Dona Irene, a minha mulher, cresceu no estado ao lado, no caso,
o Maranhão, no município de Caxias. Por conta dessa peculiaridade, ela parece
carregar um conflito de identidade. É que, não raro, ela enche o peito e fala
que é do Piauí, porém, já no minuto seguinte, jura que é maranhense.
Acho graça, mas não digo nada, só observo. Já estou calejado
para colocar lenha na fogueira, pois já sei onde isso vai parar. Certa vez, no
tempo de namoro, a paixão futebolística dela começou a me encher a paciência.
Não sou o mais apaixonado por futebol, que considero um esporte, muitas vezes,
chato e, não raro, com o juiz apitando deliberadamente para um dos lados,
inclusive tendo como cúmplices bandeirinhas e comentaristas.
Ademais, nunca fui entusiasta de nenhum
esporte, apesar de, esporadicamente, assistir a uma ou outra modalidade. A Dona
Irene, a torcedora mais fanática do Palmeiras, às vezes, cancelava uma ida ao
cinema ou, então, a um churrasco com amigos, simplesmente porque, naquele
horário, irá passar um jogo do seu time do coração.
— Amorzinho, mas você nem é paulista.
— E daí?
— Ué, eu nasci em Botafogo, morei em Botafogo e, naturalmente,
sou Botafogo.
— Hum! Edu, você nem gosta de futebol. E tem mais!
— O quê?
— Você prefere Copacabana!
É verdade a conclusão da minha esposa, pois sempre fui
apaixonado pelo bairro ao lado. Mas voltemos a essa incongruência
piauiense/maranhense, já que o mote desta crônica é a Dona Irene, cujo sorriso
me encantou desde o primeiro instante.
Gosto de cozinhar e, de vez em quando, me
sinto a saudosa Ofélia, famosa pelo pioneirismo como apresentadora/cozinheira
na televisão brasileira. Havia preparado uma lasanha à bolonhesa. Abri um vinho
para a paixão da minha vida, enquanto fiquei no suco de uva. Não sei se você
sabe, mas não bebo, nunca gostei do gosto de álcool. Seja como for, tudo
perfeito. Quer dizer, eu achava que sim.
Para minha surpresa, quando já estávamos à
mesa, pratos já preenchidos com generosas porções de lasanha, taças com as
devidas bebidas, a Dona Irene começou a torcer os lábios, como se alguma coisa
estivesse faltando.
— Ué, não vai comer?
— Edu, tô esperando o arroz.
— O quê?
— O arroz!
— Mas vamos comer lasanha.
— E daí?
— Daí que não se come lasanha com arroz.
Aliás, não se come lasanha com nada.
— Edu, aprenda uma coisa.
— O quê?
— Maranhense jamais come sem arroz.
- Nota de esclarecimento: A crônica "Afinal, piauiense ou maranhense" foi publicada por Notibras no dia 9/5/2025.
- https://www.notibras.com/site/como-desvendar-o-conflito-de-identidade-sobre-ser-piauiense-ou-maranhense/
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