Adoro viajar de
ônibus, enquanto minha mente vagueia através das paisagens que surgem ao longo
das estradas. Já vi árvore que parecia gente, os galhos eram cabelos, o tronco
retorcido como se fosse pernas cruzadas. Coisas de criança que ainda pairam por
aqui nesta quarentona.
Às vezes, por causa do enorme fluxo de
veículos, o trânsito quase para. Como não dá para lutar contra aquilo que não
temos domínio, busco me distrair com os comentários dos outros passageiros.
Alguns furiosos, como se fossem resolver o problema aos gritos. Outros
chateados e há até alguns que não estão nem aí. Será que não ligam porque estão
indo ou voltando para um lugar que odeiam?
Entre tantas observações, costumo abrir a cortina da janela e
procuro algo mais interessante lá fora. Quando estou com sorte, avisto alguns
animais. Vaca é o que mais tem, mas cavalo não é algo raro. Já vi tatu,
tamanduá, cobra e até lobo-guará, que estava tristemente se decompondo no
acostamento, provavelmente atropelado ao tentar atravessar de um lado para o
outro.
Durante a viagem, várias cidades, algumas
que mais parecem vilarejos. Tento adivinhar quem mora lá, como se não
acreditando que a felicidade possa estar longe dos grandes centros urbanos. Que
bobagem a minha! Logo eu, que vivo no interior que fica a mais de 500
quilômetros da capital. Todavia, isso não é motivo para não continuar tentando
desvendar como é o dia a dia daquela gente.
Afinal, quem é que mora naquele casebre lá
embaixo? Janelas e portas cerradas, ou está dormindo ou saiu. Se bem que pode
ser um ermitão. Será? Talvez trabalhe naquele comércio adiante ou, então, seja
um dos poucos fregueses, tão ínfimo que é o número de pessoas nas ruas.
De vez em quando, quando a noite se faz presente, é possível ouvir risos e gemidos próximos. Geralmente de jovens se divertindo. Volto os olhos para a janela e observo o céu. Quando tem estrela, tento contá-las, mas logo desisto. Se está nublado, fecho os olhos e procuro me lembrar de algo, geralmente bobagens ditas por Jorge, meu marido. Rio em silêncio, ao contrário de algum casal no fundo do ônibus. Nem me dou conta de quando adormeço.
- Nota de esclarecimento: O conto "Viagem de ônibus" foi publicado por Notibras no dia 21/4/2025.
- https://www.notibras.com/site/da-poltrona-ve-se-e-ouve-se-de-tudo-inclusive-gemidos-de-jovens-casais-la-atras/
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