sábado, 10 de maio de 2025

A saga de Zé Raimundo, o Boquinha

       

          Zé Raimundo, vulgo Boquinha, hoje desfruta de condição financeira privilegiada. Não que tenha ficado rico, mas progrediu, ainda mais se levarmos em conta suas origens humildes lá em Baraúna, a pouco mais de 60 léguas de Picuí, na Paraíba. 

          Ainda menino, Boquinha foi levado pelas mãos dos pais para trabalhar nos latifúndios em Mato Grosso. A tarefa diária do moleque era matar a sede dos trabalhadores rurais. Ele carregava água em dois grandes baldes. Por causa disso, logo ganhou dois apelidos: Caneco e Bombeiro de Itu. 

          Quando o garoto já estava para entrar na adolescência, a mãe do Boquinha intimou o marido. O sujeito, que não era besta de contrariar a esposa, tratou logo de levantar as orelhas para escutá-la antes que aquilo pudesse descambar para imbróglio de família.

          — Vamos pra Brasília.

          O jeito foi juntar o pouco que tinham e, dois ou três dias após, rumarem para a capital em busca de vida melhor. Brasília, então terra das oportunidades, parecia carregada de promessas. Bem, não foi um paraíso, mas certamente muito melhor do que o trio enfrentava no interior. 

          Assim que chegaram, o homem conseguiu emprego de ajudante de pedreiro, enquanto a mulher se virava fazendo faxina nas residências do Plano Piloto. Quanto ao Boquinha, foi contratado pelo Leopoldo, dono da oficina Magnu, localizada em Sobradinho. E, não tardou, o empresário do ramo automobilístico notou que o rapazola levava jeito para mecânico, apesar de, até aquele instante, nunca ter apertado sequer um parafuso. 

          Já homem-feito, Boquinha era o mais afamado dos mecânicos da região. Leopoldo, para não perder seu funcionário, teve que aceitar certas exigências.

          — Depois do rango, preciso de pelo menos uma hora de cochilo.

          — Sem problema, Boquinha.

          — Hum... E não posso mais trabalhar aos sábados.

          — Aos sábados?

          — É.

          — Por acaso virou adventista do sétimo dia?

          — Tá me estranhando, Leopoldo? Sou paraibano!

          O motivo de não querer trabalhar aos sábados não era religioso, mas outro. É que o Boquinha havia conhecido um grupo de velhos apaixonados por futebol. E as peladas aconteciam justamente aos sábados. E, além das disputadas partidas, o melhor de tudo eram as resenhas regadas a cerveja, churrasco e bobagens. 

          O Boquinha, que já beirava os 40 anos, era, de longe, o mais jovem da trupe. Para se ter ideia, o segundo mais moço já havia suplantado a barreira dos 70. Dessa forma, o mecânico era disputado a tapas, subornos e dentaduras pelos idosos, que faziam de tudo para que ele compusesse o ataque do time. O problema é que o craque da patota era tão fominha, que, no final das contas, provocava discórdias, que se prolongavam até a resenha.

          — Boquinha, tu já viu aquele filme que ganhou o Oscar?

          — E eu lá tenho tempo pra ver filme, seu Anacleto?

          — Pois deveria! Quem sabe, assim, você notasse que ainda estamos aqui e passasse a bola?

  • Nota de esclarecimento: O conto "A saga de Zé Raimundo, o Boquinha" foi publicado por Notibras no dia 10/5/2025.
  • https://www.notibras.com/site/boquinha-fominha-na-bola-marcava-seus-gols-e-provocava-cizania-geral/

Nenhum comentário:

Postar um comentário