De quem foi a ideia, ninguém se lembrava ao certo.
Se bem que, passados quase dois anos do ocorrido, parece que foi da Paula,
responsável pelo arquivo da repartição. Uma maníaca por malhação, como se
correr numa esteira fosse salvá-la do destino de todos nós, meros mortais:
engrossar a cintura apenas de olhar aquela mesa farta, mesmo que tudo não passe
de mero devaneio.
— Maratonar?
— É!
— Mas maratona não é aquela
corrida de cansar até preá?
— É, mas essa é diferente.
— Diferente como?
— Olha, quem praticar mais
exercícios e se alimentar com comida saudável ganha.
— Hum! Tá! Mas como é que a
gente vai ter certeza de que o outro vai cumprir as metas?
— Basta tirar fotos quando a
pessoa estiver na academia ou da comida que está comendo.
— Mas não tem como
trapacear?
— Ter até tem, mas
ninguém aqui é mais criança, né!?
— Hum! E o que o
vencedor ganha?
— Saúde.
— Saúde?
— Sim! Saúde!
— Só?
— E tu acha pouco?
— Bem, é que acho
que a gente poderia ganhar pelo menos um bombom.
— Hum!
A conversa envolveu
vários preguiçosos e a doida da academia. Seja como for, parece que todos
começaram a se empenhar, como se a competição despertasse os mais primitivos
instintos naquela gente. Não era apenas uma questão de saúde, mas
principalmente de vida ou morte.
Gerson, notório
sedentário, botou na cabeça que aquela disputa teria que ser vencida por ele.
Afinal, além do prazer de ver todos os demais concorrentes reverenciarem sua
capacidade de superação, ainda estava de olho na Júlia, que trabalhava na mesa
ao lado. Determinado, tratou de se matricular na academia ao lado do seu
apartamento, bem no início da Asa Norte.
A dieta do então mais
novo discípulo da busca pelo corpo perfeito passava principalmente por frutas,
cereais, carnes magras e, não poderia faltar, ovos. Cozidos! Nada de fritura,
pois não queria correr riscos desnecessários, além de que, óbvio, a ingestão de
calorias ficaria reduzida substancialmente.
O início, é
verdade, foi mais sofrido do que o esperado. Todavia, imbuído do desejo de
vitória, Gerson conseguiu driblar fraquezas como, por exemplo, aquela vontade
de chutar o balde e abocanhar aquela tão convidativa barra de chocolate. Fechou
a boca para tais tentações e, não tardou, conseguiu reduzir a silhueta já no
final da primeira semana.
O sujeito, a cada
levantamento de peso, ovo cozido ingerido e quilômetros e mais quilômetros
vencidos na esteira, estava certo de que seria laureado como o grande campeão
da acirrada competição. Para não restar dúvida, montou até um PowerPoint que,
mesmo não tendo prova, carregava muita convicção. E lá foi o Gerson para
receber seu troféu numa sexta-feira, dia marcado para a aferição dos resultados
apresentados pelos participantes.
Não venceu. Tanto
esforço pra nada! No entanto, caso não fosse o Gerson, qualquer um estaria
satisfeito com um honroso terceiro lugar. O problema é que era o Gerson, que
não conseguiu segurar a frustração. Soltou a língua e, caso não fosse contido
pelos colegas, talvez chegasse a via de fatos com a criadora daquele
martírio.
Na segunda-feira seguinte, lá
estavam todos na repartição. Gerson, envergonhado pelo ocorrido, fizera um tour
pelas prateleiras mais calóricas do supermercado e, ao entrar no ambiente de
trabalho, os colegas não deixaram de notar a antiga silhueta do gajo, que se
sentou à mesa e, cabisbaixo, tentou se concentrar no trabalho. Desiludido,
pensou que o melhor mesmo era tirar a Júlia da cabeça. Também, depois daquele
papelão... Sem chance!
- Nota de esclarecimento: O conto "Gerson, notório sedentário, resolveu maratonar" foi publicado por Notibras no dia 22/10/2025.
- https://www.notibras.com/site/gerson-notorio-sedentario-resolveu-maratonar/

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