domingo, 11 de maio de 2025

Nosso vizinho misterioso

 

        Nunca soube detalhes sobre Ernesto, sujeito mais alto do que a média, forte sem ser parrudo, olhar de quem parece ter a capacidade de desvendar todos os nossos segredos. Morava na rua onde cresci e, toda vez que estacionava seu velho automóvel vermelho em frente à sua casa, ficava em pé, como se observando se alguém o havia seguido. Isso, aliás, foi mote para inúmeras suposições sobre a sua profissão. 

          Seria policial? Espião? Detetive particular? De todas as supostas ocupações do nosso vizinho, a que mais me agradava era a de fora da lei. Mas não um simples bandido. Nada me tirava da cabeça que Ernesto era, na verdade, um gângster. 

          Enquanto brincávamos na rua, seja de pique-pega, pique-esconde ou correndo atrás de uma bola, evitávamos chegar próximo à casa do Ernesto. Não que ele tenha sido alguma vez rude conosco, mas sempre mantinha um sorriso de Mona Lisa, o que nos causava medo. Rabugento mesmo era o português da última residência da rua, marido da dona Odália.

          Jorge Paulo, apesar de calado quase sempre, quando estourava, não havia quem segurasse aquele mau humor. E não adiantavam as lamúrias da esposa, que chegava às últimas consequências para não deixar o esposo tomar uma atitude mais drástica.

          — Calma, Jorge Paulo, que não vale a pena brigar por besteira.

          — Besteira? Odália, esses pirralhos não param de tocar a nossa campainha e fugir.

          — São crianças, meu bem. Só crianças.

          — São demônios! 

          — Jorge Paulo, por favor! Ou você entra ou vou pra casa da mamãe!

          Sem melhor alternativa diante do ultimato, o brabão tratava de abaixar o facho e retornar mansinho para o lar, doce lar.

          Ao contrário do português, Ernesto não possuía esposa. Se era viúvo, desquitado ou solteirão convicto, nunca soubemos. Namorada? Bem, talvez tenha tido uma ou outra, mas tal dúvida é plausível, pois, apesar de algumas visitas femininas recebidas, jamais foi visto de mãos dadas ou aos beijos com nem sequer uma delas. Pode ser que ele fosse um tímido contumaz. Sei lá!

          Fofocas à parte, o que aconteceu em um final de tarde de 1978 chamou a atenção de todos que estávamos na rua. Uma jovem, não mais de 20 anos, surgiu de bicicleta e parou ao lado do veículo vermelho do Ernesto. Os dois se olharam e, sem dizer palavras, entraram no carro e partiram.

Nunca mais tivemos notícias do nosso vizinho. Quanto à bicicleta, ficou lá jogada no chão. Não sei que fim levou, mesmo porque, no dia seguinte, ela não estava mais lá. Quem sabe alguém a tenha furtado? 

  • Nota de esclarecimento: O conto "Nosso vizinho misterioso" foi publicado por Notibras no dia 11/5/2025.
  • https://www.notibras.com/site/ernesto-surge-do-nada-e-desaparece-apos-as-pedaladas-de-bela-morena/

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