Minas Gerais é tão grande e repleta de histórias que, certa vez, dizem que, lá pelos lados de Unaí, um pastor foi preso por causa de algazarra na igreja em pleno domingo bem cedo. Os vizinhos reclamaram, e lá foi a viatura da polícia. Alguns fiéis exaltados foram detidos, enquanto o pastor acabou algemado a um notório bandido da região, que estava passando por ali. Seu nome? Bem, não me recordo de tais detalhes, mas o gajo era conhecido como Bonecão do Capeta.
Já na delegacia, o pastor e Bonecão
ficaram na mesma cela. Houve quem dissesse que ninguém queria colocar a
mão no Bonecão, que tinha lá seus acordos com o Tinhoso. Os canas tiraram
zerinho ou um para ver quem faria a condução. Teve até um que pediu para sair
mais cedo para ir se benzer.
Cidade
pequena, a história correu. Assim que chegou aos ouvidos do promotor, homem
muito religioso que era, ele ligou imediatamente para o delegado.
— Nem
me apareça com o Belzebu por aqui.
— O
que faço com ele?
—
Melhor dar um sumiço nesse Coisa Ruim aí mesmo na delegacia.
O
delegado, que não tinha coragem para peitar o promotor, foi obrigado a abraçar
a causa. No entanto, medroso que era, também não queria se meter com o Bonecão.
Dar sumiço no sujeito era alternativa plausível, mas lhe faltava valentia para
tal.
Diante
de tamanho imbróglio, eis que a autoridade máxima da delegacia teve a certeza
de ter encontrado a solução perfeita. Não tardou, foi ter um dedo de prosa com
o pastor, que foi conduzido até uma sala reservada.
—
Tenho uma proposta.
— Que
proposta?
— Você
precisa dar um jeito no Bonecão?
— Eu?
— Sim.
— Você
já viu o tamanho daquele cara?
— E
daí?
— Daí
que ninguém pode com ele.
— Ué,
pensei que você fosse um homem de Deus.
— Hum!
—
Então?
—
Então, o quê?
—
Posso contar com a ajuda divina?
—
Pois, então, peça você diretamente a Deus.
— Eu?
—
Sim!
— Ah,
pastor, parece que o senhor anda com problema de conexão com Deus.
O
delegado percebeu que aquela discussão não iria dar frutos e, por isso, mandou
o pastor de volta para cela. O religioso até tentou argumentar, mas não teve
jeito.
Sem
alternativas possíveis, eis que o delegado mandou trazer o Bonecão para sua
sala. Mal entrou, o ambiente foi tomado por forte odor de enxofre. Olhos arregalados,
o delegado pegou o lenço do bolso do paletó e o colocou sobre as ventas.
—
Algum problema, delegado?
—
Nã... Não, seu Bonecão. Peguei um resfriado.
— Hum!
— O senhor
aceita uma água, um cafezinho, uns biscoitinhos?
— Biscoitinhos?
— Sim! Olha que são amanteigados!
Enquanto
mordiscava os biscoitos, o criminoso encarava o delegado, que suava em
bicas.
— Tá
suando por quê, delegado?
— Tá
calor, né?
—
Calor? Estamos no inverno, delegado!
— É
que sou calorento.
— Hum!
— E
esse ar condicionado que não funciona direito.
— Hum!
—
Sabe, seu Bonecão, andei pensando em uma coisa.
—
Pois, diga, delegado!
— O
senhor já pensou em se mudar?
—
Mudar?
— É.
— E
pra onde, delegado?
—
Brasília.
—
Brasília?
— É.
Ouvi dizer que, por lá, um tipo como o senhor se daria bem na vida.
— Um
tipo que nem eu?
—
Sim!
— Hum!
Pode ser. Mas como eu iria pra lá, se você me prendeu?
Foi aí
que, de repente, um relampejo de lucidez passou diante dos olhos do delegado.
Ele se levantou e, alegando que o calor estava insuportável, abriu a janela. Em
seguida, disse que precisava ir ao banheiro, mas que o Bonecão ficasse à
vontade.
Quase
meia hora após, já com os intestinos vazios, eis que o delegado retornou para
sua sala. Nem sinal do Bonecão do Capeta. E, até hoje, não se sabe se ele
seguiu os conselhos do delegado e, então, rumou para a capital do país. O certo
é que o tal criminoso nunca mais foi visto na região.
- Nota de esclarecimento: O conto "O delegado, o pastor e o Bonecão do Capeta" foi publicado por Notibras no dia 18/5/2025.
- https://www.notibras.com/site/final-feliz-com-prisao-de-pastor-e-do-perigoso-bandido-bonecao-do-capeta/
Nenhum comentário:
Postar um comentário