sábado, 9 de agosto de 2025

Eita, mundo cada vez mais perigoso!

          

            Lauro andava preocupado com a criminalidade na região do Cruzeiro. Não que fosse tão preocupante, ainda mais levando-se em conta outras localidades do Distrito Federal. Mesmo assim, o homem parecia só querer escutar as notícias ruins, tão comuns em telejornais que promovem verdadeiros espetáculos de horrores sobre o mundo da bandidagem. 

        Judite, a esposa, já havia se cansado de dizer para o marido parar de ver tantas desgraças. Entretanto, quanto mais falava, mais o sujeito aumentava o volume. Sem contar que, até nas horas mais impróprias, Lauro fazia questão de comentar sobre as últimas notícias.

          — Você viu?

          — Vi o quê, Lauro?

          — A onda de sequestros que está acontecendo.

          — Lauro, meu amor, a única onda que quero ver é a de uma praia. Mas, enquanto o verão não chega, vamos prestar atenção no que o padre Luiz está falando.

          Não era só na missa, como também na hora de cantar parabéns para Letícia, a única neta do casal. Sandra, a mãe da menina, foi até a mesa dos pais para avisá-los que era chegado o tão aguardado momento antes de partir o bolo.

            — É pra já, minha filha, que você sabe que não resisto a um bolo de chocolate. Vamos, Lauro!

            — Não sei como é que vocês podem pensar em comemorar algo quando a cidade está sendo tomada por ladrões e assassinos.

            — O quê, papai?

            — Não liga, não, Sandra, que seu pai não anda muito bem.

            — Ah, tá! Então, sou eu que não ando bem agora, né, dona Judite?

            — Papai, o que está acontecendo?

          — O que está acontecendo é que a sua mãe não percebe os inúmeros homicídios que estão acontecendo a todo momento. É isso que está acontecendo!

            Igreja, festa de aniversário... Ah, também no supermercado. Se bem que, sejamos honestos, nesse caso, quem deu o mote da discussão foi a própria Judite.

                — Que assalto!

                — Assalto? Onde? Onde?

                — Olha o preço deste iogurte! Um absurdo!

                — Quer me matar, Judite?

           Terça-feira era dia de encontro de Judite com as amigas, todas, que nem ela, aposentadas do Banco do Brasil. Era a oportunidade de relembrar histórias e conhecer outras. E, para aproveitar a ausência da esposa, Lauro assistia a documentários sobre crimes e criminosos famosos. E foi assim que se deu mais uma noite daquelas. 

                 Mal se despediram com um leve toque dos lábios, Lauro correu para a cozinha, pegou uma lata de cerveja, sentou no sofá, pegou o controle da televisão e colocou num programa de assassinos em série. Enquanto isso, Judite também seguiu para seu passeio, que parecia rejuvenescê-la cada vez mais. Afinal, nada como sair da rotina.

                Não se sabe se foi por conta da cerveja ou de alguma cena traumática, Lauro adormeceu e, de repente, deu um sobressalto. Levou as duas mãos na boca como se pressentindo algo ruim. Pegou o celular e ligou para a mulher. Chamou, chamou, chamou e nada da Judite atender. Será que ela havia sido raptada? 

                Lauro pensou, pensou, pensou e, então, telefonou para Arlete, melhor amiga da esposa. Tocou, tocou, tocou e, finalmente, o homem ouviu uma voz conhecida do outro lado da linha.

                — Arlete, que bom que atendeu!

                — O que houve, Lauro?

                — Você pode passar o telefone pra Judite?

                — Até poderia, mas...

                — Mas o quê?

                — Ela disse que estava indisposta e voltou pra casa. Ela ainda não chegou?

                — Não! A que horas foi isso?

                — Ah, já tem pelo menos uma hora.

                — Uma hora?

                — Talvez uma hora e meia. Não sei direito.

                — Uma hora e meia?

                — É. Mas calma, homem, que logo, logo ela chega aí.

             Meia hora depois e mais 43 ligações não atendidas, Lauro não teve dúvida. Precisava comunicar o fato à polícia. E foi para lá que se dirigiu.

               Chegou esbaforido à delegacia praticamente vazia. Foi atendido pelo agente Pedrito, que logo comunicou o acontecido ao chefe do plantão, o tarimbado agente Ricky Ricardo. Este, por sua vez, perguntou ao marido desesperado se, por acaso, ele teria a localização do celular da esposa.

                — Sim! Tenho, sim, seu policial! Foi até a Judite que colocou esse negócio aqui no meu celular para sabermos sempre onde o outro está. 

                — Posso dar uma olhada?

                — Sim, claro, claro. Aqui está.

               Ricky Ricardo pegou o aparelho celular do Lauro e, então, logo visualizou onde estaria a possível vítima de sequestro ou, talvez, algo pior. Falou para Pedrito acordar o agente Santana, que roncava no alojamento. Iriam os três e mais o comunicante até o suposto cativeiro. Na delegacia ficaram apenas o delegado Rupereta e o escrivão Gilmarildo, que jogavam mais uma partida de xadrez.

                   Pedrito, assim que estacionou a viatura em frente a uma casa de muro alto, disse:

                      — Ricky, é aqui. O que faremos?

                    — Hum! Como o local é deserto, você e eu vamos entrar, enquanto o Santana fica aqui fora com o senhor Lauro. 

                      Dito e feito, lá foram os destemidos policiais pular o muro, já que temiam que algo pior pudesse ter acontecido à vítima. Isto é, caso ela ainda estivesse viva.

                     Agindo como gatos, Ricky e Pedrito conseguiram esgueirar-se até uma das janelas, de onde estava vindo um som estranho. Estaria Judite tentando escapar ou, pior, estaria sendo vítima de tortura. Os dois sabiam que havia todo tipo de bandido na região e, armas em punho, abriram de sopetão a janela e apontaram as pistolas. 

                    Um grito! Dois pares de olhos arregalados sobre a cama, dois pares de olhos surpresos do lado de fora. Ricky foi o primeiro a falar.

                    — Senhora Judite? Você é a senhora Judite?

                    — Sim.

                    — Desculpe incomodá-la em momento tão... íntimo. Mas é que o marido da senhora está lá fora.

                    — O Lauro?

                    — Sim. Ele pensou que a senhora havia sido sequestrada. 

                  Ricky conversou por alguns minutos com Judite e o dono da residência e, então, pareceu encontrar a solução do caso. Ele e Pedrito retornariam com Lauro para a delegacia a fim de dar tempo da mulher se vestir e voltar para casa. De lá, ela telefonaria para o marido e perguntaria por ele. E foi assim que aconteceu. 

                     Quase uma hora após, Lauro retornou para o lar, doce lar, onde Judite, toda dengosa, o aguardava. E, antes que o casal fosse para o quarto, tiveram um pequeno interlúdio.

                    — Ah, amor, que susto que você me deu!

                    — E você nem imagina o susto que você também me deu, Lauro.

                    — Ah, tudo culpa desse localizador de celular. 

                    — Pois é, meu anjo. Me dá aqui o seu celular, que vou desinstalar essa porcaria.

                    Em seguida, Judite apagou a luz e adormeceu com a consciência mais tranquila do mundo. 

  • Nota de esclarecimento: O conto "Eita, mundo cada vez mais perigoso!" foi publicado por Notibras no dia 9/8/2025.
  • https://www.notibras.com/site/eita-mundo-cada-vez-mais-perigoso/

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