Depois de tomar um fora da namorada, o sujeito ficou, por alguns
míseros segundos, atônito. Não sabia se aquilo era verdade ou, então, mais uma
das rotineiras brincadeiras de Alice, com quem dividia os lençóis há quase um
ano, quando foram apresentados por amigos em comum. E aqui vale a pena
relembrar tal momento, que, aos olhos do agora abandonado, tinha tudo para
durar.
Parece que havia intenção de Fernando e Laura fazerem com que a
solitária Alice se interessasse por Aluísio, cuja fama de acanhado vinha dos
tempos de adolescente. Alguns diziam que faltava ao gajo adrenalina nas veias
para tomar atitude, enquanto outros afirmavam que nem todo mundo nascia para
guerra ou para fuga. Seja uma coisa ou outra, não importa, mas o momento do
empurrãozinho aconteceu em um churrasco ao som de Beth, Martinho, Zeca e tantos
outros bambas.
— Alô!
— Aluísio?
— Sim. Quem é?
— Acorda, Aluísio! É o Fernando! Cadê você?
— Oi, Nando. É que não apareceu o seu nome
no celular.
— É que tô ligando do fixo. Meu celular caiu
na privada. Acredita? A Laura tá tentando dar um jeito nele.
— Eita!
— Eita digo eu! Cadê você que ainda não tá
aqui?
— Ih, Nando! Desculpe, mas hoje não tô legal.
— Que conversa mole é essa? Não aceito
desculpas, e trate logo de vir pra cá, que hoje você desencalha.
Aluísio, sem ânimo, precisou lutar contra a
própria inanição para sair da cama. Fernando já havia lhe falado sobre Alice,
que lhe pareceu ser interessante, ainda mais porque soube que gostava de MPB.
Ele também curtia um samba de primeira e, talvez, seus destinos estivessem
entrelaçados pela boa música.
Assim que Alice chegou ao apartamento de Laura
e Fernando, recebeu um esfuziante abraço da anfitriã.
— Tá, me conta! Ele já chegou?
— Ainda não, mas logo, logo chega. Parece que
trabalhou até tarde da noite.
Era mentira ou, melhor, modo delicado de
deixar a amiga motivada. Então, Aluísio era um tipo que se dedicava ao
trabalho. Alice ficou animada, pois isso era sinal de dedicação e
responsabilidade.
Mal o interfone soou, lá foi o Fernando
atender. Torcia para que fosse Aluísio. Na verdade, só poderia ser ele, pois
não faltava mais nenhum convidado. Mesmo assim, temeu que fosse o porteiro
falando que a música estivesse alta. Nem estava, e era sábado e já passara das
duas da tarde.
— Caramba, Aluísio! Pensei que não viesse
mais.
— Ela tá aí?
— Tá, mas vamos com calma pra não assustar o
coelho.
Assustar o coelho? Que expressão mais
inapropriada para um possível encontro, Aluísio pensou, mas preferiu relevar a
pisada de bola do amigo.
— Cerveja ou caipirinha?
— Água.
— Água?
— É que não gosto de maquiar meus sentimentos
com álcool.
— É cada uma, Aluísio! Mas vamos lá na cozinha
pegar a sua água. Só não vá enferrujar, hein!
O relógio da parede acusava cinco para as duas
quando, finalmente, o provável par foi deixado à vontade em uma mesa na sacada.
Nervoso, mas tentando demonstrar naturalidade, Aluísio parecia arrependido de não
ter aceitado a cerveja. Melhor seria algo mais forte e, assim que viu a
oportunidade, aceitou sem pestanejar a caipirinha ofertada por Alice.
— Quer um pouco?
— Sim.
— Sabe, não sou de beber, mas há momentos que
ajuda, né?
— É verdade.
O que se iniciou de forma despretenciosa logo
se transformou em ardentes beijos no apartamento de Aluísio. Aqueles dois
pareciam, de fato, nascidos um para o outro ou, também era possível, há muito
teriam deixado de lado coisas do coração. A verdade é que Alice e Aluísio se
amaram pelos meses seguintes, como se nada mais ao redor lhes importasse.
Diante do espelho do banheiro, Aluísio não acreditava que o
mais lindo caso de amor da sua vida havia chegado ao fim. Não era possível.
Será que os instrumentos entraram em descompasso ou, era até provável, teriam
desafinado? Enquanto chorava as mágoas com seu reflexo, eis que o telefone
toca. Um número desconhecido. Pensou em nem atender, mas, curioso que era,
não resistiu.
— Alô!
— Oi, meu amor! Por que demorou tanto pra atender?
— Alice?
— E quem mais poderia ser?
— É que você...
— Ah, esquece!
— Tá bom.
— Quer me convidar pra sair?
— Sim. Que tal tomarmos sorvete? Você adora.
— Hoje não tô a fim de sorvete. Tô com vontade de beber
algo.
— Cerveja?
— Caipirinha.
Aluísio lavou o rosto para espantar o desalento que, antes da
ligação, havia se instalado por ali. Esboçou um sorriso e disse em voz quase
alta demais:
— É, meu caro, o que é seu encontra o jeito de chegar a
você.
- Nota de esclarecimento: O conto "Entroncamentos do coração" foi publicado por Notibras no dia 24/8/2025.
- https://www.notibras.com/site/entroncamentos-do-coracao/
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