domingo, 26 de outubro de 2025

Entre poesias e o fenômeno físico ao som da Alessandra Terribili

  

Vagner, professor de física, era tido pelos alunos como verdadeiro carrasco. Quer dizer, não exatamente daqueles carrascos de verdade, responsáveis pelo derradeiro instante dos condenados à morte. Escolhamos, portanto, verbete menos malsoante como, vamos ver... Verdugo! Sim, mesmo porque, creio, muitos dos que não conhecem seu significado talvez nem se deem ao trabalho de procurá-lo num dicionário.

          Além de rígido na correção das provas, o sujeito não era afeito a polissemias. Pois é, ainda mais se o sentido da palavra descambasse para sentidos figurados. Ih, aí, então, é que batia o pé como menino birrento.

          Destino, entretanto, é algo que não dá para controlar por completo, ainda que o sujeito tente viver uma vida nas condições normais de temperatura e pressão (CNTP). E foi num desses momentos de deslize da perfeição que Vagner se deparou com Cecília, professora de literatura e, como tinha nome de poetisa, poetisa também era. 

          A mulher, assim que entrou no recinto, apesar das vestes costumeiras de uma dolorosa segunda-feira, quando as memórias afetivas parecem vivenciar o final de semana, por mais simplórios que tenham sido, foi notada por Vagner. Não que ele nunca a tivesse visto. Eram colegas desde o início do ano letivo. Mas algo diferente, como se, naquele dia, as narinas do professor, finalmente, tivessem se dilatado para sentir o inebriante perfume de colega. 

          Sem muito traquejo para paqueras, Vagner não encontrou palavras para tentar aproximação. Por sorte, Cecília, que de boba não tinha sombra nem cacoete, percebeu a intenção do gajo e, atrevida que nem gente romântica, convidou o bonitão para sair. Quer dizer, bonitão é força de expressão. Se bem que o homem, apesar de sisudo, não era de se jogar fora. 

          O encontro se deu na sexta-feira seguinte, em um bar ao som de Alessandra Terribili, cuja voz rouca costuma encantar a plateia. Por falar em rouquidão, era mês de setembro, quando o ar em Brasília é mais seco do que garganta de camelo ou bochecho de velho. Dizem que até o deserto do Atacama fica enciumado com tamanha secura. 

          Enquanto o casal de pombinhos se enamorava ao som da cantora, eis que a destemida professora, insinuante que estava, aproximou os lábios tão perto, que nem o desajeitado Vagner deixou de notar o que aquilo significava. E lá foi o danado beijar a quase namorada, quando, de repente, o inusitado aconteceu. Um choque! 

          Cecília, apesar do susto, sorriu, enquanto Vagner, sabedor daquele fenômeno, não pareceu surpreso.

          — Você viu isso, Vagner? Acho que rolou uma química, né?

          — Não.

          — Não?

          — Estática.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Entre poesias e o fenômeno físico ao som da Alessandra Terribili" foi publicado por Notibras no dia 26/10/2025.
  • https://www.notibras.com/site/entre-poesias-e-o-fenomeno-fisico-ao-som-da-alessandra-terribili/

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