quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Arnaldo, a frustração e a cerveja

     

          Andava bilioso por conta do chefe. Não que o homem o tivesse destratado, a questão era outra. Arnaldo, preterido para uma promoção, que fora ofertada para Lígia, a novata de aparência agradável e movimentos lascivos, queria porque queria descascar para cima de alguém, nem que esse alguém fosse o vendedor de picolé, que sempre estacionava o carrinho de mão em frente ao restaurante, onde ele e todos os demais funcionários costumavam almoçar. 

          Nem mesmo Arnaldo acreditava que a bonitona tivesse sido a escolhida para o cargo por causa da aparência, apesar de ter quase certeza de que tanta lindeza tenha dado aquela forcinha capaz de dirimir qualquer dúvida. No entanto, mesmo diante da flagrante competência da mulher, não conseguiu reprimir o sentimento que começou a consumi-lo. Antes bom ator, passou a denunciar todo o rancor através expressões faciais que não conseguia evitar. 

          — Você está bem, Arnaldo?

          — Tô!

          — Tem certeza?

          — Tenho!!!

          — Calma, meu amigo, não precisa gritar.

          — Não sou seu amigo, Lúcio! Colegas de trabalho! Colegas de trabalho e nada mais.

          Lúcio, que ocupava um cargo do mesmo nível do ranzinza, para evitar prosseguir naquela infrutífera discussão, sorriu seu melhor sorriso e foi tomar um café. Arnaldo o fuzilou com o olhar dos insatisfeitos, cuja frustração era evidente. Seja como for, já com o copo descartável entre os dedos indicador e polegar, o colega, nada mais do que simples colega, tentou não queimar a língua com o líquido fumegante. 

          Quando chegou ao lar, naquele dia não tão doce assim, Arnaldo pensou em pegar uma cerveja na geladeira. Entretanto, preferiu tomar um banho quente antes.

Debaixo do chuveiro, enquanto sentia a água quente cair sobre os ombros, Lígia se materializou ali ao seu lado. Ele tomou um susto e, instintivamente, procurou cobrir as partes mais vulneráveis. Desistiu. Se ela estava ali, não seria ele a se envergonhar da situação, apesar de não poder se gabar por algo fora do comum. 

          Mesmo não aparentando qualquer desconforto, Arnaldo não entendia o motivo da agora sua superior querer se imiscuir logo ali. Teria chegado aos seus ouvidos o pequeno imbróglio que ele tivera com Lúcio? Seria o colega um fofoqueiro e, agora não duvidava, teria se sentido ofendido por não passar de mero colega de trabalho? 

          Arnaldo fechou o chuveiro e, sorridente, pediu a toalha para Lígia. 

          — Não sabia que você estava em tão boa forma.

          — Pois é, Lígia... Posso chamá-la de Lígia? É que agora você é a minha superior...

          — Lígia. Prefiro Lígia.

          — Então, Lígia, respondendo à sua observação, procuro fazer exercícios diários. Afinal, a gente não sabe quando é que vai ser pego de surpresa, né?

          A mulher sorriu, enquanto os enormes olhos castanhos não se deram ao trabalho de disfarçar possível interesse. 

          — Eu iria beber uma cerveja, mas talvez você prefira algo mais sofisticado. Vinho?

          — Cerveja. Prefiro a honestidade de uma boa cerveja.

          Honestidade de uma boa cerveja? O que significava aquilo? Arnaldo, mesmo intrigado, procurou manter o controle da situação, que já era todo de Lígia. Como aquela mulher era autoconfiante! 

          — Você manda, chefe! Quer dizer, Lígia.

        Beberam, beberam, beberam até que, chegou aquele momento de se esquecer do que, de fato, teria acontecido. Benesses do álcool, diriam os filósofos de botequim. 

          Arnaldo acordou na cama. Tentou puxar pela memória a noite que certamente tivera com a estonteante intrusa. Nada além do lençol amarrotado ao lado. Ergueu as narinas, como se desejando buscar o perfume de Lígia. O homem olhou para o lado e percebeu a janela aberta, culpada por roubar o resquício do aroma da mulher.

          A partir daquele dia, os colegas, incluindo Lúcio, não entenderam o porquê daquela mudança repentina de humor. Estaria Arnaldo planejando algo ou, então, teria o sujeito mudado da água para o vinho? Todos estavam enganados. Cerveja, nada mais do que a honestidade de uma boa cerveja. 

  • Nota de esclarecimento: O conto "Arnaldo, a frustração e a cerveja" foi publicado por Notibras no dia 23/10/2025.
  • https://www.notibras.com/site/arnaldo-a-frustracao-e-a-cerveja/

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