Cheguei a tempo de segurar as mãos
enrugadas de vovó. A pele bem fina, como se gasta pelo tempo, ainda que fria,
conseguiram aquecer meu coração. Ela me ofereceu café, como nos meus tempos de
menino.
— Mas não conte pra sua mãe, que ela vai
dizer que não pode.
Fomos até a cozinha, onde lá continua o
mesmo fogão a lenha de outrora. Naquela época não havia luz elétrica no sítio,
e vovó andava com uma lamparina a querosene. Deixava uma acesa no corredor para
o caso de alguém precisar usar o banheiro à noite.
Garrafa térmica também não havia chegado ao
sítio. Vovó repousava o bule na lateral do fogão a lenha para manter o café
sempre quentinho. E, se mamãe não estivesse por perto, eu tomava na mesma
xícara da minha avó. Se ela me pegava, era aquela ralhação.
— Gilmar, quantas vezes já te falei que
não pode beber café? Criança tem que beber leite! Mamãe, por favor, não dê mais
café pro menino.
Minha avó me apertava junto ao seu corpo,
enquanto mamãe continuava o falatório. Aqueles olhos acolhedores me diziam para
deixar mamãe falar e não ligar para aquele monte de coisas ditas. Eu virava o
rosto contra a saia de vovó e sorria mudo para que minha mãe não
percebesse.
Vovó, sem o vigor dos meus tempos de
menino, pegou aquele bule envelhecido, bem ao lado do fogão a lenha, e me
serviu. Ela quis pegar outra xícara para também se servir, mas eu falei que
preferia como fazíamos antigamente. Minha avó sorriu e se sentou ao meu lado.
Foi a última vez que bebemos na mesma xícara.
E aqui estou na varanda do meu
apartamento. Solitário, ferido porque a finitude me arrancou a melhor parte de
mim. Pego a xícara na mesa ao lado e a levo aos lábios. No entanto, antes de
sorver o café, sinto o aroma inconfundível de vovó. Que saudade!
- Nota de esclarecimento: O conto "Vovó e o café" foi publicado por Notibras no dia 5/5/2024.
- https://www.notibras.com/site/velho-bule-e-xicara-e-mamae-ralhava-quando-eu-bebia/
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