Ana Paula lavava, engomava, varria, cozinhava, trabalhava em
dois hospitais como técnica de enfermagem e, somado a isso tudo, perfumava-se
para o marido. Uma brasileira como tantas outras, que mal dormem com a certeza
de que o dia seguinte será mais uma maratona. E, se já não bastasse toda essa batalha
contínua, era casada com Juliano, verdadeiro traste.
— Se eu
quisesse comer feijão de beira de estrada, nem tinha casado, Ana Paula.
—
Quer que faça outro, meu amor?
— Cadê
aquela minha camisa verde?
— Tá no
varal.
— Pois
trate de pegá-la, pois quero usá-la.
— Mas,
Juliano, meu amor, ela ainda tá úmida.
— Que dê
o seu jeito, que tenho negócios a resolver na rua logo mais.
— Vai
sair à noite de novo?
— Só me
faltava essa agora, mulher! Por acaso quer se meter nos meus negócios?
Pois é, era assim a vida da Ana Paula, que,
infelizmente, aguentou por muito tempo estar nessa canoa furada. Todavia, para
tudo na vida tem limite. E esse dia chegou quando Juliano, com a costumeira
grosseria, disse que iria viajar a trabalho. Como assim? Viajar a trabalho?
Peraí! O sujeito era padeiro na panificadora da esquina.
Não pense você que a mulher fez cara feia ou
reclamou. Nananinanão! Aguentou calada. Enquanto esfregava as mãos na xícara
repleta de café quente, Ana Paula procurou manter a cabeça fria. E foi
justamente nesse momento em que uma luzinha pareceu acender na sua mente. Ela
sorriu para Juliano, que não soube por qual motivo aquilo não lhe pareceu boa
coisa. Ficou ressabiado, mas o instinto de trair a esposa lhe falou mais
alto.
O sujeito, ao colocar as malas no automóvel,
procurou os lábios de Ana Paula, que recebeu o beijo do marido sem demonstrar
qualquer arrependimento. Talvez isso tenha feito com que Juliano se sentisse
confiante e, peito estufado, deu partida no velho carro. Ana Paula, em pé e
sorridente, acenou para o homem, que acelerou até sumir na esquina.
Decidida, a mulher escolheu as melhores roupas
e objetos que lhe eram caros e os colocou em duas mochilas. Já havia combinado
com um colega, dono de loja de segunda mão, que lhe pagou boa quantia pelos
móveis e utensílios, que foram pegos na manhã seguinte, pouco antes de Ana
Paula abandonar a capital do país e, sem qualquer culpa, ir para o litoral,
onde pretendia fixar moradia.
Juliano retornou no domingo à noite. Mal
entrou na residência, tomou um susto. Cadê o sofá? Cadê a televisão? Cadê a
geladeira? Cadê o fogão? Onde foram parar os armários, talheres, pratos e
copos? Até a cama de casal havia desaparecido.
Chamou por Ana Paula. Nada da esposa
responder. Gritou, mas nem mesmo um mísero sinal da mulher. Foi aí que, ao
observar perplexo o próprio reflexo no espelho do banheiro que notou um
bilhete. Era a letra da esposa, não restava dúvida. Arrancou o pedaço de papel
e o aproximou do rosto e, ao lê-lo, tomou ciência do que havia acontecido:
"Sempre uma crítica, nunca um Pix."
- Nota de esclarecimento: O conto "Relacionamento tóxico" foi publicado por Notibras no dia 25/8/2025.
- https://www.notibras.com/site/relacionamento-toxico/
Nenhum comentário:
Postar um comentário