, não era do tipo de renegar um olhar mais atrevido da Portela, da Mangueira ou mesmo da São Clemente. E lá ia o gajo, cheio de ginga, abrilhantar ainda mais o desfile dessas guerreiras do mais famoso carnaval do mundo. 

    Apaixonado pela Vermelho e Branco, Alberico prometia juras de amor eterno para a namorada de longa data, a Gabriela. No entanto, a sua natureza infiel fazia com que ele também fizesse tal promessa para a Rosana, a Gorete, a Manuela e até para a Rute, a linda mulher que havia acabado de conhecer no trem para a Central do Brasil. Obviamente, que todas desconheciam a existência das outras.

    Cinco mulheres completamente apaixonadas pelo mais notório passista que o carnaval carioca conheceu desde o inesquecível Claudionor Marcelino. Tudo ia muito bem, pois Alberico esbanjava saúde, como provava as noites de alcova com direito até a quatro ou cinco desfiles por vez, dependendo da vontade da amada. Que vigor!!!

    O malabarista conseguiu ludibriar as suas mulheres durante algum tempo, até que chegou aquele carnaval. Ele deu seus pulinhos pra cá, outros tantos pra lá. Tudo parecia muito bem, até que os amigos lhe fizeram um convite irrecusável para o bloco Suvaco do Cristo. Pois é, Suvaco e não Sovaco, como poderia tentar corrigir algum desavisado. 

    Para não gerar suspeitas, Alberico fez questão de passar na casa de cada uma das suas cinco mulheres. Ensaiou os passos ao menos duas vezes com cada uma. Mal sabiam elas que o Alberico planejava passar a noite toda dançando, talvez com alguma outra. 

        O Suvaco do Cristo estava a todo vapor, quando Alberico despontou. Seus pés faceiros o guiaram para o meio da multidão, que o recebeu de braços abertos. Que felicidade! Não demorou, uma francesa desengonçada tentava engatinhar seus primeiros passos. Alberico sorriu aquele sorriso mais certeiro que flecha de Cupido. Cheia de desejos, a estrangeira agarrou o pescoço do homem e o levou para um canto. Amaram-se tanto, que ela saiu com as pernas bambas, mas com a expressão mais feliz do mundo. 

        O vigor daquele homem parecia inabalável. Não se sabe se era o excesso de testosterona ou apenas o efeito daquela batucada inebriante. E lá estava o Alberico no meio daquele povo, quando, de repente, percebe que logo ali estava a Rute. A mulher já o notara há alguns minutos. Os dois se olharam, e, não demorou, estavam sambando juntos. 

    Rute quis confirmar se os ensaios de mais cedo haviam surtido efeito. Então, na primeira oportunidade, levou o seu homem para um canto. Amam-se com direito a repeteco. Quase exausta e com a garganta seca, a mulher fez o amado ir lhe buscar uma cerveja. E lá foi o Alberico fazer mais esse desejo da sua namorada. 

    Com dois copos na mão, o homem procurava pela Rute na multidão, mas acabou sendo arrastado pelo meio da muvuca. Eis que se depara com a Gabriela, que lhe sorri e, esticando o braço, lhe agradece pela cerveja. Ela toma tudo quase de um gole. Em seguida, Gabriela agarra Alberico e lhe tasca um beijo na boca. Os dois arrumam um cantinho para se amarem. 

    Adormecida debaixo de uma amendoeira, Gabriela nem percebeu quando Alberico se levantou e, em seguida, seu amado se deparou com outra de suas namoradas. Pois é, Manuela também estava ali. Dizem que ela, a princípio, ficou meio aborrecida por encontrar o Alberico naquele lugar. Entretanto, para evitar também dar explicações para o amante, preferiu se agarrar ao seu corpo e sambar. Sambaram, sambaram, até que os desejos afloraram e, em outro canto, se amaram, se amaram, se amaram.

    Que coincidência três das namoradas do Alberico estarem no mesmo local ao mesmo tempo. Pois é, mas dizem que besteira pouca é bobagem. Tanto é que a Gorete e a Rosana também não quiseram perder  o alvoroço do Suvaco do Cristo, que, já naquela época, era um dos maiores blocos de carnaval do Rio de Janeiro. 

    Ele esbarrou primeiro com a Gorete, talvez a mais ardente das suas cinco mulheres. Dizem que ela não se contentou com os dois desfiles que fizeram no canto. Gorete quis mais dois e, se Alberico ainda tivesse ânimo, provavelmente afinariam os instrumentos para ao menos outros três. Quase desfalecido, ele mal percebeu quando a mulher se levantou e foi se meter no meio da galera, que a arrastou.

    Alberico foi despertado pelo beijo da Rosana. Ele sorriu um sorriso cansado para a namorada, que lhe retribuiu com um beijo apaixonado. A mulher, não se sabe com que milagre, conseguiu fazer com que o amante tirasse forças para mais um desfile. Aliás, o derradeiro desfile de um dos maiores sambistas do carnaval carioca. Já deitado, Alberico não mais conseguiu se levantar depois daquele último suspiro. Morreu ali mesmo naquele canto. 

  • Nota de esclarecimento: O conto "Alberico, o sambista carioca" foi publicado pelo Notibras no dia 24/9/2023.
  • https://www.notibras.com/site/amor-de-carnaval-some-em-caixao-de-defunto/
  • O conto "Alberico, o sambista carioca" faz parte da coletânea "Um Samba no Pé, uma Caneta na Mão", da editora Persona, 2024. 

sábado, 23 de setembro de 2023

Malulinha e o mapa astral

   

   Sou aquariano, com Mercúrio e Vênus em Aquário, ou seja, o típico aquariano. Por conta disso, confesso que estava preocupado com a chegada de uma virginiana na família, justamente a minha filha, Maria Luiza, a Malu, que eu apenas chamo de Malulinha. Por isso, recorri à expertise do meu grande amigo Francisco Seabra, a quem sempre chamo de Meu Guru. 

   Astrólogo de renome internacional, o Francisco me tranquilizou, pois disse que a Malu iria me ensinar a ser mais organizado. Aliás, mais organizado é modo de dizer, já que eu nem organizado sou. Tanto é que a minha mulher, a famosa Dona Irene, vive me dando broncas porque deixo as coisas espalhadas por todo o apartamento. 

    Pois bem, a minha filha é virginiana, com ascendente em Sagitário, Lua em Áries na casa 5. É óbvio que não entendo muito bem de astrologia e, provavelmente, você, que está me lendo, também não. Então, para encurtar a história, o meu amigo me disse que a Malulinha tem o coração quente como a cabeça de palitos de fósforo, ou seja, será muito namoradeira. Que seja! O mundo precisa mesmo de amor!

    Outra questão apontada no mapa astral da Maria Luiza é em relação ao trabalho. O Meu Guru disse que ela será do tipo perfeccionista e excelente profissional, com capacidade para ciência e tudo o que é lógico e racional. O que não entendi é que ele me falou que a minha filha irá puxar essa gana por trabalho de mim e da minha esposa. Que a Dona Irene é trabalhadora, isso bem sei. No entanto, apesar de trabalhar muito, o meu sonho sempre foi passar a vida em frente à praia.

    Além desse lado trabalhador, a Malulinha também terá um temperamento artístico, já que Vênus, astro ligado ao amor e à beleza, se encontra no resplandecente signo de Leão. Adorei esse ponto, já que adoro artes. Provavelmente iremos nos dar muito bem por conta disso.

    Criar filhos é, afinal, um grande aprendizado. Ainda hoje me pego em conflitos com as minhas filhas maiores. A Ana Maria, a quem só chamo de Ninica, por exemplo, é ariana, o que nos coloca em confronto algumas vezes. Todavia, ela tem o ascendente em Peixes, algo que nos une que nem unha e carne. Já a do meio, a Mariana, que só chamo de Torresminho, é aquariana com ascendente em Leão. A Dona Irene? Bem, ela é Capricórnio com ascendente em Peixes. 

    Conviver com a diversidade é algo fantástico. Tanto é que a minha esposa é de Teresina, enquanto as minhas duas primeiras filhas e eu nascemos no Rio. Isso, aliás, foi uma questão levantada pelas minhas herdeiras, que tentaram de tudo para que a irmãzinha também fosse carioca. Que nada, nasceu gaúcha, a primeira da família em 103 anos. E viva a diversidade!

  • Nota de esclarecimento: A crônica "Malulinha e o mapa astral" foi publicada pelo Notibras no dia 23/9/2023.
  • https://www.notibras.com/site/malulinha-nasce-com-brilho-do-sol-e-coroa-de-rainha/
  • A crônica "Malulinha e o mapa astral" integra o livro Sob o céu dos signos", 2024, da editora 

    Olympia.

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

Bluiblui, a sapeca

    Aquela buldogue havia sido um presente de casamento. Madalena, que ainda não era mãe, se sentiu como se fosse, tamanha a afinidade que lhe despertou ao se deparar com aquele cativante focinho achatado. A atração, diga-se de passagem, foi recíproca, tanto é que o enciumado Jonas, a princípio, pensou que tal regalo teria sido um equívoco. Todavia, não demorou, também foi conquistado por aquele nariz gelado na sua orelha.

    Apesar das inúmeras tentativas do homem de se tornar o queridinho da cadelinha, esta sempre preferia a companhia da esposa. "Olha como o Bluiblui gosta do meu colo, amor!" Jonas lançava um olhar torto em direção à cachorra, até que terminava por soltar um suspiro de puro encantamento. Afinal, como era possível alguém não ficar apaixonado por aquela coisinha mais fofa?

    Madalena adorava encher a buldogue de mimos. Era bolinha daqui, ossinho dali. No entanto, o que a Blublui mais amava eram os biscoitos caninos de sabores diversos. Mas não pense você que ela os devorava na mesma hora. Não mesmo! Precavida como ela só, gostava de enterrá-los debaixo do tapete da sala, talvez esperando por dias de vacas magras. 

    Durante os passeios diários, a cadela corria como doida varrida em direção ao Lobinho, um vira-lata que morava debaixo de uma goiabeira. Contudo, até onde se sabe, o cachorro não degustava as goiabas, mas adorava se deitar ao lado da Blublui, enquanto os passarinhos bicavam os frutos. Não se pode afirmar se pensavam em caçar os gulosos, mas, de vez em quando, saltavam tentando alcançá-los. Sem sucesso, para alívio de Madalena, que a tudo observava.

    Não tardava, um grupo de crianças se aproximava da Bluiblui, que saltava parecendo mola. Lobinho, mais arredio, aproveitava a ocasião e ia buscar um pedaço de qualquer sanduíche abandonado por alguém enfastiado. A cadela, depois de bons minutos ao lado daqueles filhotes de seres humanos, ouvia o assobio da tutora. Era o fim da brincadeira. 

    Essa rotina intensa fazia com que, ao final do dia, as energias se esvaíssem do corpo da buldogue. Hora de dormir, ela se deitava aos pés de Madalena na enorme cama de casal. Entretanto, de madrugada, a Bluiblui ainda guardava uma carta na manga. 

    Invariavelmente, Jonas se levantava para esvaziar a bexiga. Coitado! Assim que retornava para a cama, eis que a cachorra havia lhe tomado o lugar. Sem coragem para acordar a Bluiblui, o homem se deitava aos pés da esposa. Sem demora, acabava adormecendo ouvindo o ronco dorminhoco da sua filha de quatro patas. E era dessa maneira que acontecia. E tudo ficava bem.
  • Nota de esclarecimento: O conto "Bluiblui, a sapeca" foi publicado pelo Notibras no dia 25/9/2023.
  • https://www.notibras.com/site/buldogue-faz-vezes-de-filha-e-toma-lugar-na-cama/

   

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

A desocupação do hotel Aurora

    Adilson, funcionário da prefeitura, havia sido designado para retirar os quase 30 ocupantes do antigo hotel Aurora. A estrutura, muito comprometida, poderia cair a qualquer momento. Não que o prefeito se preocupasse com aqueles mulambos, mas as eleições estavam próximas. Imagine o que a imprensa iria falar!
    
    Sexta-feira. Que era o melhor dia para colocar aquele povo todo no olho da rua. Isso mesmo, pois é nesse dia em que os cidadãos estão com as mentes voltadas para coisas mais importantes, como tomar aquela gelada com os amigos ou paquerar na esquina. 

    Diante daquela construção caindo aos pedaços, ali estavam vários homens reunidos em volta de Adilson, que passava os pormenores da situação. Vale dizer que ele lembrou a todos que aquela seria uma operação de desocupação, pois o antigo hotel seria implodido dali a dois dias. Ademais, Adilson ressaltou que não queria violência, ao mesmo tempo em que entregava um porrete para cada um daqueles brutamentes.

    A expulsão se deu em menos de uma hora. Ninguém morreu, é verdade, apesar das paredes e do piso banhados pelo sangue de alguns, talvez menos obedientes. Situações que fogem do controle, alguém poderia dizer. Seja como for, não era culpa do Adilson se aquela gente não tinha um teto. Problema deles!
    
    O funcionário da prefeitura, assim que constatou que o último ocupante havia sido retirado, resolveu fazer uma vistoria. Foi acompanhado pelo Noronha, um subalterno. Passaram por todos os cômodos. Ninguém no local. Já estavam de saída, quando os homens ouviram um barulho vindo do quarto no final do corredor.

    Diante da porta, entraram no recinto. Ninguém. Novamente o barulho. Abriram a cortina e viram dois filhotes de pombos num humilde ninho no cantinho da sacada. Não se sabe se entrou algum cisco nos olhos do Adilson, que começaram a lacrimejar, bem como a sua voz saiu rouca. 

    _ Pois é, Noronha! A vida não tá fácil pra ninguém.
  • Nota de esclarecimento: O conto "A desocupação do hotel Aurora" foi publicada pelo Notibras no dia 18/09/2023. Por motivos técnicos, foi novamente publicad pelo jornal no dia 20/09/2023.
  • https://www.notibras.com/site/desocupacao-de-hotel-esbarra-em-ninho-com-bebes-pombinhos/

sábado, 16 de setembro de 2023

Convite irrecusável transforma sonho em realidade

    

    A minha relação com a literatura começou bem antes de eu escrever meu primeiro romance, "Despido de ilusões", no final de 2003. De lá para cá, fiquei mais ou menos próximo dessa arte, até que o José Seabra, editor do Notibras, me convidou para publicar uma crônica ou um conto de vez em quando. Diante dessa proposta mais que tentadora, aceitei na hora.

    Não demorou, o Seabra me perguntou se eu não poderia passar a escrever diariamente para o jornal, pois as crônicas estavam sendo muito lidas. A princípio, me deu um frio na barriga, já que firmar o compromisso de entreter o leitor todos os dias é algo complicado, ainda mais para mim, que tenho uma vida muito corrida. Entretando, a minha esposa, a famosa Dona Irene, acabou me convencendo de que eu deveria aceitar: "Dudu, ou você aceita a proposta ou, então, vai dormir no sofá!"

    A partir de então, acabei sendo agraciado com alguns prêmios, o que me deixou muito feliz. Mas nada, nada mesmo, me fez ficar tão entusiasmado como saber que meus textos estavam sendo utilizados por alguns professores, em especial por um em Brasília, o Leandro Mendes. Gente, o que é isso? Querem mesmo me matar do coração!

    O professor Leandro, ainda por cima, me fez um convite irrecusável. Pois é, ele me chamou para um bate-papo com seus alunos. Isso acabou se concretizando no dia 09/11/2022, quando senti minhas pernas tremerem mais do que batedor de pênalti em final de campeonato. Não resta dúvida de que aquele foi meu dia de Machado de Assis. 

    Após esse encontro, mantive contato constante com o Leandro, que sempre me mantém informado sobre as atividades em classe de aula, muitas vezes utilizando meus contos e crônicas. Ele me fala que propõe tarefas baseadas nos meus escritos. Isso, consequentemente, tem despertado o interesse dos alunos por literatura e outras artes, por exemplo, o teatro.

    Acredite ou não, o Leandro me mandou uma mensagem há algum tempo sobre o texto "Almerinda, a emprega doméstica", que, por sinal, foi o primeiro a ser publicado pelo Notibras. Ele me disse que os alunos haviam ensaiado uma peça de teatro e queriam me mostrar. Fiquei sem chão! Pois é, olha aí o jornalismo contribuindo com a educação.

    Diante de tantas notícias maravilhosas, combinei com o Leandro mais um bate-papo com seus alunos no próximo novembro. Ele me contou que a garatoda está ansiosa, mas que a maioria não acredita que irei, como se fosse um sonho impossível. Mal sabem esses jovens que ansioso estou eu. Ademais, esse sonho quero reviver outra vez com esses estudantes incríveis. 

    E aqui estou em Porto Alegre, diante da minha mulher. Ela, com o sorriso mais lindo do mundo, acabou de me dizer: "Tá vendo, Dudu, como eu estava certa?"

  • Nota de esclarecimento: A crônica "Convite irrecusável transforma sonho em realidade" foi publicada pelo Notibras no dia 16/09/2023.
  • https://www.notibras.com/site/cronicas-de-notibras-inspiram-alunos-da-rede-publica/

quarta-feira, 13 de setembro de 2023

Orquídea e o frio

    Tamanho era o frio, que até o velho termômetro na parede tremia. No entanto, Orquídea, enrolada no seu xale de lã, era toda sorriso. Não que tivesse sido sempre assim, pois, durante a juventude, os ossos tremiam por qualquer brisa. Parte do viço se foi quando chegou aos 80, mas advieram os calores da idade, que a protegiam dos invernos, por mais rigorosos que fossem. 

    É verdade que a mulher penava nos verões, cada vez mais abrasadores. Entretanto, graças às economias feitas durante décadas, quase sempre viajava em busca de temperaturas mais amenas. Durante os rigorosos verões, ela evitava o Rio de Janeiro e, não raro, passava algum tempo em Bariloche. 

    Nessas idas e vindas, Orquídea tomou gosto por chimarrão. Não que precisasse de algo para esquentar, mas apreciava a comunhão em volta da cuia. Sorvia seu quinhão e, em seguida, passava adiante naquele giro de amizades, muitas feitas ali mesmo. 

    Não se sabe ao certo se foi aos 81 ou 82, talvez tenha sido aos 83, quando Orquídea, por um desses acasos da vida, se viu apaixonada por Manoel. Tudo parecia perfeito, haja vista o homem, além de ter uma pequena fortuna, ainda era um tipão, o que despertou até certa inveja nas amigas. No entanto, o galã dos bailes da terceira idade possuía um hobby. Pois é, apesar do reumatismo, era surfista, mas não um surfista qualquer. Amava os pranchões. 

    Como era primavera, as palpitações do coração de Orquídea a impediram de vislumbrar o óbvio impasse da estação seguinte. Coisas miúdas diante da paixão arrebatora, que chega a qualquer idade sem pedir licença. Amaram-se, até que o calor começou a incomodá-la. 

    Aquele verão veio para castigar. A mulher suava em bicas, enquanto o amado parecia o mais adapatado espécime àquele calor infernal. Ele insistia em chamá-la para uma ida à praia, logo ali adiante. Que nada! Orquídea não arredava o pé do quarto, quando muito ia até a cozinha pegar um bom copo d'água abarrotado de gelo. 

      Manoel logo entendeu que os diferentes podem conviver. Surfava todas as manhãs ensolaradas, enquanto a namorada ficava trancafiada no aconchego do lar. Dessa forma, passaram pelo verão carioca. Sobreviveram, a despeito da conta de luz, que quase triplicou por conta do ar-condicionado, ligado dia sim, dia também. Todavia, parece que o homem já providenciou belos casacos de lã para o próximo inverno. 
  • Nota de esclarecimento: O conto "Orquídea e o frio" foi publicado pelo Notibras no dia 17/09/2023.
  • https://www.notibras.com/site/manoel-muda-usa-casaco-de-la-e-economiza-na-luz/

    

        

domingo, 10 de setembro de 2023

Amauri, um contador de histórias

 

   Ontem, um sábado, acordei com o choro da Malulinha, minha filha recém-nascida com a Dona Irene. Assim que coloco os pés para fora da cama, eis que o Chengulo, meu inseparável buldogue, me cutuca o calcanhar me pedindo para sair. E, se não bastasse, o meu chefe, José Seabra, me telefona lá de Brasília me cobrando a crônica do dia seguinte. Que sufoco!
    
    Pois bem, peguei a Malulinha no colo e, graças ao meu ótimo faro de perdigueiro, constatei a razão daquele berreiro. Ligeiramente saquei os apetrechos e fiz a troca de fralda mais rápida possível, que, provavelmente, deve merecer uma notificação, nem que seja de louvor, no livro dos recordes. Em seguida, saio com o Chengulo para dar aquela volta pelo Menino Deus, o mais tradicional bairro da linda Porto Alegre. 

    Mal volto para o lar, doce lar, minha esposa me grita "Vá à feira e compre várias pizzas da Adriana! Da Adriana, ouviu?". Isso me deixa entre a cruz e a espada. No entanto, não tenho dúvida e pego a carteira para atender o pedido inadiável da Dona Irene. Quanto ao meu chefe, que espere!

      Já na rua, apresso o passo, não apenas para comprar as tais pizzas, que, diga-se de passagem, são mesmo maravilhosas, como também para esquentar este meu corpinho carioca, tão adaptado às duas únicas estações do Rio: verão e inferno. Levo menos de 15 minutos até a banca da Adriana, ali na Feira Ecológica do Menino Deus.

        _ Oi, Dudu! Como vai a Dona Irene?

        _ Como sempre, Adriana. Faminta pelas suas pizzas.

        _ E vai levar quantas hoje?

        _ Dez.

        _ Tudo isso?

        _ Melhor levar 11. Ela adora essa de chocolate.

      Assim que me despeço da minha amiga, eis que, ao me virar, dou de frente com uma banca de livros. Apaixonado que sou por literatura, acabei me esquecendo do desejo da minha amada e, principalmente, da ordem do meu chefe. Ainda mais porque logo descobri que o simpático vendedor era também o autor de alguns daqueles livros. Seu nome? Amauri Antonio Confortin, escritor e proprietário da Joanin Editora & Livraria. 

        Conversa vai, conversa vem, o Amauri, com aquele jeito próprio dos grandes contadores de histórias, me disse que, apesar de trabalhar com perícias (cálculos trabalhistas), se sente realizado como escritor. Por isso, o agora meu amigo me contou que ama ir a escolas e conversar com a gurizada, com quem ele se inspira observando aqueles olhinhos atentos e brilhosos. 

           _ Dudu, são experiências tão enriquecedoras, que é uma maneira de amenizar saudades da infância, de brincar de pés descalços, do futebol com bola de meia e de subir em árvores.

            O Amauri, além de escritor, também se encontrou ajudando outros autores, que desejam publicar seus próprios livros. Por isso, a sua editora, que a princípio era apenas para publicar seus trabalhos, começou a atender outros escritores. Aliás, ele se refere à própria editora como sua fantástica fábrica de livros, que transforma sonhos em literatura.

        A prosa estava tão boa, que eu poderia passar a manhã inteira com o Amauri. Entretanto, eis que meu aparelho celular toca. Dona Irene, do outro lado da linha: "Dudu, cadê as minhas pizzas?" Não tive escolha e, então, me despedi do meu companheiro das letras e voltei para o lar, doce lar, o mais rápido que as minhas pernas conseguiram.

        Fui direito para a cozinha. Coloquei uma pizza para a minha amada, que estava com aquela fome de mulher que está amamentando. Ainda bem que em menos de 10 minutos a pizza ficou pronta. E, enquanto a Dona Irene devorava aquele típico manjar do Olimpo, foi aí que percebi que havia um monte de mensagens do meu chefe me cobrando pela crônica, que eu ainda precisava escrever. Pois é, justamente nessa hora, constatei uma das mais desejáveis qualidades de um cronista: saber enxergar uma boa história nos acontecimentos do dia a dia. 
  • Nota de esclarecimento: A crônica "Amauri, um contador de histórias" foi publicada pelo Notibras no dia 10/9/2023.
  • https://www.notibras.com/site/pizza-da-dona-irene-quase-vira-sopa-de-letrinhas/

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Mais um dia no Menino Deus

    

        Sejam bobagens, sejam bobices, todos nós as falamos de vez em quando ou, como dizia o Argolo, o vizinho de todos no tradicional bairro Menino Deus, na linda Porto Alegre: "Ninguém está imune a percalços da língua". Estorvos ou embaraços à parte, Clotilde não poupava insultos quando alguém lhe pisava o calo. Amiga de poucos, inimiga da maior parte, a mulher sempre estava a postos para criticar a menor das falhas.

    Nesse mundo chamado Menino Deus, obviamente, moravam milhares de outros seres humanos, tanto os bípedes, como os que cismam em perambular por aí de quatro, como cachorros e gatos. No entanto, deixemos de lado a maior parte dessas criaturas e, por ora, vamos incluir mais dois ou três, pois, do contrário, a história pode ficar mais comprida do que a praia do Cassino. Acordo firmado, acrescento a Otília, o poodle Teteco e o velho Inocêncio, homem de grande coração, no sentido figurado, haja vista, até onde se sabe, não era portador de cardiomiopatia hipertrófica.

    Foi numa segunda-feira, mas bem que poderia ter acontecido em qualquer outro dia da semana. Mas vamos manter como ouvi, até mesmo para dar aquele desconto no mau-humor da Clotilde, que odiava acordar cedo para ir trabalhar. Segunda-feira, sim, senhor! Ou senhora! 

    Pois bem, lá estava a Otília passeando com o Teteco. Mulher das mais prevenidas, carregava uma boa quantidade de saquinhos para catar os dejetos, que, por ventura, o cachorro depositasse pelo caminho. Quem sempre estava de olho na Otília era justamente o Inocêncio, que, assim como a maior parte dos moradores do Menino Deus, não era bem-visto pela Clotilde. 

    É verdade que há coincidências maiores que aquela que aconteceu, que poderia ser considerada apenas um desses tantos casos fortuitos. Se aconteceu por acaso, ninguém sabe, mas parece que não teria sido planejado por aqueles quatro, ou melhor, cinco, já que o Argolo estava de prosa com o Inocêncio. Para não restar dúvida, eis que todos o presentes eram Otília, Teteco, Inocêncio, Argolo e Clotilde. 

    Todos estavam diante do sinal, ou melhor, sinaleira, haja vista tal causo ter se passado por aqui no Rio Grande do Sul. Enquanto o verde fazia com que os veículos impedissem a travessia dos pedestres, Inocêncio, apaixonado que estava, puxou conversa com a Otília. Por sua vez, Argolo acompanhava com bom olhos o amigo e a tutora do Teteco. Já Clotilde a tudo torcia os lábios enquanto mantinha as orelhas em riste.

    _ Que belo cusco!

    _ Ah, obrigada! 

    _ Igual ao cachorro da minha guria, só que de outra raça.

    _ Deve ser muito fofo também. Qual é a raça?

    _ Ah, é um guaipeca.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Mais um dia no Menino Deus" foi publicada pelo Notibras no dia 27/09/2023.
  • https://www.notibras.com/site/gauchos-criam-tudo-sem-tropecar-no-vocabulario/

terça-feira, 5 de setembro de 2023

Coisas proibidas

    Se tem uma coisa que adoro fazer em Porto Alegre é jogar conversa fora com o meu grande amigo Marcio Petracco. Fazemos aniversário quase na mesma data, sendo que sou mais velho que ele exatamente um ano e um dia. No entanto, quando falo sobre algo da minha infância, o Marcio sempre gosta de falar: "Ah, isso é da sua época!"

   Uma das características mais marcantes no meu amigo é o seu aparente estado de desligamento total, apesar de ser um cara muito antenado. Explico! Não é raro ele me falar para eu ir a algum evento e, quando eu lhe pergunto quando vai ser, ele me olha com aqueles olhos enormes, torce os lábios e me manda essa: "Dudu, sei lá! Você é muito ligado a datas!"

    Uma mania do Marcio é fazer fogueira. Ele, que mora em casa, sempre faz um foguinho e curte a beleza das chamas madrugada adentro. Por causa disso, falei para ele que iria lhe dar o pouco de lenha que tenho, mesmo porque não possuo lareira e moro em apartamento.

    _ Dudu, você não gosta de fazer um foguinho de vez em quando?

    _ Botar fogo onde, Marcio? Moro em apartamento.

    _ Não sabia que você era vegano.

    _ Vegano? Eu? Não. Por quê?

    _ É que vegano não gosta de fogueira.

    _ O que isso tem a ver?

    _ É que fogueira é um passo pro churrasco.

    O papo estava ótimo. Minha barriga estava doendo de tanto rir das tiradas do meu amigo. Todavia, a hora de voltar para casa havia chegado, já que o Chengulo, o meu buldogue, começou a cutucar minha canela com o focinho. Entretanto, antes da despedida, eis que o Marcio me lança uma proposta indecente.    
    
    _ Dudu, que tal fazermos umas coisas proibidas de vez em quando? 

    _ Tipo assaltar um banco?

    _ Bueno, pensei em algo menos drástico como soltar balão. Mas pode ser.
  • Nota de esclarecimento: A crônica "Coisas proibidas" foi publicada pelo Notibras no dia 06/09/2023.
  • https://www.notibras.com/site/du-e-amigo-fazem-de-poa-uma-cidade-gostosa/