Ficou loira, é verdade, até que passou uma
manhã inteira no clube. E, entre um mergulho e outro na piscina, viu suas
mechas se tornarem verde. Verde que nem polpa de abacate maduro. Que horror!
Foi aquela zoação dos amigos.
A mulher, assim que recebeu o primeiro salário no emprego de balconista,
comprou uma tintura na farmácia. Loiro platinado, que faria qualquer estrela de
cinema reconhecê-la como igual. Chamou a atenção dos rapazes, que passaram a
chamá-la de Loira, Loirinha, até que, por economia de vogal, ficou Lôra.
Aos 30 anos, Lôra nem mais se lembrava de que seus cabelos
naturais eram negros que nem graúna. Tanto é que chegava a sonhar com seus
tempos de menina loirinha correndo pelas ruas do bairro, rodeada de crianças de
cabelos escuros. Ela, naturalmente, se destacava.
Certo verão, lá estava a mulher deitada em
frente à praia de Tambaú, na linda João Pessoa, quando um homem passou e lhe
pediu uma informação. Lôra logo percebeu que o gajo não era daquelas bandas,
não apenas pela língua desconhecida. Inglês? É que o dito cujo era tão loiro
como as madeixas da mulher.
Nada de inglês. O sujeito era sueco. E, apesar
da discrepância dos idiomas, aqueles dois acabaram se entendendo em suas
loirices. Da praia para o quiosque logo ali foi um pulo. A conversa ficou mais comprida
do que o esperado e, cinco meses após, já estavam casados.
A princípio, o casal foi morar na Suécia, mas
o frio de Estocolmo era tão intenso, que Lôra não aguentou. Voltaram e foram
morar em Salvador, onde o marido poderia trabalhar. Por sorte, ele era
funcionário de uma empresa com filial na capital baiana.
Quase cinco anos de casados, aqueles dois
tiveram uma grata surpresa em abril de 1982. Lôra estava grávida. Que
felicidade para aquele casal tão loiro. E, para completar tamanha felicidade,
eis que, quando chegou a hora, nasceu uma linda menina. A cor dos cabelos? Bem,
certamente por conta desses estranhos acordos genéticos, a garota nasceu
naturalmente loira.
O tempo daquela gente de cabelos amarelos
continuou reluzindo que nem ouro. Perto de completar 70 anos, Lôra e o marido
foram visitar a filha, que estava planejando se casar. Pois é, aquela garotinha
loira, agora aos 30, andava de namoro sério com um belo rapaz. Se era loiro ou
não, os futuros sogros não sabiam, pois estavam a caminho de Recife, para onde
a filha havia se mudado há quase dois anos.
Ansiosa para conhecer o futuro marido da
filha, Lôra não parava de pensar como seria o rapaz. Assim que o veículo
estacionou, foi a primeira a descer. Foi em direção à entrada do edifício,
enquanto o esposo corria esbaforido logo atrás. O casal entrou no elevador.
Lôra não parava de apertar o botão do oitavo andar, como se aquilo fosse
acelerar o elevador.
Assim que a porta do elevador se abriu, lá estavam a filha e
o futuro genro abraçados. Lôra, ao ver aqueles cabelos enegrecidos, teve um
treco. Caiu dura que nem jaca madura. Precisaram chamar uma ambulância para
socorrer a velha.
O médico, depois de atender Lôra, foi ter com os parentes
da paciente. A mulher havia tido um AVC e estava em coma. A situação era grave,
as expectativas não eram das melhores. Precisariam esperar alguns dias para
saber se Lôra iria reagir com o tratamento.
Os dias viraram semanas, que viraram meses, que completaram
anos. Desacreditada pelos médicos, o destino de Lôra parecia estar traçado. A
filha era favorável a desligar os aparelhos para deixar a mulher ir em paz. Mas
o esposo, ainda esperançoso de que Lôra iria sair daquela, era contra. Mesmo
assim, acabou concordando que no dia primeiro de abril, aniversário de 73 anos
da esposa, os aparelhos que mantinham Lôra viva seriam desconectados da tomada.
E lá estavam os familiares se despedindo da parenta, quando
algo aconteceu. Os olhos de Lôra se abriram e ela viu seu reflexo no espelho na
parede em frente. Seus cabelos estavam totalmente brancos. Uma lágrima escorreu
pela sua face. Gorete sentiu saudade das madeixas de graúna.
- Nota de esclarecimento: O conto "Ariana da drogaria" foi publicado por Notibras no dia 23/5/2024.
- https://www.notibras.com/site/gorete-viaja-em-vida-para-acabar-como-grauna/
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