Dizem que aconteceu num encontro de família há quase dois anos.
Todavia, de tantas versões sobre o ocorrido, digamos que foi no Natal, mas há
quem afirme categoricamente que aconteceu na Páscoa. Independentemente da data,
Ribamar esticou os olhos para o lado das coxas torneadas da Helena, que
desfilava enfiada dentro de um vestido minúsculo. O que é bonito é para ser
mostrado.
Enquanto Ruth, faca na mão, estava prestes a cortar o peru, que
repousava morto sobre a enorme mesa, formou-se uma fila. Ribamar, demonstrando
cavalheiro como ele só naquele dia, cedeu o lugar para Helena, que sorriu
agradecida. Até aquele momento não eram íntimos, mas, talvez por conta do
espírito natalino, conversaram amenidades e trocaram telefones.
O primeiro encontro daqueles dois aconteceu na cidade vizinha,
Teresina, na residência da Martinha, que é tia de Ruth e de Helena. A dona da
casa, passada dos 80 anos, fingiu-se de sonsa, pois, parece, estava acostumada
com aquelas coisas na família. Não se sabe ao certo se a velha tapou os ouvidos
ou, então, uma providencial surdez a acometeu enquanto Helena e Ribamar se
conheciam debaixo dos lençóis no quarto ao lado.
Depois de prosearem por horas, a fome se fazia presente no
estômago dos enamorados. Todavia, Martinha, boa anfitriã que é até hoje, já
havia preparado alguns mimos em formato de cuscuz, queijo, presunto e suco de
caju. Se o casal quisesse, havia também aquele bolo de fubá que já estava
saindo do forno.
Agradecidos pela hospedagem, Helena e Ribamar se despediam da
anfitriã e voltavam para Caxias antes que alguém desse por falta daqueles dois.
Uma desculpa aqui, outra ali, as coisas pareciam se ajeitar, até que Ruth
começou a desconfiar da pouca disposição do marido. Como é que pode? Algo
estava errado, pois Ribamar, apesar de quase 20 anos de casado, comparecia pelo
menos três vezes por semana.
Cabreira como ela só, Ruth fingiu-se de boba por alguns dias,
até que resolveu seguir o gajo. Por mais de uma vez, perdeu o marido de vista,
até que, numa quarta-feira, repleta de desalento pela situação, buscou conselho
justamente da Martinha. Encontrou a tia tomando chá de ervas, enquanto sobre a
mesa repousavam algumas iguarias.
Martinha, atriz das boas, acolheu a sobrinha com um abraço. As
duas se sentaram, enquanto Ruth começou a expor suas preocupações em relação ao
marido. A tia apenas observava, enquanto continuava bebericando o chá. Ficaram
ali por quase duas horas, até que Ruth, percebendo que já havia falado demais,
disse que precisava voltar para casa, antes que o marido chegasse.
Porta aberta, tia e sobrinha trocaram beijos, mas eis que um
gemido agudo chegou aos ouvidos das duas. Ruth olhou para Martinha, que tentou
apressar a despedida, mas a sobrinha não se convenceu, ainda mais porque
escutou outro gemido, agora mais grave, vindo detrás da porta do quarto.
— É o gato.
— Gato? Que gato? Até onde sei, a senhora nunca gostou de gato,
tia.
Sem forças para impedir a sobrinha, Martinha viu Ruth abrir a
porta e tomar aquele susto. A confusão se armou e só não aconteceu morte porque
a velha, já prevendo o pior, mantinha todas as facas devidamente escondidas.
Helena, apesar da surra e da humilhação de fugir pelada pela rua,
sobreviveu.
Quanto ao Ribamar, recebeu passivamente
alguns tabefes na cara. Sem argumentos ou desculpas para inventar, calou-se até
que, quase um mês após o ocorrido, foi aceito de volta pela esposa. O casal,
aliás, costuma frequentar semanalmente a casa da Martinha. Afinal, a velha,
além de excelente anfitriã, sabe preparar ótimos quitutes para corpos que
precisam recompor as energias.
- Nota de esclarecimento: O conto "Adúlteros e quitutes" foi publicado por Notibras no dia 14/5/2024.
- https://www.notibras.com/site/martinha-a-velha-tia-ve-helena-correr-nua-pela-rua/
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