segunda-feira, 5 de maio de 2025

O imbróglio do Opala cor-de-abacate

    

        A oficina Magnu, cujo lema é 'entra vestido e sai nu', é afamada na região de Sobradinho, Distrito Federal, por começar, mas não terminar o serviço. Leopoldo, o proprietário, prefere não cobrar seu funcionário, Zé Raimundo, vulgo Boquinha, pois sabe que o sujeito, apesar de competente, tem lá seus dias de esbórnia. No mais, apesar das constantes reclamações da clientela, parece que o clima é amigável, já que os palavrões costumam sair sem a menor cerimônia. 

          Expedito, mais pra lá do que pra cá nos seus 93 anos, teria deixado seu possante, um Opala 74, cor-de-abacate, aos cuidados do Boquinha. O problema alegado pelo velho era no câmbio, que estava arranhando ao passar as marchas. Coisa simples de se resolver, segundo o mecânico, mas que já se estendia para mais de mês. 

          Insatisfeito, lá foi o Expedito fazer uma pequena reclamação. Conhecedor que era do azedume do Boquinha, o cliente conversou com o Leopoldo, que tentou apaziguar a situação. Na verdade, o dono da Magnu sabia que não adiantaria dar bronca no seu funcionário, que, sensível ao extremo, era capaz de fazer birra e atrasar ainda mais o serviço. 

      `   — Pode deixar, seu Expedito, que vou falar com o Boquinha.

          — Mas vai mesmo?

          — Pode ficar sossegado, que quem manda aqui sou eu. 

          — Só quero ver, hein, Leopoldo!

          Obviamente que o patrão não teve coragem nem ânimo de repassar a queixa do cliente para o Boquinha. Foi aí que, dois dias depois do ocorrido, eis que o Expedito chegou esbaforido na oficina. 

          — O senhor quer uma água?

          — Que água o quê, Leopoldo! Quero o meu carro!

          — Olha o coração, seu Expedito. O senhor não pode ficar nervoso. A pressão pode subir.

          — Leopoldo, já tô por aqui!

          Nisso, o Boquinha, que estava mexendo numa camionete antiga de outro cliente, o Gilmarildo, percebeu o imbróglio e foi se inteirar do assunto.

          — Leopoldo, o que tá acontecendo aqui?

          — Nada, Boquinha.

          — Que nada o quê, Leopoldo! O seu Expedito tá parecendo uma gralha, que não me deixa trabalhar.

          — Eu que não deixo você trabalhar?

          — E por acaso tem mais alguém tagarelando aqui além do senhor?

          — Hum! Boquinha, sabe há quanto tempo o meu carro está aqui pra você consertar?

          — E agora virei calendário?

          — Mais de um mês!

          — E desde quando um mês é muito tempo para quem já tá fazendo hora extra aqui no planeta Terra? Por favor, seu Expedito, deixa de agonia e me deixa trabalhar.

          Sem ter a quem recorrer, o idoso aceitou a água oferecida pelo Leopoldo. Afinal, pra que reclamar se reclamar não adianta nada? Quanto ao Opala, parece que continua na Magnu, mas com promessa de ser liberado até o final do mês. 

  • Nota de esclarecimento: O conto "O imbróglio do Opala cor-de-abacate" foi publicado por Notibras no dia5/5/2025.
  • https://www.notibras.com/site/o-imbroglio-do-opala-cor-de-abacate-que-foi-a-oficina-e-ficou-por-la-mesmo/

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