Não percebemos as mancadas quando
estamos apaixonados, não notamos a avalanche de pistas que deixamos pelo
caminho. Todo mundo sabe, muitos comentam, e cá ficamos como se nosso segredo
fosse algo realmente secreto, digno de algum arquivo confidencial do governo
sobre alienígenas. Como podemos ser tão ingênuos!?
José Carlos, o Zeca, para
quem conhece o sujeito, certamente atesta que se trata de um espécime com certo
charme. Pouco mais de um metro e oitenta, corpo atlético, mas sem exageros,
bigode aparado com esmero, sorriso honesto, olhos preguiçosos e uma calva sem o
menor resquício de lamúrias. Eis o perfil do então gerente do Banco do Brasil,
com seus 50 anos nos idos de 1996, quando não pensei duas vezes antes de cair
nos seus braços.
Não fui a primeira
nem a última a me encantar pelo tipão. Casado que era, Zeca precisava controlar
muito bem seus horários. Qualquer deslize, a esposa poderia flagrá-lo de mãos
dadas com alguma moça apaixonada. E o sujeito morria de medo que isso
acontecesse. Como sei? Ele mesmo me confidenciou enquanto nos recuperávamos de
estripulias debaixo dos lençóis de um hotel no centro, bem perto da agência
onde trabalhávamos.
— Zeca, tu não tem
medo de ser descoberto por sua mulher?
— Júlia, minha
flor, se a Eliane me pega, tô lascado.
— Lascado que
nada! Se bobear, ela vai ficar ainda mais apaixonada quando descobrir que o
marido é o garanhão do banco.
—
Lascado, sim, senhora!
— Quer
apostar?
—
Apostar o quê, garota?
— Tô até
com vontade de contar pra descobrir.
— Tá
maluca? Num fala isso nem de brincadeira! A Eliane me mata!
— Mata,
nada!
Óbvio que nunca
toquei no assunto com a esposa do meu amado. Não que não tivesse tido
oportunidade, mas fujo de imbróglios como gata escaldada que sempre fui. Já
pensou, eu, Júlia Carneiro, na boca do povo?
Inocente que era,
não percebia a quantidade enorme de bandeiras que dava na época. Até uma pulseira
com as iniciais do Zeca não saía do meu pulso. JC, alguém poderia supor, que fosse
por conta de Jesus Cristo. No entanto, não estava preocupada com desconhecidos,
que, na verdade, nada tinham a ver com a minha vida. O problema mesmo eram os
colegas de trabalho.
— Júlia, não é
melhor colocar um outdoor lá fora?
— Outdoor?
— JC, minha amiga?
— E daí, Sandra?
— Só falta você
querer me dizer agora que não é mais judia.
Sabe quando você
era criança e sua mãe perguntava quem havia comido o bolo de chocolate antes da
hora? Ela olhava para seus irmãos, coçava o queixo e torcia os lábios quando,
finalmente, percebia a sua boca borrada de chocolate? E você, na certeza de que
nada a revelaria, ainda fazia a cara mais inocente do mundo.
Aquela pulseira,
presente do Zeca no nosso segundo encontro furtivo no mesmo hotel vagabundo,
foi o bolo de chocolate que comi escondido. Mesmo assim, não imaginava que
todos os outros colegas já soubessem do nosso caso, que, na verdade, durou
pouco mais de seis meses. De uma hora para outra, aquele bolo solou.
O Zeca foi
promovido a diretor do Banco do Brasil e nunca mais o vi. Não por causa de
rancor, algo que nunca houve entre nós. Foram meras contingências da vida, até
que, na semana passada, o reencontrei no supermercado.
Quase 30 anos, e o
homem continua apresentável ou, então, talvez seja a opacidade dos meus olhos
envelhecidos que não me deixa ver com clareza a realidade. Ele me contou que a
esposa está bem, os filhos todos criados, três netos. Disse que gosta da vida
de aposentado, apesar de sentir falta dos colegas.
Antes de nos
despedirmos, trocamos telefones, como fazemos quando encontramos velhos amigos.
Promessas de marcarmos algo, que geralmente ficam soterradas debaixo de tantas
outras prioridades ou, então, do puro esquecimento. Quem sabe, qualquer dia
desses, eu acorde com ânimo e coragem para chamá-lo para tomarmos um café?
Soube que aquele hotel perto da agência do Banco do Brasil ainda está de
pé.
- Nota de esclarecimento: O conto "Caso extraconjugal" foi publicado por Notibras no dia 15/5/2025.
- https://www.notibras.com/site/caso-extraconjugal-no-bb-pode-voltar-apos-30-anos/
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