Alice estava na cidade há menos de um ano. Morava com o irmão,
que havia chegado à capital logo após a conquista do tricampeonato. O pouco que
ganhava, separava algumas notas para as despesas da casa e o restante entregava
ao irmão, que juntava mais um tanto para enviar para a família lá em Codó, no
Maranhão.
Pois foi numa segunda-feira, princípio de abril ou maio, que a
mocinha reparou em um rapaz de camisa branca e calça xadrez, sapatos gastos,
mas que ainda davam para cobrir bons quilômetros. Os cabelos jogados para o
lado cobriam-lhe metade da testa, enquanto o par de costeletas quase negras
conferia àquele bonito rosto um ar de mais velho.
A moça percebeu a agitação do homem, que tragava a todo
instante um cigarro, enquanto olhava para os lados, como se fugisse de algo. E
foi justamente em um desses momentos em que ele notou aquela jovem. A primeira
troca de olhares. O rapaz jogou a guimba no chão e a apagou com o sapato e
sorriu para Alice. Tímida, ela abaixou o rosto e escondeu o sorriso junto aos
seios.
Não tardou, aquele homem entrou num ônibus, enquanto Alice o
observava. Ela o acompanhou com o olhar e, logo em seguida, percebeu que o seu
coletivo havia chegado. A mulher subiu, pagou a passagem e, sem local para se
sentar, foi em pé até descer próximo à sua residência. Tempo suficiente para
conjecturar muitas coisas.
Na terça-feira, Alice achou que o dia demorou mais do que o
devido, mas, por fim, deu a hora de sair. Ansiosa, seus passos foram mais ligeiros,
até que chegou ao ponto de ônibus. O rapaz não estava lá. Será que ele já teria
pegado o ônibus ou, pior, tudo havia sido apenas um sonho? Tal devaneio,
todavia, foi deixado de lado assim que ela sentiu alguém lhe tocar o ombro.
Alice se virou e deu de cara com aquele homem, que lhe sorriu pela segunda vez.
— Prazer, me chamo Pedro.
Alice, surpresa, não conseguiu esconder tamanha felicidade e,
então, ofereceu seu melhor sorriso. Ela levou sua mão até a do homem, que já
estava com a sua estendida. Os dois se cumprimentaram, mas não tiveram muito
tempo para conversarem. Dessa vez, foi o ônibus da mulher que chegou primeiro.
Ela entrou e, assim que subiu o primeiro degrau, acenou com a mão. Pedro beijou
a palma da própria mão e acenou de volta.
Após quase dois meses de conversas curtas naquele ponto de
ônibus, Pedro segurou as mãos de Alice e, olho no olho, a pediu em namoro. A
moça, que há tempos desejava aquilo, sorriu e disse sim. O homem, tomado de
coragem, aproximou o rosto e beijou a face da mulher, que se sentiu respeitada.
— Caso não seja inapropriado, gostaria de ir até a sua casa
amanhã para oficializarmos o namoro. Naturalmente, desde que seu irmão
concorde.
Dia seguinte, uma sexta-feira, pela primeira vez, o casal tomou
o mesmo ônibus. Sem local para sentar, os dois foram em pé, lado a lado, até
descerem próximo à residência da mulher. Apesar do curto trajeto, ao qual Alice
estava acostumada, naquele dia pareceu levar horas.
O irmão da moça, que já sabia o motivo da presença daquele
homem, aceitou com bons olhos o namoro. Pedro convidou a namorada e o cunhado
para assistirem a um show que aconteceria no dia seguinte, um sábado. Ambos
aceitaram o convite, enquanto jantavam e tomavam suco de groselha.
O sábado chegou, mas nada do Pedro aparecer. Certamente algum
imprevisto, Alice e o irmão imaginaram. Sem telefone para receber recados, a
mulher passou o final de semana angustiada, até que, na segunda-feira feira,
foi trabalhar na loja de tecidos. Ainda preocupada com o sumiço do agora
namorado, a garota conseguiu esconder seus sentimentos, pois precisava atender
a clientela.
Final de expediente, Alice, passos apressados, foi para o ponto
de ônibus. Não encontrou Pedro e, então, resolveu esperar por algum tempo. Veio
seu ônibus, mas o deixou ir. Pegaria o próximo. Nada do namorado. Perdeu o
segundo, o terceiro, mas não pode deixar o quarto. Subiu os degraus e lançou o
olhar desolado para fora.
No dia seguinte, Alice também esperou pelo namorado, mas ele
não apareceu. Fez o mesmo no outro dia. Todavia, nenhuma notícia do Pedro. O
que teria acontecido com ele? Ela chorou o que precisou chorar, até que as
lágrimas, exaustas por serem derramadas, voltaram-se para seu coração
amargurado da mulher.
Ainda hoje, 2024, as pessoas que frequentam o mesmo ponto de
ônibus observam aquela velha, cabelos brancos, face enrugada. Seus olhos, ainda
ansiosos, parecem esperar por alguém que, talvez, nunca volte. Tempos de
chumbo.
- Nota de esclarecimenhto: O conto "Aconteceu em 1973" foi publicado por Notibras no dia 16/5/2024.
- https://www.notibras.com/site/alice-vive-sonho-eterno-ao-som-de-secos-molhados/
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