domingo, 24 de agosto de 2025

Entroncamentos do coração

    

Depois de tomar um fora da namorada, o sujeito ficou, por alguns míseros segundos, atônito. Não sabia se aquilo era verdade ou, então, mais uma das rotineiras brincadeiras de Alice, com quem dividia os lençóis há quase um ano, quando foram apresentados por amigos em comum. E aqui vale a pena relembrar tal momento, que, aos olhos do agora abandonado, tinha tudo para durar. 

          Parece que havia intenção de Fernando e Laura fazerem com que a solitária Alice se interessasse por Aluísio, cuja fama de acanhado vinha dos tempos de adolescente. Alguns diziam que faltava ao gajo adrenalina nas veias para tomar atitude, enquanto outros afirmavam que nem todo mundo nascia para guerra ou para fuga. Seja uma coisa ou outra, não importa, mas o momento do empurrãozinho aconteceu em um churrasco ao som de Beth, Martinho, Zeca e tantos outros bambas. 

          — Alô! 

          — Aluísio?

           — Sim. Quem é?

          — Acorda, Aluísio! É o Fernando! Cadê você?

          — Oi, Nando. É que não apareceu o seu nome no celular.

        — É que tô ligando do fixo. Meu celular caiu na privada. Acredita? A Laura tá tentando dar um jeito nele. 

          — Eita!

          — Eita digo eu! Cadê você que ainda não tá aqui? 

          — Ih, Nando! Desculpe, mas hoje não tô legal.

          — Que conversa mole é essa? Não aceito desculpas, e trate logo de vir pra cá, que hoje você desencalha.

          Aluísio, sem ânimo, precisou lutar contra a própria inanição para sair da cama. Fernando já havia lhe falado sobre Alice, que lhe pareceu ser interessante, ainda mais porque soube que gostava de MPB. Ele também curtia um samba de primeira e, talvez, seus destinos estivessem entrelaçados pela boa música.

          Assim que Alice chegou ao apartamento de Laura e Fernando, recebeu um esfuziante abraço da anfitriã. 

          — Tá, me conta! Ele já chegou?

          — Ainda não, mas logo, logo chega. Parece que trabalhou até tarde da noite. 

          Era mentira ou, melhor, modo delicado de deixar a amiga motivada. Então, Aluísio era um tipo que se dedicava ao trabalho. Alice ficou animada, pois isso era sinal de dedicação e responsabilidade. 

          Mal o interfone soou, lá foi o Fernando atender. Torcia para que fosse Aluísio. Na verdade, só poderia ser ele, pois não faltava mais nenhum convidado. Mesmo assim, temeu que fosse o porteiro falando que a música estivesse alta. Nem estava, e era sábado e já passara das duas da tarde. 

          — Caramba, Aluísio! Pensei que não viesse mais.

          — Ela tá aí?

          — Tá, mas vamos com calma pra não assustar o coelho.

          Assustar o coelho? Que expressão mais inapropriada para um possível encontro, Aluísio pensou, mas preferiu relevar a pisada de bola do amigo. 

          — Cerveja ou caipirinha?

          — Água.

          — Água?

          — É que não gosto de maquiar meus sentimentos com álcool.

       — É cada uma, Aluísio! Mas vamos lá na cozinha pegar a sua água. Só não vá enferrujar, hein!

          O relógio da parede acusava cinco para as duas quando, finalmente, o provável par foi deixado à vontade em uma mesa na sacada. Nervoso, mas tentando demonstrar naturalidade, Aluísio parecia arrependido de não ter aceitado a cerveja. Melhor seria algo mais forte e, assim que viu a oportunidade, aceitou sem pestanejar a caipirinha ofertada por Alice.

          — Quer um pouco?

          — Sim.

          — Sabe, não sou de beber, mas há momentos que ajuda, né?

          — É verdade.

          O que se iniciou de forma despretenciosa logo se transformou em ardentes beijos no apartamento de Aluísio. Aqueles dois pareciam, de fato, nascidos um para o outro ou, também era possível, há muito teriam deixado de lado coisas do coração. A verdade é que Alice e Aluísio se amaram pelos meses seguintes, como se nada mais ao redor lhes importasse. 

           Diante do espelho do banheiro, Aluísio não acreditava que o mais lindo caso de amor da sua vida havia chegado ao fim. Não era possível. Será que os instrumentos entraram em descompasso ou, era até provável, teriam desafinado? Enquanto chorava as mágoas com seu reflexo, eis que o telefone toca. Um número desconhecido. Pensou em nem atender, mas, curioso que era, não resistiu.

           — Alô!

           — Oi, meu amor! Por que demorou tanto pra atender?

           — Alice?

           — E quem mais poderia ser? 

           — É que você...

           — Ah, esquece!

           — Tá bom.

           — Quer me convidar pra sair?

           — Sim. Que tal tomarmos sorvete? Você adora.

           — Hoje não tô a fim de sorvete. Tô com vontade de beber algo.

           — Cerveja?

           — Caipirinha.

         Aluísio lavou o rosto para espantar o desalento que, antes da ligação, havia se instalado por ali. Esboçou um sorriso e disse em voz quase alta demais:

           — É, meu caro, o que é seu encontra o jeito de chegar a você.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Entroncamentos do coração" foi publicado por Notibras no dia 24/8/2025.
  • https://www.notibras.com/site/entroncamentos-do-coracao/

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