Pedro Gentil,
bancário de profissão, do nada, resolveu começar a escrever. É verdade que era
leitor voraz, mas jamais imaginou que um dia poderia se tornar escritor. Aquilo
era para outro tipo de gente, com talento suficiente para encher uma resma com
frases criativas, tramas de tirar o fôlego do público, que só teria o trabalho
de se deliciar com a leitura e, enfim, aplaudir o artista das letras.
Empolgou-se de tal maneira que, em pouco mais de dois meses, já
havia escrito um romance de quase duzentas páginas. Não pense você que o homem
parou por aí, já que, mal colocou o ponto final na primeira história, já
começou a bater firme nas teclas da velha Remington, herança do avô. Dessa vez,
no entanto, contentou-se com um conto e, já no final do dia, antes de se
deitar, imaginou outro, que anotou em um pedaço de papel para não
esquecer.
A rotina de escrever se apoderou do bancário,
que tinha ímpetos de largar o emprego. Mas como fazê-lo, se não havia nascido
em berço-de-ouro? Nem vislumbrava a ínfima possibilidade de ganhar na loteria,
já que não arriscava o parco salário em apostas infrutíferas. Ademais, Pedro
estava decidido a publicar um livro e, então, começou a encaminhar cópias de
seus originais para várias editoras.
Os meses seguiam e nada de uma resposta. Quer
dizer, recebeu algumas, mas todas com praticamente as mesmas frases apaziguadoras,
como se aquilo fosse um padrão. Inconformado com tais recusas, Pedro se postou
diante do espelho embaçado do banheiro e conversou com seu reflexo, que,
reflexivo que estava, pareceu refletir seu pensamento.
— Cara, por que você mesmo não publica seu
livro?
Seguindo os conselhos do seu outro eu que morava
dentro do espelho do banheiro, Pedro pesquisou na internet preços de impressão
de um livro. Ficou assustado com o valor, que envolvia diagramação e um tanto
mais de coisas que ele desconhecia. Precisava economizar.
Nada de cinema e cerveja com os amigos no
bar da esquina. Como estava sem namorada, preferiu evitar flertes com as
moçoilas que encontrava no trajeto entre o trabalho e o pequeno quarto e sala,
que dividia com um peixe, que nadava solitariamente num aquário sobre a mesa de
canto.
Firme em seu propósito, Pedro conseguiu, de
migalhas em migalhas, juntar a pequena fortuna para, finalmente, editar e
publicar seu primeiro romance, com tirarem de 500 exemplares. Inocente, puro e
besta, imaginou que venderia todos rapidamente, coisa que não aconteceu.
Quando já estava perdendo as
esperanças, eis que conheceu Georgina, dona de uma pequena livraria, mas que
possuía um público fiel sempre em busca de novos autores. Ela leu o romance e
gostou tanto que, não tardou, expôs alguns exemplares na vitrine, todos
vendidos no mesmo mês.
Pedro Gentil não ficou rico,
mas conseguiu recuperar o dinheiro investido e, no ano seguinte, lançou um
livro de contos. Passou a ser um autor conhecido no nicho de leitores/autores,
o que o deixava satisfeito e até disposto para encarar seis horas de labuta no
banco. Era até tratado como celebridade entre os colegas. Quer dizer, nem
todos.
Iuri, que vivia às turras com os demais, não
suportava o tratamento dispensado ao ilustre colega. Mesmo assim, resolveu ler
o romance do agora autor Pedro Gentil. Torceu os lábios e, com desdém, tentou
menosprezar a história.
— Não gostei. Final muito previsível.
Foi aí que a Paula, que trabalhava como caixa,
retrucou.
— Que nem o famoso drible do Garrincha?
— O que você disse?
— Ué, Iuri, quem disse que não gostou do livro do Pedro foi
você.
— Pois não gostei! Final previsível demais.
— Então! Previsível que nem o
drible do Garrincha?
—
Paula, é isso mesmo! Igualzinho àquele mesmo drible tolo do Garrincha!
—
Hum! Iuri, e quem é você pra contestar o Garrincha, que surpreendia a todos pela
própria previsibilidade?
- Nota de esclarecimento: O conto "Coração de escritor" foi publicado por Notibras no dia 20/4/2025.
- https://www.notibras.com/site/pedro-gentil-sorri-com-livro-que-e-comparado-a-dribles-de-garrincha/
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