Jorge não se lembrava da primeira vez que havia entrado no
mercadinho da esquina. Sempre lhe parecera algo tão irrelevante, mesmo
que fosse o seu apêndice de salvação quando todo o comércio ao redor
baixava as portas. Então, era ali que ele se dirigia para comprar algo de
última hora. Que fosse uma caixa de fósforo para acender o cigarro que, não
raro, o ajudaria a passar mais uma noite de tédio.
Nunca se dera ao trabalho de saber nem sequer o nome da proprietária,
que, não por acaso, dava nome ao estabelecimento: Dona Célia. Sabia apenas que
era uma mulher de meia idade, um pouco acima do peso, cabelos... Castanhos?
Talvez loira. Quanto aos olhos, jamais se preocupou em descobri-los cor-de-mel.
Enquanto aguardava na fila para pagar por um
pote de café solúvel, Jorge foi tomado por uma curiosidade incomum. Célia e uma
cliente conversavam sobre algo ocorrido ali na quadra, mas que o homem, alheio
a quase tudo, nunca ouvira falar.
— Célia, mas isso é possível?
— Não apenas possível, mas provável, Solange.
Jorge demonstrou impaciência, o que não passou
despercebido pelas mulheres.
— O senhor quer passar na frente?
— Não, senhora. Não estou com pressa.
Na verdade, o sujeito não queria perder o
desenlace daquela conversa e, por isso, fingiu buscar com os olhos algo na
prateleira do caixa. Célia e Solange, sentindo-se à vontade, voltaram à
conversa.
— Mas diga lá, Célia. O que aconteceu.
— Pois é, amiga, você acredita que era aquilo
mesmo que você suspeitava?
— Não diga!
— Pois digo e digo mais, mulher!
Jorge não resistiu e voltou o olhar para as
duas, que perceberam e, quase em uníssono, perguntaram.
— O senhor tem mesmo certeza de que não quer
passar na frente?
— Não, não. Estou bem.
As duas mulheres se entreolharam e, em
seguida, prosseguiram.
— Então, era mesmo verdade?
— Sim! Até parece que você tem bola de cristal,
Solange!
— Se eu tivesse, já teria acertado os números
da loteria há tempos.
— Ué, pensei que você não jogasse.
— É raro, mas, de vez em quando, faço um
joguinho.
Percebendo que aquela conversa não prosseguia,
Jorge arrastou os pés em sinal de protesto. Dessa vez, Solange tomou a frente.
— O senhor pode passar, se quiser.
— Não, senhora. Aguardo. Não estou com pressa.
Solange voltou o rosto para a dona do mercado
e, então, voltou a falar.
— Célia, quanto tá esse bombom?
— Três reais.
— Três? Mas não era dois e cinquenta?
— Era, mas tudo aumentou, minha amiga.
— E esse doce de leite?
— Tá dois.
— Dois?
— É.
Jorge, percebendo que não conseguiria saber o
final daquela história, tratou de pegar dois maços de cigarro. Pagou a conta e
foi embora. Ele sabia que não era somente possível, mas provável que aquela
noite seria longa, e não poderia ficar sem fumar, já que a ansiedade estava a
mil.
- Nota de esclarecimento: O conto "Não apenas possível, mas provável" foi publicado por Notibras no dia 7/8/2025.
- https://www.notibras.com/site/nao-apenas-possivel-mas-provavel/
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