segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

A isca

     Creio que todos nós temos nossos medos. Pois bem, também cá tenho os meus: tortura, fascismo, milícia. Já de tubarão, confesso que não sinto medo. Tenho mesmo é pavor!!! 

    No entanto, até como um possível contrassenso, adoro praia. E foi justamente por conta disso que desenvolvi na minha mente covarde a técnica da isca. E confesso que a utilizo até mesmo na praia de Copacabana, onde nunca houve um ataque de tubarão. Aliás, esse lance de nunca talvez seja um exagero, mas não sei ao certo.

    Mas o que seria essa tal técnica da isca? É bem simples: toda vez que vou entrar na água, sempre observo se há outras pessoas tomando banho. Então, entro quase não aparentando medo. Obviamente que dou aquela molhada nos pés e nos pulsos, como se estivesse preparando o meu corpo para as diferenças de temperaturas entre a água e o ar, que no Rio são gritantes. 

    Pura interpretação de alguém tentando disfarçar o pavor de dar um mergulho entre as ondas, já que não consigo tirar da mente que logo ali vai ter um bicho de não sei quantos metros, com a boca cheia de dentes afiados, querendo atacar justamente este que escreve essas palavras tão covardes. Sou mesmo covarde!!! Nossa, que liberdade poder escrever que tenho pavor de tubarão!

    Todavia, estou aqui para contar a técnica que desenvolvi. Pois bem, nunca sou o cara mais distante na água. Aliás, chamo esse indivíduo corajoso de isca. É simples assim, pois tive que desenvolver, na minha imaginação doentia, um artifício para conseguir dar aquele mergulho na praia. 

    Por isso, penso que, caso haja um tubarão por perto, ele vá preferir degustar as carnes justamente daquele outro humano que fica lá no fundo. Seja como for, agradeço todos os dias por existirem muitas iscas, algumas mais corajosas que outras. Sem elas, eu não colocaria nem a pontinha do meu pé na água e, provavelmente, teria que levar um baldinho para poder me molhar ali mesmo na areia da praia.

  • Nota de esclarecimento: A crônica "A isca" foi publicada por Notibras no dia 26/1/2024.
  • https://www.notibras.com/site/tubarao-tortura-e-milicia-formam-um-medo-so/

Almeidinha, o meu amigo

  Um dos meus melhores amigos é o Almeidinha, que conheci quando eu fazia veterinária lá na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Ele, sempre com a cabeça cheia de números, fazia matemática. Aliás, a minha esposa, a Dona Irene, já me falou que eu amo todos os meus amigos, menos o Almeidinha, pois com ele a relação é mesmo de paixão. Sim, isso mesmo: paixão! Ela fala que, apesar dos constantes atritos que tenho com o Almeidinha, não consigo ficar muito tempo longe dele. Tanto é que, apesar dele não ser o meu amigo mais antigo, com certeza é aquele que tenho mais histórias para contar. E aqui vai uma delas.

    Certa vez, não mais que há alguns anos, o Almeidinha me telefonou perguntando se eu poderia ajudá-lo a fazer a mudança. Eu, que na época possuía uma velha camionete de nome Manoelito, obviamente disse que sim. Como o meu amigo morava em um pequeno apartamento, não possuía muitas coisas, o que dariam, no máximo, duas viagens até a nova residência. Então, no dia combinado, lá estávamos o Manoelito e eu prontos para essa tarefa, que prometia ser até agradável. Não que eu goste de fazer mudanças, mas imaginei que passar uma tarde ao lado do meu amigo seria muito legal. Além disso, como o Almeidinha é muito mais corpulento que eu, com certeza a tarefa mais pesada ficaria por conta dele.

    Já estávamos na segunda e derradeira viagem, quase chegando ao destino, quando o Almeidinha me solta essa: "Du, eu quase dei um murro em um cara lá do trabalho", Eu, que estava ao volante, não consegui deixar de virar o rosto pro lado dele e soltar um "O quê?". Daí, seguiu-se o diálogo abaixo, que até pode ter sido um pouco diferente do que realmente aconteceu, já que a minha memória, às vezes, falha.

    _ Pô, o cara é muito chato! Ele vive me provocando o tempo todo.

    _ Almeidinha, a gente não faz mais isso!

    _ Não faz mais o quê?

    _ A gente não sai mais no tapa com as pessoas.

    _ Ué, e por que não?

    _ Porque a gente é velho.

    O Almeidinha me olhou com uma cara de espanto, mesmo porque ele é até mais novo que eu. Na verdade, nem somos tão velhos assim, mas já passamos, há muito, do tempo de sair na mão com os nossos desafetos. Seja como for, por conta do afastamento compulsório devido à pandemia, praticamente não nos encontramos. Mas continuamos nos falando, pois, como a minha mulher diz, sou mesmo apaixonado pelo Almeidinha. Aliás, se eu fosse mineiro, ele seria um bicho-de-pé, que me aborrece muito, mas também me distrai da vida, muitas vezes entediante. Talvez eu seja também um bicho-de-pé pro Almeidinha. E, como conheço bem o meu amigo, ele vai reclamar muito dessa história de bicho-de-pé. Mas tudo bem, pois o problema seria se ele não reclamasse.



sábado, 26 de fevereiro de 2022

Santana e as bravatas

    Santana, aproveitando mais um período de tranquilidade na delegacia, compartilhava seus pensamentos misóginos com os seus colegas, a maioria também com as mesmas ideias estapafúrdias. Eles divagavam sobre a suposta incapacidade das mulheres, como se eles próprios, ao contrário das colegas de trabalho, não fossem todos os verdadeiros inúteis. Todavia, lá estava o Santana tentando passar a imagem de herói, como se fosse o Rambo,  pronto para salvar o mundo. Ridículo, obviamente! Mas esse era o Santana.

    Conversa fiada aqui, papo-furado ali, o policial das antigas arrancava uma gargalhada da rapaziada sempre que menosprezava a ação de uma colega.  Ele tentava dar credibilidade às suas histórias, mas que não passavam de bravatas. No entanto, quando todos prestavam atenção às bobagens do Santana, eis que uma policial, não mais que dois ou três anos de casa, adentrou na delegacia. Todos se empertigaram o máximo possível, o Santana ainda mais, pois a sua barriga proeminente necessitava de um esforço maior que todos ali. 

    _ Muito gata! - disse um dos policiais.

    _ Gostosa demais! - falou outro.

    _ Essa eu pegava no colo e levava pra minha casa! - um terceiro comentou.

    _ E como não levar? - questionou o Santana, ao mesmo tempo em que colocou as mãos na cintura e deu aquela cusparada como sinal de que ainda possuía muita testosterona para ser queimada. Todavia, pobre Santana, o cuspe caiu justamente na sua enorme barriga.

    

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Dona Irene e a Ponte do Adeus.



  Há alguns anos a minha mulher e eu tivemos uma pequena fazenda no interior de Goiás, onde passávamos vários finais de semanas e feriados curtindo a natureza e os animais que criávamos. Foi uma época muito aventureira, onde passamos por cada situação, que eu teria que montar outro blog apenas para contar todos os acontecimentos. Mas, enquanto isso não acontece, aqui vai uma história bem curiosa.

   Pois bem, lá estávamos a Dona Irene e eu retornando de mais um tempo passado na roça. Nessa época tínhamos uma camionete bem velha, que chamávamos de Manoelito.  Já era noite, quando percebemos um enorme engarrafamento na estrada, que depois soubemos tinha sido provocado por um acidente. A minha mulher, esperta como ela só, observou que logo ali muitos veículos estavam tomando um desvio de terra para fugir do trânsito completamente parado. Criamos coragem e seguimos o fluxo, mesmo não tendo certeza do que aquilo iria nos levar, ainda mais porque tudo logo ficou muito escuro e uma chuva relativamente forte só piorou a situação. Mas continuamos firmes, já que, apesar de velho, o Manoelito possuía tração nas quatro rodas e era bem confiável, ainda mais em estrada de chão. Estávamos muito mais preparados para aquele desafio que aqueles carros de passeio que acompanhávamos.

  Apesar dos solavancos, íamos resistindo bravamente, até que percebemos um pequeno engarrafamento à nossa frente. Mas aos poucos os veículos voltaram a se mover, mas não com a velocidade de antes. É que havia uma ponte, aliás, ponte é uma maneira meio imprecisa de nomear aquele pequeno amontoado de madeiras sobrepostas a um riacho que ficava a mais ou menos três metros da pista. Seja como for, todos os veículos, um a um, haviam conseguido transpor aquele perigo, que, no nosso caso, nos parecia muito maior, haja vista o Manoelito pesar quase o dobro. Isso me fez parar diante daquela tal ponte, onde tive que verificar se as rodas da camionete estavam mesmo alinhadas com as madeiras, pois, caso não estivessem, a queda seria certa. 

  Tudo parecia certo quando, de repente, ouço a porta da Dona Irene se abrir e a vejo descendo do Manoelito. Ela simplesmente olhou para mim e disse: "Vá na fé!!!" A minha mulher conseguiu atravessar a pé a tal ponte e, toda confiante como aqueles caras com aquelas bandeirinhas nos aeroportos orientando os aviões, me mandava atravessar. Não sei como consegui, mas o Manoelito atravessou aquele obstáculo, mesmo que as madeiras rangessem mais que cachorro bravo. A Dona Irene, toda molhada por conta da chuva, abriu a porta e voltou a se sentar ao meu lado e me deu um doce beijo na boca. Nem sei se aquela pinguela tinha nome, mas ela a batizou de Ponte do Adeus.


A gaúcha e o chimarrão

 

    Não sei se você que está me lendo agora já passou pelo Rio Grande do Sul, onde as pessoas costumam sair acompanhadas dos apetrechos para um bom chimarrão (cuia, bomba, térmica). Outros, ainda mais prevenidos, levam cadeira de praia também. 

    Há o chimarrão curto e o longo, coisa que aprendi com uma gaúcha muito simpática (desculpe pelo pleonasmo, já que os gaúchos, especialmente os de Porto Alegre, em nada lembram os curitibanos). Existe a erva fina e a grossa, sendo esta para os que gostam do gosto mais amargo. Afinal, de doce já basta a vida!

    Pois bem, mas a história que quero contar nem aconteceu no Rio Grande do Sul, mas numa pequena cidade na divisa com o Uruguai, chamada Rivera. Lá, como não poderia deixar de ser, a população é também muito ligada ao chimarrão, já que também são gaúchos, assim como todos os habitantes dessa região, não importando de qual país você seja. 

    Todos parecem dar muito valor a uma boa carne, o lindo cavalo crioulo é a montaria preferida, as bombachas são mesmo vestimentas usuais e não aquela coisa caricata que a televisão tenta nos passar. Eles são o que são e parecem realmente gostar disso tudo. Tanto é que, de tão natural que isso é, a minha esposa e eu acabamos nos tornando um pouco gaúchos. 

    E lá estávamos em Rivera, quando percebemos uma mulher ao volante buzinando para um homem, que havia parado o trânsito de maneira imprudente. Aquela motorista, não sei com quantas mãos, pois parecia até aquela deusa indiana Shiva, toda cheia de braços, buzinava, segurava o volante e, pasmem, também carregava uma bela cuia de chimarrão, onde ia sorvendo aquele delicioso amargor da erva, e, quase num passe de mágica, driblou o motorista sem-noção à sua frente e foi embora. 

    Obviamente, ela gritou algo que não pude captar, pois o meu espanhol não é lá essas coisas ou, talvez, eu prefira poupar o meu leitor de um palavrão que não caberia nessas poucas linhas. Seja como for, aquela mulher, provavelmente uruguaia, logo ganhou a minha admiração, pois eu mal consigo segurar uma cuia de chimarrão sem medo de queimar a boca.


sábado, 19 de fevereiro de 2022

Foi brincar com a Cuquinha

   Assim como há pessoas especiais que passam pela nossa vida, os cães também nos encantam de tal forma, que eles passam a ser assunto de conversas e lembranças. Tive a oportunidade de conhecer vários cachorros desde a minha tenra infância. Seria até injusto com alguns se eu não os mencionasse aqui. Todavia, vou falar especialmente de uma, a Cuquinha, uma cadela da raça Bull Terrier que foi a minha mais doce companheira por seis anos.

    O mundo da Cuquinha era eu, tanto é que ela nem mexia as orelhas caso outra pessoa a chamasse. Isso, às vezes, acabava irritando alguém, mas eu achava o máximo. Ela passava o dia comigo na clínica e, ao final do dia, voltava para casa ao meu lado. 

   Um dia, infelizmente, ela faleceu, ainda nova, nos meus braços. Fiquei sem chão nesse dia e por um bom tempo nem quis mais ter cães. Obviamente, acabei entregando os pontos, pois viver longe de um nariz gelado é um desalento. 

   Não sei exatamente quando começou, mas um dia, logo após alguém ter falecido, eu falei: "Foi brincar com a Cuquinha". Isso, aliás, acabou sendo o comunicado sobre algum falecimento, não importa de quem quer que seja. Na minha família, portanto, nunca falamos que alguém morreu, faleceu ou partiu desta para melhor, mas foi brincar com a Cuquinha. 

  E eis que um dia estava olhando algumas fotos da Cuquinha, quando um amigo se aproximou. Acabei lhe contando essa história. Ele, então, se virou para mim e disse: "Sempre tem uma Cuquinha esperando por todos nós em algum lugar".

  • Nota de esclarecimento: A crônica "Foi brincar com a Cuquinha" foi publicada por Notibras no dia 22/3/2024.
  • https://www.notibras.com/site/quem-parte-dessa-pra-melhor-tem-quem-espere/

 

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Ainda bem que Porto Alegre não é Curitiba

 


    Assim que a minha mulher, a Dona Irene, me falou que pretendia se mudar para Porto Alegre, fiquei com um pé atrás. Não por conta da mudança, mas porque ela estava prestes a ir para uma cidade do sul do país. Não sei se já contei isso aqui, mas passei alguns dias em Curitiba e odiei aquele lugar. Que pessoal mais grosso!!!

    E lá foi a Dona Irene para a capital gaúcha, onde entrou em um novo emprego. Para a minha surpresa, ela me disse que todos a receberam muito bem. Estranhei mesmo! Será que eu havia me enganado sobre as pessoas de Curitiba? Sinceramente, isso não me convencia, pois tive várias experiências que me fizeram prometer a mim mesmo que nunca mais colocaria os pés naquele lugar.

    Finalmente conheci Porto Alegre nesses dias e, para meu total encanto, constatei que o porto-alegrense em nada se parece com o curitibano. Ainda bem!!! Eles são gentis, adoram os animais, isso a gente pode constatar nos vários locais em que passeamos. Em Poa (olha como estou quase um gaúcho) há diversas praças, inclusive com cachorródromos, onde você pode passear com seus cães soltos. As pessoas caminham pelas ruas e não é raro um desconhecido mandar um "Bom dia!" 

    Ah, uma coisa que eu sempre pensei que fosse exagero daqueles artistas que imitam gaúchos, mas que vi que não é bem assim. Por lá você sempre ouve aquele famoso "Bah", que soube ser uma abreviatura de "Barbaridade". Pois é, Poa é uma cidade a ser visitada e, confesso, senti até vontade de morar. Definitivamente, Porto Alegre em nada se parece com aquela outra coisa.

Dona Irene na antessala cirúrgica



    Como algumas pessoas sabem, a Dona Irene passou recentemente por uma cirurgia, pois teve que tirar um tumor no seio esquerdo. E para provar que há coisas divertidas até mesmo nesses momentos tensos, aqui vai mais uma história, que, mesmo verídica, pode parecer fantasiosas aos olhos dos mais céticos. 

   Pois bem, lá estava a nossa heroína na antessala se preparando para mais uma batalha da vida, dessas que nos pegam desprevenidos, mas que temos que enfrentar mesmo assim. Uma técnica de enfermagem, com uma caneta, marcou o lado esquerdo do pescoço da Dona Irene. A profissional disse que era para não haver confusão sobre o lado correto para ser operado. Logo em seguida, veio a anestesista, que, com outra caneta, fez uma nova marca sobre a que já havia sido feita. Ela também disse para a minha esposa que era para a médica não se confundir na hora do procedimento. Tudo normal, caso não fosse a curiosidade de uma outra paciente, que também estava aguardando na mesma antessala para ser operada. 

    _ Ei, por que não fizeram uma marca em mim?

    _ A senhora vai operar o quê? - perguntou a anestesista.

    _ A vesícula.


quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Os nomes das ruas da nossa cidade

    Imagine uma cidade cujas ruas tenham apenas nomes de pessoas legais. Nada de visconde disso, barão daquilo, general sei lá o quê. Chega de homenagear gente que não gosta de gente! 

     Na nossa cidade devemos valorizar os seres humanos especiais e, por isso mesmo, muito legais. Já pensou a rua Elza Soares se encontrando com a Garrincha, que pode fazer uma tabelinha na esquina da Nilton Santos? Obviamente que poderíamos fazer um agrado ao Zico. ao Dinamite ou ao Rivelino, mas isso é com você. Sou botafoguense e, portanto, vou colocar os craques do meu time em várias ruas.  

    _ Onde fica a padaria?

    _ Ah, você sobe aqui a Nise da Silveira, dobra à esquerda na João Saldanha, depois dobra mais ainda à esquerda pra pegar a Luís Carlos Prestes. A padaria fica bem em frente à praça Dona Ivone Lara.

   Com esse trajeto, a caminhada fica até mais prazerosa. É certo que iremos criar um seleto emaranhado no centro, onde a Marieta Severo cruzaria com a Chico Buarque e a Marco Nanini, que formaria um entroncamento com a Tonico Pereira e a Canarinho. 

    Já a Heloísa Mafalda, nascida justamente na Brandão Filho, desembocaria na Jorge Dória. Não poderíamos nos esquecer da famosa e formosa rua Sônia Braga, que seria o início, meio e fim de várias outras: Armando Bógus, Jorge Amado com a Zélia Gattai ou até mesmo com a Marcelo Mastroianni.  E como esquecer do trevo mais nobre dessa nossa cidade: a Machado de Assis, com certeza, só poderia mesmo dar as mãos para a Carolina Augusta.

  Entre tantas ruas, estaria a Zeca Pagodinho, que obrigatoriamente deveria ter alguma ligação espiritual com o largo Beth Carvalho, que seria ponto de encontro das ruas Martinho da Vila, Martinália, Cartola, Nelson Sargento, Paulinho da Viola e Noel Rosa, que dobraria justamente na Aracy de Almeida. Gente, quanta gente boa!!! Quanta gente a se valorizar!!! 

    Ruth de Souza, Léa Garcia, Fernandona, Fernando e Fernandinha, Procópio e Bibi, Grande Otelo e Oscarito, Golias, Costinha, Xico Sá, Lula, Dilma, Paulo Pimenta, Humberto Costa, Elis, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Alceu Valença, Raulzito, Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, Maria Bethânia, Gal, Zé Geraldo, Zé Ramalho, Belchior, Alaíde Costa, Marcio Petracco, Johnny Alf, Cauby, Ângela Maria... A lista é enorme!!! 

    Também haveria ruas novas: Lázaro Ramos, Matheus Nachtergaele, Taís de Araújo, Wagner Moura, Leandra Leal, Gregório Duvivier, Tatá Werneck, Paulo Gustavo, Tuca Andrada, Rafael Portugal e toda aquela turma divertida do A Culpa é do Cabral. Quanta sede de arte de gente nada esquisita! Que também venham os Titans e a galera do Legião Urbana!

    Já que quem escolherá os nomes somos nós, aproveito para criar a praça dos meus colegas de Notibras, que se sentarão nos banquinhos de cimento dispostos em círculo. Lá estarão o José Seabra, o Wenceslau Araújo, o Mathuzalém Júnior, o Daniel Marchi de Oliveira e o André Montanha. 

    E me desculpe o atrevimento, mas nessa nossa cidade também deveria ter a rua Dona Irene, que é justamente a que eu escolheria para morar.

  • Nota de esclarecimento: A crônica "Os nomes das ruas da nossa cidade" foi publicado por Notibras no dia 6/12/2023.
  • https://www.notibras.com/site/cidade-de-bem-merece-ruas-com-nomes-legais/

Dona Irene em Porto Alegre

 

    Para os que ainda não sabem, digo-lhe que a Dona Irene está morando em Porto Alegre desde novembro passado, mais exatamente a partir do dia 22 de novembro de 2021. Resolvi colocar a data correta para que, talvez daqui a não sei quantos anos, caso alguém resolva gastar poucos minutos na leitura deste texto, terá uma noção de tempo e, logicamente, espaço do ocorrido. Pois bem, ela realmente está residindo na capital gaúcha. E já digo de antemão: ela está amando a cidade, carinhosamente chamada de Poa!!!

    Pois bem, numa dessas andanças pelas belas ruas do bairro Menino Deus, lá estava a Dona Irene quase entrando no mercado, quando um homem sem camisa e descalço lhe pediu dinheiro. Ela, que não é apenas gentil nas redes sociais, respondeu que sim, mas precisava de alguém para ajudá-la a levar as compras ali na esquina. O homem prontamente respondeu que iria ajudá-la. A Dona Irene entrou no tal supermercado e fez as compras, retornando em seguida para o mesmo local onde havia encontrado aquele rapaz. No entanto, para a surpresa dela, o homem agora estava com camisa, tênis e até mesmo óculos escuros. 

    Já no trajeto para a casa da Dona Irene, a conversa fluiu amigavelmente:

    _ De onde você é, Adilson?

    _ Sou de Sobradinho, uma cidade do interior do Rio Grande do Sul.

    _ Nossa, que coincidência! Eu já morei numa cidade com esse nome, só que no Distrito Federal.

    _ Ah, eu conheço! Eu já fui em Brasília, pois nessa minha profissão eu ando muito.

    _ Qual é a sua profissão?

    _ Viajante!

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Santana e o retrato falado

 


    Santana, como de costume, chegou atrasado na delegacia. Mas nada além do que as quase duas horas de costume. Afinal, ele, segundo as suas próprias palavras, já havia feito muito para a polícia nos seus tantos e tantos anos de casa. Chegou, arrastou seu corpanzil através da portinhola que separava o público dos grandes defensores da ordem pública e, sem causar espanto nos colegas no balcão, foi direto para a cozinha tomar algumas xícaras de café. Obviamente, o Santana merecia essa pausa antes mesmo de começar a fatigante labuta.

    Quase um hora após, lá vem aquele paquiderme se sentar na cadeira ao canto, tentando não ser visto pelas pessoas que aguardavam o atendimento. No entanto, para o seu azar, uma mulher de seus lá trinta e poucos anos se senta justamente no assento do outro lado da bancada. 

    _ Quero registrar um boletim!

    _ O que houve? - o Santana, com o mau humor costumeiro, questiona.

    _ Fui estuprada!

    O Santana, pois bem, até mesmo o Santana, tomou um susto e arregalou aqueles olhos, que ficaram ainda mais esbugalhados.

    _ O quê? Onde foi isso?

    _ No Rio de Janeiro!

    _ E por que você não registrou isso lá?

    _ Porque estão me perseguindo!

    O Santana, talvez resgatando aquele famoso tino policial, que na verdade nunca teve, começou a imaginar que a tal mulher não fosse muito boa da cabeça.

    _ E isso foi onde no Rio exatamente?

    _ Em Copacabana!

    _ Onde em Copacabana?

    _ Na praia!

    _ Quando foi?

    _ Domingo passado!

    _ Domingo? Qual o horário?

    _ Dez horas da manhã!

    _ Estava fazendo sol?

    _ Muito!

    _ Provavelmente a praia deveria estar cheia de gente.

    _ Lotada!

    O Santana já estava quase erguendo o seu enorme corpo para ir tomar mais algumas xícaras de café. Pretendia deixar aquela maluca ali mesmo falando sozinha. Mas, antes que ele o fizesse, ela disse algo que o deixou curioso.

    _ Se quiser, posso fazer o retrato do estuprador!

    Ele ficou ali com aquela cara de espanto, como que curioso do desfecho da história.

    _ Você pode me arrumar uma caneta e um papel? - perguntou a mulher.

    O Santana se virou para o colega ao lado e disse:

    _ Me dá um papel e uma caneta aí.

    Já com os objetos à mão, a mulher desenhou toscamente um rosto, como aqueles que fazemos quando estamos aprendendo a desenhar ou, como a maioria de nós, continuamos a fazê-lo simplesmente para demonstrar a nossa completa falta de talento. Assim que olhou o que a mulher havia desenhado, o Santana apenas balançou a cabeça. Não havia mais nada a se fazer na delegacia naquele dia e, então, ele, utilizando a própria lógica, foi embora: "Já que havia chegado mais tarde, tinha o direito de sair mais cedo".




Vitinho, o craque que gostava de roubar

 

        O policial e aquele ladrão já se conheciam de longa data, tanto é que, apesar de estarem de lados opostos, havia certa empatia entre os dois. Tanto é que eles se tratavam sem muita cerimônia: Marcelo e Vitinho. Ambos se respeitavam, não existia trairagem entre eles. No entanto, sabiam que, enquanto um faria o possível para prender, o outro não pouparia esforços para escapar.

     Marcelo conhecia tanto da vida daquele criminoso, que não entendia o porquê dele não ter permanecido num grande time de futebol de São Paulo, para onde havia sido levado, ainda menino, por um olheiro. Sabia que Vitinho logo se destacara entre os jogadores e, por isso, cedo ganhou a camisa 10. Era titular absoluto! 

    Um futuro brilhante pela frente o aguardava. Todavia, sem avisar quem quer que fosse, fugiu da concentração, onde morava com outros também meninos. Sumiu!!! Vitinho, além de ser craque com a bola, era também muito bom de lábia. Pegou algumas caronas e, três dias depois, surgiu na casa dos pais, naquela pequena cidade do interior.

    _ Por que você fez isso, Vitinho? 

    _ Sabe, Marcelo, eu não suportava ficar preso naquela concentração! A gente não podia sair, aqueles caras eram muito controladores. Isso me deixava doido! Eu não gostava daquilo!

    _ E do que você gosta?

    _ Quer saber mesmo? Cara, eu adoro roubar! Eu até trafico de vez em quando, mas o que eu gosto mesmo é da adrenalina de estar com um berro na mão e não ter a certeza de que vai dar certo. 

    O policial, olhando para aquele quase amigo, se questionou sobre o que leva alguém a fazer certas coisas na vida. Ele não julgou os atos daquele criminoso, mesmo porque ele próprio, assim como a maioria de nós, nem sempre havia trilhado o caminho dos puros. Contudo, pensou na ironia do destino, pois o Vitinho, que não gostou de ficar preso naquele famoso time da capital paulista, iria passar um bom tempo trancafiado no presídio.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Vitinho, o craque que gostava de roubar" foi publicado por Notibras no dia 16/12/2023.
  • https://www.notibras.com/site/craque-que-gostava-de-roubar-foi-parar-na-cadeia/

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Sonho de infância

   Aquele menino passava mais tempo no quintal brincando com o cachorro, observando as galinhas soltas, os passarinhos voando de um lado para o outro, as formigas trilhando caminhos entre as folhagens. Sim, ele também ia para a escola, mas, assim que voltava, ia logo se encontrar com aquela multidão de animais. Não que ele não gostasse de gente, até gostava muito. No entanto, era ali naquele quintal que fantasiava essas coisas que crianças cismam em fantasiar. 

  Ele não se lembrava exatamente quando foi que escolheu o que iria ser. Todavia, o moleque se recordava exatamente como foi. Num desses almoços de família, lá estava o seu tio, que ele gostava de chamar de Nabuquinho. 

    Não que o tio tivesse esse nome, mas é que a avó, certa vez, lhe disse que o avô queria ter colocado o nome no filho de Nabucodonosor. O menino achou esse nome tão legal, que passou a chamar o tio assim. Pois bem, voltando ao tal almoço, lá estava o Nabuquinho observando o sobrinho brincando com o cachorro, quando disse: 

    _ Acho que ele vai ser veterinário!

    O menino olhou espantado para o tio. Ele não se lembrava de ter ouvido aquela palavra antes. 

    _ Veterinário? O que é isso?

    A avó lhe explicou que veterinário era o profissional que cuidava dos animais. O menino pareceu gostar daquilo, pois seus olhos brilhavam de uma maneira especial. A partir de então, ele sempre falava para todos que seria veterinário. 

    E foi justamente o que ele se tornou após vários anos depois daquelas palavras proféticas do Nabuquinho. E, hoje em dia, toda vez que um cliente lhe diz que o seu sonho de infância era ser veterinário, ele diz:

     _ Também era o meu!

  • Nota de esclarecimento: O conto "Sonho de infância" foi publicado por Notibras no dia 26/11/2023.
  • https://www.notibras.com/site/nabuqinho-indica-o-futuro-no-fundo-do-quintal/

A medalha de bombom e a advogada

   

    A menina tinha nome, mas o pai a chamava de Ninica. O pai também tinha lá o seu, mas a filha o chamava de Pepito. Os dois gostavam de passar o tempo juntos, seja no tapete da sala, seja até mesmo na veterinária do pai, onde ele atendia os animais, enquanto a menina, com aqueles olhos enormes, ficava atenta a tudo. Tão curiosa, que o pai jurava que, um dia, ela também seria médica veterinária.

    Naquele dia, final de mês, quase não havia clientes para o pai atender. A Ninica perguntou para o Pepito se ele queria brincar de dominó. Ele respondeu que sim. Logo espalharam as peças pela mesa, mexendo daqui, mexendo dacolá. Cada um escolheu as suas sete. 

    Nesse dia, a Ninica estava dando aquela surra no Pepito, que não ganhava umazinha sequer. A menina ria tanto, que o pai resolveu premiá-la. Pegou um bombom no fundo da gaveta, o amarrou a um barbante e colocou no pescoço da filha. Naquele momento, havia sido criada a famosa medalha de bombom. A menina ficou ainda mais feliz, tanto é que, naquela mesma noite, foi dormir com o prêmio ainda no pescoço.

    Essa tradição da medalha de bombom ainda permanece, se bem que quase nunca ocorre. Mas é sempre lembrada durante as conversas. É que a Ninica cresceu e nem se formou em medicina veterinária. Ela preferiu seguir a carreira do avô e, por isso, fez o curso de direito. O Pepito nem ficou triste com a escolha da filha, pois percebeu que a menina se encontrou exercendo a advocacia. No entanto, ainda que não tão frequente, ele chama a Ninica para ajudá-lo a atender um cliente de vez em quando e, quem sabe, colocar de novo aquela medalha de bombom no pescoço da, agora, advogada.

  • Nota de esclarecimento: A crônica "A medalha de bombom e a advogada" foi publicada pelo Notibras no dia 13/08/2023.
  • https://www.notibras.com/site/ninica-seria-veterinaria-mas-virou-otima-advogada/

    

domingo, 6 de fevereiro de 2022

Meus padrinhos e o afilhado preferido

    Não sei você, mas o meu padrinho faz misto-quente toda vez que o visito. Desculpe aí, mas o Celso (esse é o seu nome) me trata muito bem! Na verdade, ele até batizou um outro aí, mas eu sou, de acordo com as palavras dele, o afilhado preferido!

    O meu padrinho é casado com a Marilda, ou melhor, Mariiiiiiilllllllllllllllllllda, pois é assim que ele a chama. De tanto ouvi-lo chamar pela minha madrinha, confesso que até hoje sempre a chamo assim. Obviamente, ela também diz que eu sou o afilhado predileto, apesar daquele outro, que nem vou falar que se chama Luciano.

    O Celso é um cara bem brincalhão, além de ter umas frases que, de vez em quando, replico para algum amigo: "Me dá balinha Juquinha pra eu acreditar!", "Conte-me tudo, não me esconda nada!" Ah, ele também gosta de me mostrar o "sítio" dele, que nada mais é que o seu quintal, que deve ter infindáveis 600 metros quadrados. Além disso, como a irmã da minha madrinha mora ao lado, o Celso resolveu fazer uma porta entre os dois terrenos. Por isso, não é difícil vê-lo gritar um "Ei, comadre!" Pois é, pelo visto, você já deve ter percebido que aquele outro, o tal Luciano, é filho da vizinha.

    A Marilda adora os animais. Ela sempre está cuidando de algum passarinho, um mico ou até mesmo um gambá que apareça no sítio. Todos eles acabam recebendo um nome. Dessa forma, não é raro ela me mandar mensagens falando sobre o Gasolina, que é um dos micos que habitam o latifúndio dos meus padrinhos. Isso, aliás, é algo que nos faz ainda mais próximos, mesmo a gente não morando tão perto. É que eu sou veterinário, provavelmente influenciado por ela. Coitado do Luciano! Fico até com pena dele, pois eu sou o afilhado mais querido dos meus padrinhos!

sábado, 5 de fevereiro de 2022

Campeã mundial de tênis

        A menina e o pai estavam na praia, onde resolveram inventar, naquele exato momento, talvez não tão exato assim, o famoso tênis de praia. Marcaram o campo bem perto da água, onde a areia era mais firme, o que permitia que a bola quicasse com maior facilidade. É verdade que o campo ficou meio inclinado, mas nada que pudesse atrapalhar a diversão daqueles dois.

        E começou a partida, muito disputada por sinal. A menina logo abriu quatro pontos de vantagem, mas o pai conseguiu encostar no placar. Mesmo assim, ela fechou o primeiro set quase facilmente, haja vista a grande performance, especialmente pela sutil agilidade dos movimentos. 

        Tão logo terminaram a primeira etapa, lá estavam disputando o segundo set, que, por incrível que pareça, foi vencido pelo pai. Provavelmente, a menina ainda estava com a cabeça no primeiro, ganhado com facilidade. Ela deu mole!

        O terceiro e decisivo set começou tenso, pois ninguém queria perder. Um erro bobo aqui, uma rebatida desastrosa ali, uma espirrada na raquete acolá. Seja como for, lá estava a menina com a vantagem para, finalmente, fechar o jogo. E foi justamente o que aconteceu! 

        Eufórica, ela jogou a raquete para o alto, deitou na areia e começou a gritar que era a campeã mundial de tênis. Enquanto isso, o pai, meio cabisbaixo, foi recolher as raquetes e a bolinha. Deixou o material num cantinho e puxou a filha para darem um mergulho no mar. 

        Em seguida, voltaram para a barraca, onde estavam a madrasta e um amigo, o Almeidinha. A menina, ainda eufórica pela grande conquista, já chegou dizendo que era a campeã mundial de tênis. O Almeidinha, que de vez em quando se mostrava mal-humorado, a contestou:

        _ Que campeã mundial de tênis uma ova! 

        _ Sou, sim! Ganhei do meu pai agora!

        _ E cadê os outros concorrentes?

        _ Esse torneio só pode ser disputado por atletas altamente gabaritados!

        _ E quem são?

        _ Ué, o meu pai e eu!

  • Nota de esclarecimento: O conto "Campeã mundial de tênis" foi publicado por Notibras no dia 9/12/2023.
  • https://www.notibras.com/site/filha-bate-pai-e-se-proclama-campea-mundial/

    

Banana ouro na serra de Petrópolis

 

    A Variant 72 vermelha ganhava terreno pela serra de Petrópolis levando aquele jovem casal para mais uma visita aos parentes, que moravam em Nogueira. Durante o trajeto, a mulher cismou em comprar banana ouro em uma das barracas espalhadas pela estrada. 

    O homem, sem sair do carro, perguntou para o vendedor quanto era um cacho de bananas, com três pencas, pendurado bem em frente à banquinha. O vendedor pensou, pensou e respondeu:

    _ Cinco reais!

    _ Cinco reais? Puxa, tá caro!

    O vendedor encolheu os ombros, como se tentasse se desculpar. Devo lembrá-lo que essa história aconteceu em julho de 1994, justamente quando a nova moeda brasileira havia sido lançada. Isso, aliás, tornava o real equivalente a um dólar estadunidense. Ou seja, era muito dinheiro na época. Por isso, o homem fez nova pergunta:

    _ E quanto está uma penca?

    Lá estava o vendedor, que pensou, pensou, pensou e, finalmente, respondeu:

    _ Um real!

    _ Um real?

    _ Sim! Um real!

    _ Então, me vê três pencas!

    O vendedor, por sua vez, pegou aquele mesmo cacho de banana com três pencas, cortou-o em três pedaços e os entregou para o homem na Variant 1972 de cor vermelha. Este pegou três notas de um real e as entregou para o vendedor, que agradeceu. 

    Já de volta à estrada, o silêncio foi interrompido por uma pergunta do marido:

    _ Aconteceu isso mesmo ou estou sonhando?

    O casal sorriu, enquanto o marido prometia à esposa que um dia iria escrever essa história.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Banana ouro na serra de Petrópolis" foi publicado por Notibras no dia 22/1/2024.
  • https://www.notibras.com/site/penca-de-banana-ouro-vendida-a-preco-de-real/

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Santana e a pochete

   

 Nesse dia o Santana havia acordado de mau humor, como se ele não levantasse assim sempre. Mas deixemos de lado essa implicância com esse policial exemplar e vamos direto ao ponto. Pois bem, um homem havia sido detido por embriaguez ao volante. Tão bêbado estava, que começou a esbravejar que todos naquela delegacia eram filhos disso e daquilo. A princípio, ninguém deu trela para as bravatas do preso.

  Enquanto um agente formalizava o boletim de ocorrência, o delegado já ia ouvindo o condutor do flagrante. O Santana, que estava fumando um cigarro bem ali na frente da delegacia, finalmente ouviu um dos impropérios do detendo. Quase que imediatamente, ele jogou a guimba no chão e foi ver o que estava acontecendo. Arrastando seu corpanzil, entrou na delegacia e ficou de frente para o preso, que ainda gritava filhos disso, filhos daquilo. 

    _ Cala essa boca! - Santana ordenou.

    _ Se você for homem, vem calar!

    Todos ali observavam aquele bate-boca. O Santana, agora com essa plateia, não poderia deixar por menos e, então, entregou a sua arma para o delegado, que olhava pasmo. Em seguida, arrancou a camisa para, finalmente, entrar em luta corporal com o bêbado. Todavia, isso não aconteceu, pois todos começaram a rir, inclusive o preso, da enorme pança do Santana, pendurada sobre a virilha, parecendo uma pochete. 

Bicudo, o mestre das artes cínicas

    Lá estava aquele garoto espevitado, a cara do pai, o humor do avô, o xodó da avó. Bastava entrar em um recinto, todos já o olhavam esperando que algo inesperado fosse acontecer. E, para falar a verdade, geralmente acontecia. Ah, o seu nome era Gabriel, mas todos o chamavam de Bicudo. E essa história sobre esse menino aconteceu no último Natal, quando alguns familiares estavam reunidos na casa de uma tia, a Salete.

    Já na entrada, Bicudo tomou a dianteira e passou pela tia sem percebê-la, enquanto o pai e a irmã cumprimentavam a anfitriã. Salete não deixou tal situação passar e foi logo questionando o sobrinho:

    _ Ué, você não me viu aqui?

    _ Claro que vi! Tanto é que até falei "Tudo bem por aqui? Como vão as coisas? Feliz Natal!"

   Salete ficou confusa. Talvez, ela, ansiosa por receber tanta gente em casa naquele dia, não tenha mesmo percebido. Seja como for, logo estavam todos na varanda, onde os assuntos eram diversos, até que o pai do Bicudo, demonstrando certo orgulho, contou que o filho havia passado de ano direto, e todas notas eram excelentes. Aliás, quase todas!

    _ Parabéns, Bicudo! - exclamou a avó, que sempre bajulava o neto.

    _ Você pode até ser médico! - falou o avô.

    _ O que precisa para ser médico, vô? - perguntou o Bicudo.

    _ Em primeiro lugar, precisa estudar muito! 

    _ Ih, vô, então, tô fora!

    Todos riram, até que o pai do Bicudo mostrou o boletim do menino. Lá estavam aquelas menções altas: 10, 10, 9, 10, 10... Até que surgiu um 5 em artes. O tio, para não perder a piada, perguntou para o Bicudo quanto ele havia tirado em artes. O Bicudo, talvez pela primeira vez na vida, respondeu meio envergonhado. O pai, percebendo que o filho estava em apuros, disse que o Bicudo não era das artes plásticas, mas das cênicas. No entanto, a irmã do Bicudo, quase muda durante toda a festa, saiu com essa:

     _ Só se for das artes cínicas!

  • Nota de esclarecimento: A crônica "Bicudo, o mestre das artes cínicas" foi publicada pelo Notibras no dia 22/07/2023.
  • https://www.notibras.com/site/bicudo-o-mestre-das-artes-cinicas-nao-cenicas/

    

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Dona Irene e o tubarão

    A história que vou contar aconteceu em Guarapari, o agradável balneário capixaba. A minha esposa (Dona Irene) e eu estávamos na praia do Morro, mas gostávamos de caminhar todos os dias até as praias do Centro, especialmente a das Castanheiras. Andar pela orla é muito gostoso, ainda mais quando se está ao lado da mulher dos seus sonhos. 

    Não sei se você conhece Guarapari, mas vou lhe contar que existe uma pequena ponte que separa o Centro da outra parte. Logo abaixo há vários barcos, presos por âncoras, geralmente com boias enormes, muitas vezes ligeiramente submersas por causa do movimento do mar. E lá estávamos caminhando de volta, passando pela tal ponte, quando a Irene resolveu brincar de faz de conta e apontou para uma das boias.

    _ Oh, o que é aquilo?

    _ Eu não sei! O que será?

    _ Será que é um tubarão?

    Nisso, um velhinho, que vinha logo atrás da gente, cutucou o ombro da Irene e disse:

    _ Senhora, isso não é um tubarão. Isso é a boia do barco.

    A Irene, talvez por não gostar da interrupção do nosso interlúdio lúdico, respondeu:

    _ Mas o senhor é mesmo chato, hein! 

    

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Adamastor, o cachorro


    Talvez você seja desses que acham que a inteligência é algo exclusivo dos seres humanos. Tenho um amigo, o Almeidinha, que também diz que os animais não pensam. Desculpe desapontá-lo, mas se você é como o Almeidinha, afirmo com certeza que está errado, especialmente se formos olhar para o protagonista desta história. 

    Pois bem, ele é tão especial, que no dia em que surgiu nas páginas de um antigo jornal carioca, Catraca, virou parte do asfalto da avenida Nossa Senhora de Copacabana, como você pode constatar olhando a tirinha acima. Morreu!!! Mas ressuscitou, na edição seguinte, como pode ser facilmente comprovado observando o quadrinho abaixo. Seu nome? Adamastor.


    Pois é, a existência do Adamastor foi demonstrada. Qualquer juiz bateria o martelo a favor das palavras ditas acima. Agora, vou lhe contar uma história que, até onde sei, ainda não foi publicada em nenhum lugar. Na verdade, até posso afirmar isso, pois eu sou o criador desse vira-lata que nasceu no longínquo ano de 1993, ali na rua Voluntários da Pátria, no bairro de Botafogo, na cidade do Rio de Janeiro.

    O Adamastor realmente foi criado em Botafogo, mas a primeira história dele quase aconteceu comigo, quando eu estava caminhando para o meu então trabalho, na antiga agência do Banco do Brasil chamada Figueiredo Magalhães, em Copacabana. Lá ia eu andando pela calçada, quando, de repente, surgiu uma escada na minha frente. Eu, como todo botafoguense que se preze, não passo debaixo de escada nem que a vaca tussa. 

      Pois bem, eu me desviei da dita cuja e entrei bem rapidinho na pista, quando veio um ônibus e quase me atropelou. Tomei um susto daqueles, mas logo comecei a rir sozinho, enquanto as pessoas me olhavam, talvez imaginando que eu fosse louco. Foi naquele exato momento que tive a ideia do primeiro quadrinho do Adamastor.
        


Jornal Catraca, criado pelo meu grande amigo Marco Antônio (o Kiko) e eu
  • Nota de esclarecimento: A crônica "Adamastor, o cachorro" foi publicada pelo Notibras no dia 22/4/2023.
  • https://www.notibras.com/site/cao-que-late-morde-e-ressuscita-em-tirinhas/




Santana e o celular

    A delegacia estava um verdadeiro rebu, poucos policiais para atender aquela pequena multidão. Furto, ameaça, injúria... Os casos eram diversos. Mas o que despertou a atenção de todos foi uma mulher histérica gritando com um preso que acabara de entrar conduzido por alguns policiais: "Cadê o meu celular?" 

    O Santana, entediado no balcão da delegacia, tentou dar um salto da cadeira, mas o sobrepeso não lhe permitiu. Apoiou as duas mãos sobre os joelhos e, com um enorme esforço, conseguiu finalmente se levantar. Praticamente se arrastou até o preso e gritou: 

    _ Cadê o celular da moça?

    _ Sei de celular nenhum não, senhor.

   O delegado tomou a frente do caso, foi gerado o boletim de ocorrência e lavrado o flagrante. Em seguida, lá foram o Santana e outro cana levar o suposto ladrão para a cela. Mas primeiro deram o peladão, que é quando o detento tira toda a roupa e tem que dar três agachadas e tossir ao mesmo tempo para, caso tenha algo escondido em certas partes, isso seja expelido. E foi justamente no derradeiro agachamento que, do nada, surgiu o aparelho celular da vítima; "Ploft!" O Santana, demonstrando até certa agilidade, pegou o tal aparelho no chão, ao mesmo tempo em que o outro policial colocou o preso na cela.

    E lá foi o Santana, todo satisfeito, com o produto do roubo nas mãos. Ele ficou diante da vítima, esticou a mão com o aparelho e disse:

    _ Tá aqui, senhora, o seu celular!

    A mulher, percebendo certa mancha marrom no aparelho celular e sentindo um odor extremamente desagradável, fez cara de nojo e deu dois passos para trás.

    _ Que fedor é esse, Santana? - perguntou o delegado.

    O Santana, levando o aparelho bem perto do nariz, respondeu: "Ih, doutor, acho que o ladrão bosteou o celular da senhora aqui!"

  • Nota de esclarecimento: O conto "Santana e o celular" foi publicado por Notibras no dia 3/12/2023.
  • https://www.notibras.com/site/peladao-durante-plantao-expele-produto-de-furto/