Acordava cedo, mas não por
causa do trabalho, já que começava na repartição às 13h. Gostava de manter o
corpo em forma e, por isso, era a primeira a entrar na academia logo ali no
final da rua. E, após mais de uma hora de malhação, corria de volta para o lar,
doce lar. Mas não pense que a mulher pegava o elevador. Não mesmo! Enfrentava
aquela imensidão de degraus até o sexto andar.
Lá por
volta do meio-dia, banho tomado, a mulher almoçava e, em seguida, dava os
últimos retoques na maquiagem. Nada de muito chamativo. É verdade que guardava
um trunfo na bolsa, mas que era sacado apenas em momentos especiais: um batom
cor rosa fúcsia.
A mulher,
assim que pisava na calçada, atraía olhares de todos os lados. Fingia não
perceber e, firme, caminhava por quase um quilômetro até vencer as portas do
prédio onde trabalhava. Cumprimentava os que precisava cumprimentar e, um ou dois
minutos após, entrava na sua sala. Pendurava a bolsa no encosto da cadeira,
colocava um pouco de café na xícara, sentava-se.
Olhos
fechados, levava a xícara até os lábios. Que delícia de café! Isso a levou a
relembrar tempos difíceis vividos ainda menina, quando precisou
crescer rápido para que a fome não a consumisse. Quem a visse agora jamais imaginaria que Bianca, um dia, passou tanto aperto.
Mas se a
mulher havia saído da pobreza, parece que a pobreza não saiu dela. Tanto é que,
enquanto ainda sorvia o tal café, um primo distante telefonou pedindo dinheiro.
Não muito, para dizer a verdade, mas que fez Bianca reviver seu passado
sombrio.
—
Duzentos reais?
— É que
preciso arrumar a geladeira, Bianca.
— Ah, assim não dá! Desse jeito fico na mão de calango.
- Nota de esclarecimento: O conto "Bianca e o medo da pobreza" foi publicado por Notibras no dia 26/5/2024.
- https://www.notibras.com/site/bianca-apos-fome-na-infancia-teme-a-pobreza/
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