Três amigos, não mais que
três. Se bem que já ouvi que havia um quarto e, não duvido, até mesmo um
quinto. Seja como for, para economizar o seu tempo, ficaremos com a tríade,
sendo dois aposentados, cujo compromisso naquela noite parecia ser apenas não
chegar muito tarde e, ainda mais importante, não tão embriagados, aos
respectivos lares, todos a não mais do que alguns passos, mesmo que
cambaleantes, do bar do Alberico, o terceiro, que era português radicado no
Brasil desde o final dos anos 1970.
Além do Alberico, estavam por ali
o Josias e o Sousa. O primeiro havia sido bancário por quase 40 anos. Do Banco
do Brasil, fazia questão de dizer, como se aquilo fosse uma taça, mais
importante até do que a Jules Rimet.
— Concurso! Passei por concurso.
Não foi pela janela, como era comum na época. Mé-ri-to!
Já o Sousa, apesar de não ter a
pompa do colega, desfrutava de condição financeira praticamente idêntica, com
vantagem de levar vida mais modesta, pois não se preocupava com vestimentas e
muito menos com sapatos de grifes famosas, que eram fetiches do amigo. Usava o
que tinha até que a mulher não suportasse mais ver o marido trajando
aquela camisa surrada e, sem qualquer aviso, a direcionasse para doação ou, em
casos extremos, para a lata de lixo.
— Pois, meu amigo, como você bem sabe, e nunca escondi isso de
ninguém, inclusive do nobre Alberico, que há mais de década tem a paciência de
aturar nossos porres, sejam etílicos, sejam verborrágicos, o que consegui na
vida foi por indicação de parente ou cupincha. Mas vida que segue, e não cabe
aqui pito, pois ela é curta e não pede passagem. Atropela!
Alberico, nesse momento, esboçou seu sorriso mais sarcástico, o
que provocou interrogações múltiplas nos parceiros. Josias, o mais cismado do
trio, arregalou os olhos e cuspiu palavras.
— Alguma coisa que
não captei, Alberico?
—
Não é nada.
— Como não é nada?
— Bem, na verdade, não sei nem por que, o
que o Sousa disse me fez lembrar de algo que meu pai costumava falar.
— Pois diga!
— Sim, Alberico! Compartilhe aqui comigo e
o nosso ansioso Josias.
— Ansioso? Eu?
— E quem mais seria?
— E por que não você, Sousa?
— Deixa quieto, então.
— De jeito nenhum! Se atiçou, quero saber o que
o pai do Alberico dizia.
Enquanto os dois discutiam que nem velhos amigos
fazem, Alberico tentava buscar na memória as exatas palavras do pai. Como é que
era mesmo que ele discursava? E, do nada, desandou a falar, o que fez os dois
resmungões pararem e prestar atenção.
— Meus amigos, meu
pai dizia que quase todo mundo tem que saber escrever apenas telegrama. Sabe
aquela coisa sem rodeios? Pois é, nada de "ti", "te",
"si", "se", "mi", "me".
"Lhe", "lho" e "lha", então, tá de brincadeira!
Sucinto! A vida urge! Sou comerciante, sou pá-pá-pá, pá-pá-pá, ponto! Té-té-té,
té-té-té, ponto! Só quem tem que saber escrever é advogado e engenheiro. Nem
médico precisa, né?! Porque médico escreve aqueles garranchos e ninguém
entende. Se ele estiver receitando veneno, não tem como provar. Sou econômico
nas palavras. Sem subterfúgios. Minhas ideias são curtas, com a maior precisão
possível, com o menor número de palavras possível. Papai estava ou não certo?
Os dois
ouvintes se entreolharam e, quase em uníssono, responderam:
—
Disse tudo!
- Nota de esclarecimento: O conto "A vida atropela os verborrágicos" foi publicado por Notibras no dia 27/10/2025.
- https://www.notibras.com/site/editoria/quadradinho-em-foco/

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