Ainda menino, Boquinha foi levado pelas mãos dos pais para
trabalhar nos latifúndios em Mato Grosso. A tarefa diária do moleque era matar
a sede dos trabalhadores rurais. Ele carregava água em dois grandes baldes. Por
causa disso, logo ganhou dois apelidos: Caneco e Bombeiro de Itu.
Quando o garoto já estava para entrar na
adolescência, a mãe do Boquinha intimou o marido. O sujeito, que não era besta
de contrariar a esposa, tratou logo de levantar as orelhas para escutá-la antes
que aquilo pudesse descambar para imbróglio de família.
— Vamos pra Brasília.
O jeito foi juntar o pouco que tinham e, dois
ou três dias após, rumarem para a capital em busca de vida melhor. Brasília,
então terra das oportunidades, parecia carregada de promessas. Bem, não foi um
paraíso, mas certamente muito melhor do que o trio enfrentava no
interior.
Assim que chegaram, o homem conseguiu emprego de ajudante de
pedreiro, enquanto a mulher se virava fazendo faxina nas residências do Plano
Piloto. Quanto ao Boquinha, foi contratado pelo Leopoldo, dono da oficina
Magnu, localizada em Sobradinho. E, não tardou, o empresário do ramo automobilístico
notou que o rapazola levava jeito para mecânico, apesar de, até aquele
instante, nunca ter apertado sequer um parafuso.
Já homem-feito, Boquinha era o mais afamado
dos mecânicos da região. Leopoldo, para não perder seu funcionário, teve que
aceitar certas exigências.
— Depois do rango, preciso de pelo menos uma
hora de cochilo.
— Sem problema, Boquinha.
— Hum... E não posso mais trabalhar aos
sábados.
— Aos sábados?
— É.
— Por acaso virou adventista do sétimo dia?
— Tá me estranhando, Leopoldo? Sou paraibano!
O motivo de não querer trabalhar aos sábados
não era religioso, mas outro. É que o Boquinha havia conhecido um grupo de
velhos apaixonados por futebol. E as peladas aconteciam justamente aos sábados.
E, além das disputadas partidas, o melhor de tudo eram as resenhas regadas a
cerveja, churrasco e bobagens.
O Boquinha, que já beirava os 40 anos, era, de
longe, o mais jovem da trupe. Para se ter ideia, o segundo mais moço já havia
suplantado a barreira dos 70. Dessa forma, o mecânico era disputado a tapas,
subornos e dentaduras pelos idosos, que faziam de tudo para que ele compusesse
o ataque do time. O problema é que o craque da patota era tão fominha, que, no
final das contas, provocava discórdias, que se prolongavam até a resenha.
— Boquinha, tu já viu aquele filme que ganhou
o Oscar?
— E eu lá tenho tempo pra ver filme, seu
Anacleto?
— Pois deveria! Quem sabe, assim, você notasse que ainda estamos aqui e passasse a bola?
- Nota de esclarecimento: O conto "A saga de Zé Raimundo, o Boquinha" foi publicado por Notibras no dia 10/5/2025.
- https://www.notibras.com/site/boquinha-fominha-na-bola-marcava-seus-gols-e-provocava-cizania-geral/
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