Nem mesmo Arnaldo acreditava que a bonitona tivesse sido a
escolhida para o cargo por causa da aparência, apesar de ter quase certeza de
que tanta lindeza tenha dado aquela forcinha capaz de dirimir qualquer dúvida.
No entanto, mesmo diante da flagrante competência da mulher, não conseguiu
reprimir o sentimento que começou a consumi-lo. Antes bom ator, passou a
denunciar todo o rancor através expressões faciais que não conseguia
evitar.
— Você está bem, Arnaldo?
— Tô!
— Tem certeza?
— Tenho!!!
— Calma, meu amigo, não precisa gritar.
— Não sou seu amigo, Lúcio! Colegas de trabalho! Colegas de
trabalho e nada mais.
Lúcio, que ocupava um cargo do mesmo nível do ranzinza, para
evitar prosseguir naquela infrutífera discussão, sorriu seu melhor sorriso e
foi tomar um café. Arnaldo o fuzilou com o olhar dos insatisfeitos, cuja
frustração era evidente. Seja como for, já com o copo descartável entre os
dedos indicador e polegar, o colega, nada mais do que simples colega, tentou
não queimar a língua com o líquido fumegante.
Quando chegou ao lar, naquele dia não tão doce assim, Arnaldo
pensou em pegar uma cerveja na geladeira. Entretanto, preferiu tomar um banho
quente antes.
Debaixo do chuveiro,
enquanto sentia a água quente cair sobre os ombros, Lígia se materializou ali
ao seu lado. Ele tomou um susto e, instintivamente, procurou cobrir as partes
mais vulneráveis. Desistiu. Se ela estava ali, não seria ele a se envergonhar
da situação, apesar de não poder se gabar por algo fora do comum.
Mesmo não aparentando qualquer desconforto, Arnaldo não
entendia o motivo da agora sua superior querer se imiscuir logo ali. Teria
chegado aos seus ouvidos o pequeno imbróglio que ele tivera com Lúcio? Seria o
colega um fofoqueiro e, agora não duvidava, teria se sentido ofendido por não
passar de mero colega de trabalho?
Arnaldo fechou o chuveiro e, sorridente, pediu a toalha para
Lígia.
— Não sabia que você estava em tão boa forma.
— Pois é, Lígia... Posso chamá-la de Lígia? É que agora você é
a minha superior...
— Lígia. Prefiro Lígia.
— Então, Lígia, respondendo à sua observação, procuro fazer
exercícios diários. Afinal, a gente não sabe quando é que vai ser pego de
surpresa, né?
A mulher sorriu, enquanto os enormes olhos castanhos não se
deram ao trabalho de disfarçar possível interesse.
— Eu iria beber uma cerveja, mas talvez você
prefira algo mais sofisticado. Vinho?
— Cerveja. Prefiro a honestidade de uma boa
cerveja.
Honestidade de uma boa cerveja? O que
significava aquilo? Arnaldo, mesmo intrigado, procurou manter o controle da
situação, que já era todo de Lígia. Como aquela mulher era autoconfiante!
— Você manda, chefe! Quer dizer, Lígia.
Beberam, beberam, beberam até que, chegou aquele momento de se esquecer do que,
de fato, teria acontecido. Benesses do álcool, diriam os filósofos de
botequim.
Arnaldo acordou na cama. Tentou puxar pela
memória a noite que certamente tivera com a estonteante intrusa. Nada além do
lençol amarrotado ao lado. Ergueu as narinas, como se desejando buscar o
perfume de Lígia. O homem olhou para o lado e percebeu a janela aberta, culpada
por roubar o resquício do aroma da mulher.
A partir daquele dia, os colegas, incluindo Lúcio,
não entenderam o porquê daquela mudança repentina de humor. Estaria Arnaldo
planejando algo ou, então, teria o sujeito mudado da água para o vinho? Todos
estavam enganados. Cerveja, nada mais do que a honestidade de uma boa
cerveja.
- Nota de esclarecimento: O conto "Arnaldo, a frustração e a cerveja" foi publicado por Notibras no dia 23/10/2025.
- https://www.notibras.com/site/arnaldo-a-frustracao-e-a-cerveja/

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