segunda-feira, 27 de outubro de 2025

A vida atropela os verborrágicos

    

        Sabe aquela coisa que não muda a direção do vento, que não altera a vida de um mísero grão de arroz, mas que instiga o sujeito a se questionar, nem que por um milésimo de segundo? Nem sei se aconteceu exatamente assim, mas considero a versão tão boa, que vou tentar expô-la sem subterfúgios para tentar agradar aos olhos curiosos ou lânguidos de algum leitor. 

          Três amigos, não mais que três. Se bem que já ouvi que havia um quarto e, não duvido, até mesmo um quinto. Seja como for, para economizar o seu tempo, ficaremos com a tríade, sendo dois aposentados, cujo compromisso naquela noite parecia ser apenas não chegar muito tarde e, ainda mais importante, não tão embriagados, aos respectivos lares, todos a não mais do que alguns passos, mesmo que cambaleantes, do bar do Alberico, o terceiro, que era português radicado no Brasil desde o final dos anos 1970.

          Além do Alberico, estavam por ali o Josias e o Sousa. O primeiro havia sido bancário por quase 40 anos. Do Banco do Brasil, fazia questão de dizer, como se aquilo fosse uma taça, mais importante até do que a Jules Rimet. 

          — Concurso! Passei por concurso. Não foi pela janela, como era comum na época. Mé-ri-to! 

          Já o Sousa, apesar de não ter a pompa do colega, desfrutava de condição financeira praticamente idêntica, com vantagem de levar vida mais modesta, pois não se preocupava com vestimentas e muito menos com sapatos de grifes famosas, que eram fetiches do amigo. Usava o que tinha até que a mulher não suportasse mais ver o marido trajando aquela camisa surrada e, sem qualquer aviso, a direcionasse para doação ou, em casos extremos, para a lata de lixo. 

          — Pois, meu amigo, como você bem sabe, e nunca escondi isso de ninguém, inclusive do nobre Alberico, que há mais de década tem a paciência de aturar nossos porres, sejam etílicos, sejam verborrágicos, o que consegui na vida foi por indicação de parente ou cupincha. Mas vida que segue, e não cabe aqui pito, pois ela é curta e não pede passagem. Atropela!

         Alberico, nesse momento, esboçou seu sorriso mais sarcástico, o que provocou interrogações múltiplas nos parceiros. Josias, o mais cismado do trio, arregalou os olhos e cuspiu palavras.

          — Alguma coisa que não captei, Alberico?

           — Não é nada.

          — Como não é nada? 

          — Bem, na verdade, não sei nem por que, o que o Sousa disse me fez lembrar de algo que meu pai costumava falar.

          — Pois diga! 

          — Sim, Alberico! Compartilhe aqui comigo e o nosso ansioso Josias.

          — Ansioso? Eu?

          — E quem mais seria? 

          — E por que não você, Sousa?

          — Deixa quieto, então. 

         — De jeito nenhum! Se atiçou, quero saber o que o pai do Alberico dizia.

         Enquanto os dois discutiam que nem velhos amigos fazem, Alberico tentava buscar na memória as exatas palavras do pai. Como é que era mesmo que ele discursava? E, do nada, desandou a falar, o que fez os dois resmungões pararem e prestar atenção.

          — Meus amigos, meu pai dizia que quase todo mundo tem que saber escrever apenas telegrama. Sabe aquela coisa sem rodeios? Pois é, nada de "ti", "te", "si", "se", "mi", "me". "Lhe", "lho" e "lha", então, tá de brincadeira! Sucinto! A vida urge! Sou comerciante, sou pá-pá-pá, pá-pá-pá, ponto! Té-té-té, té-té-té, ponto! Só quem tem que saber escrever é advogado e engenheiro. Nem médico precisa, né?! Porque médico escreve aqueles garranchos e ninguém entende. Se ele estiver receitando veneno, não tem como provar. Sou econômico nas palavras. Sem subterfúgios. Minhas ideias são curtas, com a maior precisão possível, com o menor número de palavras possível. Papai estava ou não certo?

          Os dois ouvintes se entreolharam e, quase em uníssono, responderam:

           — Disse tudo!

  • Nota de esclarecimento: O conto "A vida atropela os verborrágicos" foi publicado por Notibras no dia 27/10/2025.
  • https://www.notibras.com/site/editoria/quadradinho-em-foco/

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