sexta-feira, 8 de agosto de 2025

Desavenças no salão de beleza

    

           Marilene gostava de falar que a inveja era abstrata. Não que levasse isso ao pé da letra, mesmo porque, não raro, perdia as estribeiras diante do sucesso alheio, ainda mais se fosse de um desafeto. E o pior deles era Sandro, cabeleireiro de talento inquestionável e língua inexorável.  

          A mulher também era do ofício de Sandro e, pasmem, trabalhava no mesmo salão de beleza. Por conta disso, os dois precisavam manter a linha, apesar das farpas trocadas a todo instante.

          — Amigo, adorei o corte que você fez naquela velhinha.

          — Que velhinha, Marilene? 

          — Ué, aquela que você meteu um chanel.

          — A Luciana nem chegou aos 40 ainda.

          — Não?

          — Não! 

          — Pois é, Sandro, mulher, quando não gosta do corte, envelhece, né?

          — Envelhece mesmo quando resolve pintar o cabelo de verde, né, amiga?

          — Tá falando do quê?

          — Ué, da sua cliente que acabou de sair.

          — Loira! A Flavinha é loira!

          — Jura? Ah, então, sou eu que tô precisando de óculos.

          Nunca chegaram a sair no tapa, mesmo porque sabiam que a ética não poderia ser descartada por completo. Sem contar que a clientela parecia se divertir com aquelas cenas histriônicas. Tanto é que Eulália e Gertrudes, duas das mais tradicionais frequentadoras, fingiam-se inimigas apenas para causar ainda mais intriga, mesmo que fossem vistas conversando animadamente embaixo do prédio que moravam, ali mesmo na Asa Norte. 

          Eulália, que só aceitava ser atendida por Marilene, não desgostava do trabalho do Sandro, mas era adepta do pensamento de que não se mexe em time que está ganhando. Já Gertrudes fazia questão de aparar e tingir as madeixas sempre com Sandro. E as duas faziam questão de marcar exatamente no mesmo horário para, assim, terem a oportunidade de entrar no jogo de disputas dos profissionais.

          — Ih, Gertrudes, você não acha que já tá na hora de deixar de pintar os cabelos de rosa?

          — Que rosa o quê? Sou ruiva natural! Não é mesmo, Sandro?

          — Certamente que é, dona Gertrudes. Não liga, não, que a Eulália é uma despeitada só porque eu não quero atendê-la.

          — Pois, sim, Sandro! Eu não troco a Marilene nem se você viesse pintado de ouro.

          — Obrigada, Eulália. Vamos deixar esses dois pra lá, que, de gente infeliz, o mundo tá cheio.

          E assim eram os dias daqueles dois cabeleireiros, até que, por um desses acasos, eles se encontraram em uma roda de samba na casa de um amigo comum. Trocaram olhares repletos de surpresa e desconfiança, até que se deixaram levar pela voz da Alcione. Desde então, parece que Marilene virou a cabeça do Sandro, enquanto este tirou a colega do sério. 

          Loucos um pelo outro desde então, Marilene e Sandro mantêm o romance em segredo. Afinal, eles sabem que amor, amor, negócios à parte. E a clientela, que adora aqueles imbróglios, não pode ser deixada na mão.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Desavenças no salão de beleza" foi publicado por Notibras no dia 8/8/2025.
  • https://www.notibras.com/site/desavencas-no-salao-de-beleza/

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