Assim que entrei no ônibus, busquei um canto naquela multidão que
se espremia, como se todos fôssemos sardinhas enlatadas. Há anos não andava de
transporte público, o que me reportou aos meus tempos de parcos recursos. Seja
como for, encarei aquilo como uma aventura.
Notei uma garota, talvez com seus no máximo 20 anos, em pé
quase de costas para mim. Ela se destacava por seus cabelos pintados de amarelo
com pontas azuis. Olhava na direção das janelas, como se buscasse conforto fora
dali. De vez em quando, ela virava o rosto, o que me causou dúvida em relação à
cor dos seus olhos. Seriam azuis, verdes ou castanhos claros? Com receio de ser
descoberto, fingi olhar para a paisagem através dos vidros, mas tentando
vislumbrar aquele rosto refletido.
Não consegui decifrar o mistério. Não importa, a moça trajava
uma bela jaqueta jeans de cor incomum. Rosa. Ou seria lilás? Nunca fui bom em
definir tonalidades distintas. Minha mulher, por exemplo, cisma que um certo
azul, que ela chama de verde-água, é verde. Como assim?
Como a viagem foi longa, e a jovem misteriosa
desceu logo adiante, meu pensamento se voltou para o silêncio dentro do coletivo.
Nem mesmo um sussurro. Sorrisos, então, nem pensar. Talvez faltassem forças
para aquelas pessoas ou, então, todos haviam deixado em algum ponto da
existência a vontade de viver.
Minha mãe me falava para sorrir sempre,
principalmente quando a vida nos empurra para o choro. O que diriam aqueles
passageiros sobre o pensamento de mamãe? Será que sorririam, mesmo que de
desdém? Ao menos, seria um riso e, creio eu, confirmaria o que ela me dizia:
"Carlinhos, o sorriso liberta!"
Será que fui notado naquele ônibus? Será que
alguém se deu ao trabalho de observar um velho beirando os 70 anos,
ligeiramente acima do peso, calvo e de óculos de grau? Será que tal curioso
tentou desvendar o que estaria por detrás dos meus resilientes cabelos brancos?
Ou seria uma curiosa? Mulheres quase sempre são mais perspicazes e conseguem
adivinhar o recheio do bolo ou de qualquer salgado só de olhar.
Quando já me sentia adaptado àquele aperto,
eis que o meu ponto chegou. Desci os degraus e pisei na calçada, como se
estivesse aterrissando de volta ao meu mundo. Caminhei por alguns minutos e,
antes de entrar na portaria do meu prédio, olhei para trás e sorri, como se desejando
voltar àquele ônibus. Quem sabe eu encontre novamente a moça de cabelos
tingidos e, finalmente, descubra a cor dos seus olhos?
- Nota de esclarecimento: O conto "Devaneios de um velho" foi publicado por Notibras no dia 12/5/2025.
- https://www.notibras.com/site/devaneios-de-um-velho-e-a-obsessao-por-cabelos-e-olhos-de-uma-menina-moca/
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