Marinaldo. Pois era esse o nome do sujeito, que havia ingressado no importante cargo de escrivão de polícia em uma das tantas delegacias espalhadas pelo Distrito Federal.
— Importante, não! Fundamental! Sem
delegado, a delegacia anda; sem agente, a delegacia engatinha; mas sem
escrivão, ih, não sai do lugar.
— Sério, seu Gilmarildo?
— Seriíssimo, Marinaldo! E não precisa me
chamar de seu, basta Gilmarildo, já que, a partir de agora, somos colegas de
profissão.
— Obrigado, seu Gil... Quer
dizer, Gilmarildo.
Diante de tamanho aprendizado,
Marinaldo encheu o peito de regozijo, como se fosse o último biscoito do
pacote, a derradeira Coca-Cola no deserto do Saara. Ademais, o salário era mais
do que aquele que recebia no emprego anterior. Não tinha do que reclamar.
Porém, sempre
um porém, as finanças, no início robustas, acabaram se adequando aos novos
luxos e, então, o rapazola precisou fazer alguns serviços extras, ainda mais
porque a amada, dona Anabel, queria comprar vestido novo para o casamento de
uma prima. E não ficava bem a agora esposa de um escrivão de polícia ir de
qualquer jeito para evento de tamanha envergadura. Por sorte, Gilmarildo
veio com a solução para o aperto financeiro do companheiro de labuta.
— Marinaldo, por que não começa a
fazer voluntário?
— Voluntário? O que é isso?
— Não sabe?
— Não.
— Voluntário é como chamamos o serviço que
podemos tirar nos plantões das delegacias, inclusive em outras.
— Sério?
— Seriíssimo!
Dois dias após,
lá estava o Marinaldo fazendo o tal voluntário em uma outra delegacia. Plantão
noturno, que começava às 20h e ia até as 8h do dia seguinte. O serviço era
pesado, mas a grana valia à pena. Seja como for, o homem parecia plenamente
satisfeito, pois teria grana para comprar um belo vestido para a amada.
Todavia, sempre
há um todavia para escangalhar algo que parece tão perfeito. É que a dona
Anabel, preocupada com o bem-estar do marido, foi levar uma quentinha para ele.
Mal entrou na delegacia, a mulher se anunciou.
— Boa noite, seu policial. Sou a
esposa do escrivão e vim trazer o jantar dele.
Santana, que estava no balcão,
achou aquilo estranho, mas mesmo assim foi chamar o escrivão.
— Ô,
escrivão, a sua mulher tá lá na frente.
— Mulher?
Que mulher, Santana?
— Sei lá!
Ela disse que é sua esposa.
Tal
interlúdio não passou despercebido pelo delegado, que foi até a sala do
escrivão.
— Não sabia
que você era casado, Bernardo.
— E não
sou, doutor!
Diante do
mistério, o delegado e o escrivão foram até o balcão, onde se depararam com
dona Anabel segurando a quentinha do esposo.
— Ué, cadê o meu marido?
— Minha
senhora, quem é o seu marido?
— O escrivão.
— Minha senhora, eu sou o escrivão.
— O quê?
— Minha senhora, sou o delegado Wander e posso
lhe garantir que o Bernardo é mesmo o escrivão.
Anabel, misto de choro e raiva, balançou a cabeça e
saiu envergonhada da delegacia. Entretanto, assim que entrou no carro, ela
telefonou para Marinaldo.
— Marinaldo, cadê você?
— Ué, amor, tô aqui na delegacia.
— Mentira! Acabei de sair da delegacia e
você não está lá.
— O quê? Tô aqui, sim, amor.
— Marinaldo, você tá aprontando, né?
— Que aprontando o quê, amor!
— Então, por que você não tá na delegacia?
— Peraí! Em qual delegacia você foi?
— Na sua, ué?
— Anabel, meu amor, eu te disse que hoje
estaria tirando voluntário em outra delegacia.
— Ah, Marinaldo, desculpe! Minha cabeça
anda a mil por conta do vestido.
Desfeita a confusão, Anabel foi até
a outra delegacia, onde encontrou o amado e lhe entregou a marmita. Aliás,
carne de sol com aipim frito e muita manteiga de garrafa. Que delícia!
A história, no entanto, não passou em branco entre os policiais, pois logo caiu no grupo de Whatsapp. Muitos emojis, inúmeros comentários e, talvez, o do Santana foi o que chamou mais a atenção: "Esse novinho tá lascando com os nossos esquemas!"
- Nota de esclarecimento: O conto "O drible do escriba" foi publicado por Notibras no dia 21/3/2025.
- https://www.notibras.com/site/policial-vive-verdadeira-roda-vida-com-plantao-diario-para-todo-lado/
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