terça-feira, 22 de abril de 2025

TOC e acumulação compulsiva

    

Transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e acumulação compulsiva não são a mesma coisa. Entretanto, ambos podem causar situações esdrúxulas para quem convive com alguém acometido dessas doenças. 

        Marineide, aos 70 anos, completados recentemente, vive essa dupla experiência de lidar com pessoas singulares: Osmar, 45 anos, e Romilda, de 48. O primeiro é seu filho mais velho, que mora em um quarto e sala no Guará. A outra é sua amiga, moradora de Sobradinho, que conheceu em um churrasco de amigos. 

          A velha, que é mais de observar do que falar, tenta compreender como é que a mente desses dois indivíduos, que lhe são tão caros, funciona. Seja como for, Marineide gosta de falar que, até hoje, não conseguiu entender direito essa peça arredondada que todos temos acima do pescoço. Todavia, não lhe falta vontade para tentar decifrar seus enigmas, mesmo que saiba que jamais conseguirá alcançar tal intuito. 

          Marineide, aposentada há tempos, sabe que os transtornos do Osmar e da Romilda não são iguais. No entanto, para simplificar as coisas, gosta de dizer que a diferença é apenas por conta da localização. Isso mesmo! Enquanto o do Osmar fica no polo Norte, o da Romilda está no lado oposto.

          O apartamento do Osmar possui meros 40 metros quadrados, o que nem é tão pequeno assim para um solteirão convicto. Ah, mas nada comparado ao quase palacete de sua mãe, que ainda reside em Luziânia, município próximo ao Distrito Federal. Para se ter ideia, apenas a cozinha é maior do que o, vá lá, cubículo do filho.

          O sujeito tem TOC de limpeza. Como trabalha em regime de home office, faz seu horário no trabalho. Só sai para fazer compras no mercadinho ao lado.

          Ele limpa o apartamento três vezes por dia. Mas não pense você que é daquelas limpezas superficiais, tipo passar um pano e pronto. Não mesmo! É limpeza de verdade, inclusive com direito de fazer aquela faxina no banheiro, como precisasse disso, já que o local brilha mais do que purpurina em rosto de folião em tempos de carnaval.

          Marineide, que também não é fácil, toda vez que faz uma visita de surpresa, tenta encontrar algum deslize do filho. Não encontra nada! Nem aquele lodo nos cantinhos ou respingo de sabonete no blindex. Nessas horas, a coroa coloca até os óculos para enxergar melhor, mas nem um milímetro de sujeira. 

          — Osmar, fico aqui imaginando se lodo fosse remédio para salvar vidas.

          — O que a senhora disse, mãe?

          — Lodo! 

          — E o que tem isso a ver com salvar vidas?

          — Se alguém precisasse de lodo para se salvar, iria morrer aqui no seu apartamento.

          A mulher observa bem a cozinha, os armários, o fogão, a geladeira. Nada! Nem mesmo um mísero farelo de pão. 

          — Meu filho, queria eu ver você manter essa limpeza lá em casa.

          — Por isso, mãe, que procurei um apartamento minúsculo para dar vazão à minha ânsia de limpeza. Se fosse na casa da senhora, eu morreria de cansaço no primeiro mês. 

          Isso mesmo! O gajo não duraria muito tempo no casarão da matriarca. Pois é, com cinco quartos grandes, três banheiros, aquela infinidade de degraus para subir para o segundo andar, sem contar a enorme área externa. Sim, isso mesmo, se já não bastasse o quintal na frente, ainda tem outro nos fundos ainda maior.

          Agora é a vez de falar um pouco sobre a Romilda, que reside em uma casa pouco maior do que o apartamento do Osmar. Com dois quartos, sala e cozinha de tamanhos razoáveis, é um local que nem boa parte das moradias dos brasileiros. 

          Romilda, ao contrário do filho da Marineide, deixa juntar louça suja até que a pia, aos prantos, implora por alguma alma caridosa disposta a pegar a esponja e uma boa quantidade de detergente. Por sorte, Lucinha, a filha universitária, quando chegar com disposição ao lar, doce lar, consegue apaziguar aquele caos de panelas, pratos, copos e talheres. 

          — Mãe, a senhora entulhou a pia novamente.

          — Depois dou um jeito, minha filha.

          Pior do que a situação da pia, há certamente outro. É que a Romilda junta aquelas inúmeras trabalhas, o que faz com que a sua casa pareça menor até do que o apartamento do Osmar.  

          Sem se dar conta, a mulher junta tudo o que se possa imaginar, ao contrário do Osmar, que é a pessoa mais minimalista do mundo. Romilda parece não distinguir o que é ou não útil e, dessa forma, guarda embalagens de refrigerantes e sucos. Para não deixar barato, até aquelas de isopor usadas para quentinhas são devidamente juntadas. 

          As visitas, mal chegam à casa da Romilda, precisam ir afastando as caixas, inclusive retirar os inúmeros objetos inúteis sobre o sofá. A pobre Lucinha, envergonhada pela situação, até fala para a mãe parar de guardar tanto entulho. Não tem jeito, pois é como falar ao vento.

          Recentemente, Marineide teve uma conversa com a amiga e, ao que tudo indica, a convenceu a procurar ajuda de um psicólogo ou psiquiatra. Parece mesmo que a mãe da Lucinha irá fazê-lo. Quanto ao Osmar, ainda se mostra reticente quanto à ideia. Quem sabe a solução para o TOC do gajo seja mesmo retornar para a casa da mãe?

  • Nota de esclarecimento: O conto 'TOC e acumulação compulsiva' foi publicado por Notibras no dia 22/4/2025.
  • https://www.notibras.com/site/osmar-faxineiro-do-proprio-ape-so-se-corrige-voltando-a-casa-da-mae/

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