Finjamos que tal
data não importa e voltemos para o almoço que tive com meus netos, todos já
cheios de idades. A mais nova, por acaso, possui o mesmo nome da dona daqueles
olhos. Não serei hipócrita e, por isso, vou confessar. Minha nora me perguntou
se eu gostava de Heloísa, quando respondi que Helena era mais bonito. Talvez
por eu ter proporcionado uma lua de mel para ela e meu filho na esplêndida João
Pessoa, minha neta se tornou xará do meu primeiro grande amor.
Helena! Ainda me
lembro da primeira vez que a vi, quando acabara de cair de joelhos na terra.
Helena, antes de se levantar, soltou uma gargalhada ainda mais vermelha do que
a terra de Brasília. Levantou-se, deu uns tapas nos joelhos e voltou a correr
que nem menina, cujo tempo logo se despediria.
Não sei se a minha
musa me notou naquele dia. Tímido que era, continuei jogando bolinha de gude
com meus amigos. Lembro que perdi todas, mas não liguei. Meu tempo de menino
começou a se findar naquele instante.
Morávamos na mesma
quadra na Asa Norte, que, naquele tempo, era recheada de vazios. Hoje está tudo
mudado, já que os prédios brotaram que nem erva daninha. Bom para as
construtoras e imobiliárias, que encheram a burra de dinheiro. No final das
contas, todos crescemos.
Nessa época, passei
a cultivar uma penugem abaixo do nariz. Não havia chegado aos 14 quando, ao
entardecer, Helena veio conversar comigo pela primeira vez.
— Você é o Roberto,
né?
— Sou.
— Posso te chamar
de Beto?
—
Pode, sim. Todos me chamam assim. Quer dizer, menos a minha avó.
Consegui arrancar
um sorriso de Helena, que estendeu a mão.
— Prazer, Beto! Sou
a Helena.
De tão nervoso
fiquei, a garota precisou pegar na minha mão para, enfim, nos cumprimentarmos.
Em seguida, ela disse que queria me ver na festa da Glorinha, outra menina da
rua. Recordo que os garotos, que estavam ao redor, começaram a rir assim que
Helena deu as costas e voltou para perto das amigas.
Foi no sábado,
início da noite, que cheguei ao apartamento da Glorinha, que estava fazendo
anos. Entrei tímido, apesar de ter treinado a entrada por mais de uma hora em
frente ao espelho da sala. Iria estrear minha calça xadrez, que mamãe precisou
dar uns pontos na cintura para não cair. Pensei até em pedir emprestado o cinto
do papai, mas desisti, pois iria precisar dar um furo praticamente no meio.
Gente, como eu era magricela!
A vitrola tocava
"A Lua e eu", do Cassiano. Eu estava encostado numa das paredes da
sala, quando Helena estendeu novamente a mão em minha direção. Minhas pernas
tremiam. Ela sorriu aquele sorriso vermelho e me puxou pela mão.
Dançamos
agarradinhos e, no meio da música, os lábios da menina tocaram os meus. Não sei
se ela já havia feito isso, mas era a minha primeira vez. Certamente, ela
percebeu a minha inexperiência e se fez de minha professora.
Passamos o resto da
festa grudados, sob os olhares do pessoal da rua. Foi difícil me despedir da
minha paixão naquela noite, mas precisávamos voltar para casa. Fiz questão de
levá-la até a portaria do seu edifício. Ela me beijou pela última vez antes de
se virar e desaparecer pela escada.
Não sei como voltei
para casa naquele dia. Só me recordo de estar na cama, luz apagada, repassando
cada instante vivido ao lado da Helena. Iríamos nos casar, imaginei. Obviamente
que isso não aconteceu, ainda mais porque o primeiro grande amor da minha vida
se mudou da capital para não sei onde. Alguns falavam que havia retornado para
Fortaleza, outros juravam que ela teria ido para o Uruguai.
Eis que, anteontem,
reencontrei a minha Helena. O restaurante estava apinhado, mas trocamos
olhares. Ela, não descarto tal possibilidade, se lembrou de uma dança que
tivemos ao som de Cassiano ou, então, aquilo seja algo inerente àquela mulher.
Helena me sorriu aquele sorriso vermelho. Não tive coragem ou, o que é mais
provável, faltou-me cor de retribuir da mesma forma. Meu sorriso quiçá é
amarelo. Bege, talvez.
- Nota de esclarecimento: O conto "Helena, a menina do sorriso vermelho" foi publicado por Notibras no dia 6/5/2024.
- https://www.notibras.com/site/helena-menina-do-sorriso-vermelho-ve-o-meu-bege/
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