O aniversariante, na verdade, é meu tio-avô, irmão do meu avô
materno, falecido ano passado perto de chegar aos 104. Não completou, mas quem
é que, em sã consciência, vive tanto tempo? Pois é, vovô, o mais velho dos
irmãos, era teimoso pela vida.
Sem perspectivas de inventar desculpas, já
que sei que nenhuma funcionaria diante da enxurrada de argumentos de mamãe,
tratei de convencer as crianças de que pegaríamos a estrada no sábado. Nem me
preocupei com uma improvável recusa do Roberto, que, certamente por estar cheio
de culpa, foi o primeiro a me apoiar. Meu esposo, do alto do cinismo, disse que
estava com saudade da minha mãe, com quem nunca se deu bem, mas também não vou
ser hipócrita e falar que eram como genros e sogras das corriqueiras
piadas.
Para minha
surpresa, a viagem foi muito gostosa e, melhor ainda, reveladora. O mau humor
de todos parece ter ficado em São Luís. Até a Lúcia, minha filha, que sofre com
as mudanças próprias da adolescência, aceitou de bom grado as brincadeiras tão
infantis do irmão. A certa altura da estrada, observei-a pelo retrovisor. Seus
olhos sorriam e, então, carinhosamente ela beijou o rosto do Marcos.
Eu não queria estragar aquele momento tão doce
com a minha família, mas, em uma das paradas, enquanto as crianças escolhiam
algo para comer, aproximei-me do Roberto com a intenção de questioná-lo sobre a
tal sirigaita. Ele me abraçou, me beijou nos lábios e, sorrindo que nem menino,
me confidenciou algo.
— Meu amor, quero te contar uma coisa.
— O quê?
— Ontem fechei um contrato com uma companhia
exportadora de tecnologia.
— Você não me falou nada sobre isso.
— É que estava com receio de não dar certo.
Mas olha que coincidência!
— O quê?
— Uma das sócias dessa companhia mora no
nosso prédio. O marido dela soube que eu sou advogado e que sou especialista nesse
ramo. Quem falou para ele foi o seu Zé, o porteiro.
Abracei meu amado e fiel marido como há muito
não o fazia. Que homem maravilhoso! Sou uma mulher de muita sorte! Sem falar
que ele continua um gato após quase 15 anos de casamento.
Chegamos a Caxias a tempo de almoçarmos com
meus parentes. Sentei-me ao lado do tio Pedro. Creio que puxei algo dele: a
paciência. A algumas horas de completar 100 anos, o irmão do meu avô teve 15
filhos, 57 netos, 83 bisnetos e 7 tataranetos.
- Nota de esclarecimento: O conto "O aniversário do tio Pedro" foi publicado por Notibras no dia 26/5/2024.
- https://www.notibras.com/site/viagem-a-caxias-desfaz-suspeita-sobre-uma-tal-sirigaita/
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