— Bom dia!
— Bom dia, senhora!
— Me chame apenas de Lúcia. Como se chama?
— Pedro, mas todos me conhecem como Pedoca.
— Prefiro Pedro.
Ele encarou aquela mulher, mas, antes que
pudesse dizer algo, ela continuou.
— Sorria.
— O quê?
— Sorria!
— Sorrir do quê, senhora?
— Lúcia!
— Lúcia.
— Quero ver os seus dentes.
— Por acaso você é dentista?
— Não! Mas quero te propor um trabalho.
— Que tipo de trabalho?
— Preciso ver seus dentes pra ver se você
serve.
Sem alternativa, Pedro sorriu, enquanto Lúcia
o observou com atenção.
— Muito melhor do que eu supunha. Você começa
hoje.
— Mas o que vou fazer, dona?
— Lúcia!
— Que seja! Lúcia, o que vou fazer?
— Acompanhe aquela mulher, que precisamos dar
um trato nessa sua aparência.
— Olha aqui, Lúcia, não vou sair daqui até que
eu saiba do que se trata.
Lúcia franziu a testa, não estava acostumada a
ser desafiada, pelo menos não por gente daquele tipo. Sorriu, retirou duas
notas graúdas de dentro da bolsa e as entregou ao moribundo, que não teve
escolha a não ser aceitá-las de bom grado.
— Pode ficar tranquilo, Pedro. Você não vai
ser preso. Pelo menos, não por isso. Agora vai. Conversaremos no final da
tarde.
O antigo relógio na parede já
havia passado das dezessete horas quando Pedro, levado pelas mãos de Clarice,
adentrou o escritório de Lúcia. Esta observou por alguns instantes o agora mais
do que apresentável ex-maltrapilho.
— Como sempre lhe digo, Clarice, nada como um banho de loja pra
transformar um sapo em príncipe.
Pedro não sabia se ficava feliz ou contrariado por tal
comentário. Sapo? Bem, ele sabia que, desde que foi viver nas ruas, sofreu
certa metamorfose em virtude da precariedade de recursos. Todavia, sapo lhe
pareceu ofensivo demais até para ele, tão acostumado com impropérios vindos de
todos os lugares. Mesmo assim, preferiu se calar a criar imbróglios
desnecessários, ainda mais porque Lúcia lhe entregou uma carteira de couro com
uma boa quantidade de dinheiro.
— Vamos, que já estamos atrasados.
— Ir pra onde, Lúcia?
— Eu te explico no caminho. Aliás, quem paga a conta hoje é
você.
Pego de surpresa, Pedro colocou a mão no bolso, mas não
teve ímpeto de descobrir a quantia que acabara de receber. Não se preocupou se
seria suficiente, mesmo porque estava com moral elevado, já que passara por uma
verdadeira transformação. Até riu, pois percebeu que acordara sapo, mas que
agora, banho tomado, cabelo cortado, barba aparada e estômago saciado, mesmo
que não tivesse se transformado em um príncipe, poderia entrar em qualquer
recinto, que seria prontamente aceito como um igual. Ou
quase.
No banco de trás do automóvel de luxo, Pedro
sentiu o frescor vindo do ar-condicionado. Ajeitou a gravata, quando, então,
foi puxado de volta de possíveis devaneios.
— Pedro, estamos indo ao
casamento da sua filha.
— Filha? Não tenho filha.
— Agora tem. O nome dela é
Isabela. E o seu, pelo menos por esta noite, é Jorge Araújo. Consegue
memorizar?
— Consigo. Mas por que isso tudo? Posso saber?
— Pode, claro! Afinal, você é o pai da noiva.
Lúcia revelou que Isabela, sua
ex-funcionária, que trabalhou como acompanhante durante quase cinco, havia
tirado a sorte grande. A mulher iria se casar com um dos mais cobiçados
herdeiros de Brasília, o jovem Rafael Bustamante. O casamento, no entanto, seria
com separação total de bens, que era cláusula inegociável da contratante.
— Sei que não é da minha conta, mas quem é a contratante?
— A mãe do noivo.
—
Do jeito que essa mulher é esperta, não duvido nada que logo, logo descubra
esse esquema.
Lúcia deu uma sonora gargalhada diante da observação do
homem.
— Você não tem medo dessa mulher descobrir?
— Meu caro, ela que planejou tudo. Eu apenas estou tentando
fazer com que tudo pareça crível.
O veículo estacionou em frente a um prédio na Asa Norte e,
não tardou, surgiu Isabela. Ela tomou o lugar de Pedro, que passou para o banco
da frente.
— Lúcia, que pai bonitão você me arrumou!
— Fiz o melhor que pude, Bela.
Pedro não deixou de notar
como Isabela, a Bela, era realmente linda. Poucas vezes em seus 58 anos havia
se deparado com uma mulher de beleza tão estonteante.
— Lúcia, se eu serei o pai da Bela, quem será a mãe?
— Morreu.
— Ah, desculpe. Não sabia.
Nova gargalhada de Lúcia, agora acompanhada de uma da
noiva.
— Lúcia, você não tem jeito mesmo.
— Hum! Quer contar? Então, conte você!
— Minha mãe é viva. Aliás, vivíssima, e cheia de saúde. Mas
ela, como posso dizer isso, não se encaixa no perfil de mãe da noiva de um
homem rico. Você me entende?
Pedro percebeu que todo aquele
teatro havia sido muito bem ensaiado, apesar do seu papel, certamente pensado
detalhadamente por Lúcia, seria desempenhado por um ator principiante. Assentiu
com a cabeça, enquanto ouviu os últimos detalhes sobre a peça que, não
tardaria, iria ser encenada.
O casamento foi um acontecimento na capital do país. Várias
personalidades locais compareceram. Pedro ficou surpreso com a própria atuação.
Mas havia algo que não entendia. Por que, afinal, a agora sogra de Bela a havia
escolhido para se casar com o filho? Certamente não faltavam pretendentes com
um passado menos nebuloso.
Deitado na confortável cama de um hotel na
área central de Brasília, Pedro olhava para o teto. Parecia que estava vivendo
um sonho, pelo menos naquele dia, quando acordara como há tantos anos sob a
marquise do comércio local. Foi quando surgiu na porta do banheiro Lúcia, que,
após se amarem, resolveu lhe revelar toda a história.
Eleonora, mãe de Rafael, queria proteger a reputação do
filho, que já andava na boca do povo. E, em comum acordo com a cria, foi
decidido que um casamento seria o mais apropriado para sepultar de uma vez por
todas qualquer fofoca. Que continuasse a viver a própria vida da melhor
maneira, mas com discrição. E que o casal tivesse um herdeiro.
— Tá, entendi, Lúcia. Mas por que a Eleonora escolheu justamente
a Bela.
Lúcia soltou mais uma das suas gargalhadas e, então, revelou.
— Pedro, meu querido, a Bela é amante da Eleonora há quase dois anos. E ela a queria por perto, mesmo que na condição de nora.
- Nota de esclarecimento: O conto "Parece mentira, mas é (quase) verdade" foi publicado por Notibras no dia 15/8/2025.
- https://www.notibras.com/site/parece-mentira-mas-e-quase-verdade/
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