Vagner, professor de física, era tido pelos alunos como verdadeiro
carrasco. Quer dizer, não exatamente daqueles carrascos de verdade,
responsáveis pelo derradeiro instante dos condenados à morte. Escolhamos,
portanto, verbete menos malsoante como, vamos ver... Verdugo! Sim, mesmo
porque, creio, muitos dos que não conhecem seu significado talvez nem se deem
ao trabalho de procurá-lo num dicionário.
Além de rígido na correção das provas, o sujeito não era afeito
a polissemias. Pois é, ainda mais se o sentido da palavra descambasse para
sentidos figurados. Ih, aí, então, é que batia o pé como menino birrento.
Destino, entretanto, é algo que não dá para
controlar por completo, ainda que o sujeito tente viver uma vida nas condições
normais de temperatura e pressão (CNTP). E foi num desses momentos de deslize
da perfeição que Vagner se deparou com Cecília, professora de literatura e,
como tinha nome de poetisa, poetisa também era.
A mulher, assim que entrou no recinto, apesar das vestes
costumeiras de uma dolorosa segunda-feira, quando as memórias afetivas parecem
vivenciar o final de semana, por mais simplórios que tenham sido, foi notada
por Vagner. Não que ele nunca a tivesse visto. Eram colegas desde o início do
ano letivo. Mas algo diferente, como se, naquele dia, as narinas do professor,
finalmente, tivessem se dilatado para sentir o inebriante perfume de colega.
Sem muito traquejo para paqueras, Vagner não encontrou
palavras para tentar aproximação. Por sorte, Cecília, que de boba não tinha
sombra nem cacoete, percebeu a intenção do gajo e, atrevida que nem gente
romântica, convidou o bonitão para sair. Quer dizer, bonitão é força de
expressão. Se bem que o homem, apesar de sisudo, não era de se jogar
fora.
O encontro se deu na sexta-feira seguinte, em um bar ao som de
Alessandra Terribili, cuja voz rouca costuma encantar a plateia. Por falar em
rouquidão, era mês de setembro, quando o ar em Brasília é mais seco do que
garganta de camelo ou bochecho de velho. Dizem que até o deserto do Atacama
fica enciumado com tamanha secura.
Enquanto o casal de pombinhos se enamorava ao som da cantora,
eis que a destemida professora, insinuante que estava, aproximou os lábios tão
perto, que nem o desajeitado Vagner deixou de notar o que aquilo significava. E
lá foi o danado beijar a quase namorada, quando, de repente, o inusitado
aconteceu. Um choque!
Cecília, apesar do susto, sorriu, enquanto Vagner, sabedor
daquele fenômeno, não pareceu surpreso.
— Você viu isso, Vagner? Acho que rolou uma
química, né?
— Não.
— Não?
— Estática.
- Nota de esclarecimento: O conto "Entre poesias e o fenômeno físico ao som da Alessandra Terribili" foi publicado por Notibras no dia 26/10/2025.
- https://www.notibras.com/site/entre-poesias-e-o-fenomeno-fisico-ao-som-da-alessandra-terribili/
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