— Como está o Asdrúbal?
— Anda mal, muito mal.
— Sério? O que houve?
— Morrer novo não é bom, mas ficar
velho é um desafio e tanto.
— Muito complicado.
—
E o pior é que a gente não pode fazer nada, a não ser acompanhá-lo ao
médico, ministrar os remédios.
— Mas ele nem está tão velho assim.
— Isso é verdade. No último dia de outubro completará 76.
— Então!
— Mas adoeceu muito cedo. O cigarro.
— Terrível!
— Pois é.
José falou em fazer uma visita ao amigo de longa data, proposta
logo aceita por mais dois que estavam por ali. E foram em sete, pois angariaram
mais alguns desocupados pelo caminho. Mal chegaram, constataram a carranca do
velho, que fazia bico até para tomar sorvete de chocolate, seu favorito.
Contaram anedotas, mas nada conseguia arrancar Asdrúbal daquela
masmorra, até que o Juvêncio, sempre ele, que arrancava ideias de não sei onde,
resolveu bater um retrato de todos. Retrato. Nada dessas modernidades de
fotografia.
O retratista, que carregava sua máquina pendurada no pescoço,
mandou que todos se juntassem ao redor do ranzinza. Marcou 10 segundos para o
clique e correu para junto daqueles corpos carcomidos.
Depois
de quase duas horas, Asdrúbal finalmente se viu só. Um alívio, segundo seu
próprio pensamento. Foi dormir sonhando com a morte, que desejava ser breve.
Que nada, acordou no dia seguinte e no próximo também, quando, então, ouviu a
campainha soar irritantemente. Desejou jogá-la fora, mas, antes que o fizesse,
foi ver quem era. Juvêncio, que, além do sorriso, trazia o retrato.
— Não gostei!
— Por quê, Asdrúbal?
— O Armando ficou mais bonito que eu.
— Dificilmente, ainda mais com esse seu grisalho respeitável e
hierático.
— Que nada! Já estou no farelo do biscoito.
- Nota de esclarecimento: O conto "Velhice e vaidade" foi publicado por Notibras no dia 2/5/2024.
- https://www.notibras.com/site/morrer-e-complicado-e-quando-jovem-pior-ainda/
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