Não se pode dizer que
a amizade seja algo que se inicia apenas por virtudes, sentimentos nobres,
honrarias e todas aquelas bobagens que, creio, estamos cansados de ver em
películas hollywoodianas. Tanto é que, não raro, ela pode acontecer por
conexões nada dignificantes, ou seja, bem mais próximas à realidade da natureza
humana.
Apolo, rapaz boa
pinta, desses que atraem olhares dos mais diversos tipos, ora desejos, ora da
mais pura inveja. Por conta de tamanha beleza, era mais do que óbvio que ele se
achasse o último biscoito do pacote, como precisam ser esses raros espécimes
nascidos gêmeos de Adônis. Poderíamos afirmar, sem sombra de proferir qualquer
blasfêmia, que o gajo não andava, mas flutuava sobre a esburacada calçada
daquele bairro tão afamado por tanta miséria.
Por uma dessas
coincidências raríssimas, mas que acontecem a todo instante, eis que, naquele
mesmo bairro, morava um outro rapaz, cuja beleza também se destacava das
demais. Era um deus nos acuda para suportar tanta perfeição num só ser. Seu
nome? Pois é, nada mais apropriado do que Adônis, nome escolhido pela mãe,
certa de que o filho seria, de fato, a maior criação da natureza desde que
inventaram a empadinha de camarão.
Não se sabe ao
certo como isso aconteceu, mas aconteceu, como são testemunhas os milhares de
moradores daquela região. É que Apolo e Adônis jamais haviam se esbarrado até
aquele fatídico dia, quando ocorreu uma aglomeração por causa de gravíssimo
acidente envolvendo dois ciclistas não muito atentos. Quem eram? Justamente
aqueles dois espécimes superiores da raça humana.
Como consequência
daquela colisão, os dois rapazes tiveram lesões gravíssimas: cada um precisou
tomar dois pontos no dedo mindinho da mão esquerda, justamente a mais próxima
ao coração. Seja como for, após serem socorridos ao hospital da região, Apolo e
Adônis, talvez pelo infortúnio comum, tornaram-se amigos quase
inseparáveis.
Se um estava no bar da esquina, certamente o
outro lhe fazia companhia. Se a praça tivesse a sorte de contar com a presença
do Apolo, lá estava o Adônis elevando ainda mais a beleza do local. Tanto é que
o ocorrido que foi presenciado pela avó de uma amiga se deu bem ali naquele
banco ao redor do parque onde as crianças sobem a escada e se esbaldam com a
descida no escorregador, balançam de lá para cá nos balanços, correm cheias de
energia não se sabe de onde.
Lá
estava a vovó da minha querida Grace, uma quase irmã, na companhia de velhas
amigas, todas já passadas dos 70 anos, quando avistaram Apolo e Adônis
desfilando pela mais famosa praça do bairro. Laura, a mais ingênua do grupo,
enalteceu a amizade de tão belos rapazes. Nisso, a Gertrudes, que dizem ter
fama de mal-humorada, não perdeu a oportunidade de rebatê-la.
— Pois é, um gambá conhece o cheiro do outro.
- Nota de esclarecimento: O conto "A futilidade mora ao lado" foi publicada por Notibras no dia 19/5/2024.
- https://www.notibras.com/site/apolo-e-adonis-belos-exalam-odor-de-um-gamba/
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