Acordei quando o domingo já
convidava para o almoço. Fui até o banheiro, onde dei uma boa olhada no
espelho. Dei aquela puxada na pele para tentar enxergar o rosto. Que cara de
sono! Os olhos pareciam duas jabuticabas murchas.
Voltei para cama, de onde
peguei o celular na cabeceira. Inúmeras chamadas não atendidas e mensagens da
tia Alice. Devolvi o aparelho para o lugar que ele deveria permanecer até meu
sono ir embora. Não funcionou. Tia Alice? Ela nunca me ligava ou mandava
mensagens. O que ela queria justamente no meu dia de folga?
Curiosa, li as mensagens. Na verdade,
eram duas da minha tia, além de outras de parentes, sem contar uma do
Francisco, colega de trabalho que estava se esforçando para sairmos juntos. Se
ele se esforçasse um pouquinho mais, talvez rolasse algo. Quem sabe?
Tia Alice é uma pessoa
fundamental na minha vida. Após eu ficar órfã de pai e mãe aos 14 anos, foi ela
quem me criou. Quase 40 anos desse drama familiar, ainda somos muito próximas,
apesar de quase não nos falarmos. De vez em quando, uma ou duas vezes a cada
seis meses, apareço na sua casa, onde tomamos chá acompanhado de torradas com
geleia.
O motivo de tantas ligações foi
o falecimento do tio Joaquim, ex-marido da minha tia. Apesar de separados há
quase 15 anos, os dois ainda eram amigos. Aos 84 anos, meu querido tio resolveu
nos deixar naquela madrugada de sábado para domingo.
O enterro seria às 17 horas.
Olhei o relógio e percebi que precisaria me arrumar o mais rápido possível.
Entrei debaixo do chuveiro, o que talvez tenha me feito recordar de uma viagem
que fiz com meus tios para a cachoeira do Pinga, em Trinfo, aqui mesmo no meu
Sergipe. Fomos de carro e levamos quase oito horas para chegar, mas foi um
passeio maravilhoso. Estava eu com 16 ou 17 anos.
Assim que cheguei ao velório, percebi o quanto de gente
gostava do tio Joaquim. Não só a família, mas muitos amigos. Foi difícil olhar
o homem que me criou naquele caixão cheio de flores. Chorei abraçada à minha
tia. Ela, talvez tentando me consolar, envolveu meu rosto com as mãos.
— Tia, como é que vamos viver
sem o tio Joaquim?
— A vida é assim mesmo, minha
filha. De vez em quando, ela vem cheia de mortes.
- Nota de esclarecimento: O conto "A vida é assim mesmo" foi publicado por Notibras no dia 21/5/2024.
- https://www.notibras.com/site/morte-de-joaquim-mostra-que-o-destino-esta-tracado/
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