quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Não apenas possível, mas provável

    

Jorge não se lembrava da primeira vez que havia entrado no mercadinho da esquina. Sempre lhe parecera algo tão irrelevante, mesmo que fosse o seu apêndice de salvação quando todo o comércio ao redor baixava as portas. Então, era ali que ele se dirigia para comprar algo de última hora. Que fosse uma caixa de fósforo para acender o cigarro que, não raro, o ajudaria a passar mais uma noite de tédio. 

          Nunca se dera ao trabalho de saber nem sequer o nome da proprietária, que, não por acaso, dava nome ao estabelecimento: Dona Célia. Sabia apenas que era uma mulher de meia idade, um pouco acima do peso, cabelos... Castanhos? Talvez loira. Quanto aos olhos, jamais se preocupou em descobri-los cor-de-mel.

          Enquanto aguardava na fila para pagar por um pote de café solúvel, Jorge foi tomado por uma curiosidade incomum. Célia e uma cliente conversavam sobre algo ocorrido ali na quadra, mas que o homem, alheio a quase tudo, nunca ouvira falar.

          — Célia, mas isso é possível?

          — Não apenas possível, mas provável, Solange.

          Jorge demonstrou impaciência, o que não passou despercebido pelas mulheres.

          — O senhor quer passar na frente? 

          — Não, senhora. Não estou com pressa.

          Na verdade, o sujeito não queria perder o desenlace daquela conversa e, por isso, fingiu buscar com os olhos algo na prateleira do caixa. Célia e Solange, sentindo-se à vontade, voltaram à conversa.

          — Mas diga lá, Célia. O que aconteceu.

          — Pois é, amiga, você acredita que era aquilo mesmo que você suspeitava?

          — Não diga!

          — Pois digo e digo mais, mulher!

          Jorge não resistiu e voltou o olhar para as duas, que perceberam e, quase em uníssono, perguntaram.

          — O senhor tem mesmo certeza de que não quer passar na frente?

          — Não, não. Estou bem. 

          As duas mulheres se entreolharam e, em seguida, prosseguiram.

          — Então, era mesmo verdade?

          — Sim! Até parece que você tem bola de cristal, Solange!

          — Se eu tivesse, já teria acertado os números da loteria há tempos.

          — Ué, pensei que você não jogasse.

          — É raro, mas, de vez em quando, faço um joguinho.

          Percebendo que aquela conversa não prosseguia, Jorge arrastou os pés em sinal de protesto. Dessa vez, Solange tomou a frente.

          — O senhor pode passar, se quiser.

          — Não, senhora. Aguardo. Não estou com pressa.

          Solange voltou o rosto para a dona do mercado e, então, voltou a falar.

          — Célia, quanto tá esse bombom?

          — Três reais.

          — Três? Mas não era dois e cinquenta?

          — Era, mas tudo aumentou, minha amiga.

          — E esse doce de leite?

          — Tá dois.

          — Dois?

          — É.

          Jorge, percebendo que não conseguiria saber o final daquela história, tratou de pegar dois maços de cigarro. Pagou a conta e foi embora. Ele sabia que não era somente possível, mas provável que aquela noite seria longa, e não poderia ficar sem fumar, já que a ansiedade estava a mil. 

  • Nota de esclarecimento: O conto "Não apenas possível, mas provável" foi publicado por Notibras no dia 7/8/2025.
  • https://www.notibras.com/site/nao-apenas-possivel-mas-provavel/

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