quarta-feira, 8 de maio de 2024

Entre meninos e nuvens de algodão

       

        Ando meio desanimado com a vida. Coisas de adulto que imaginou que tudo iria acontecer como planejado, até que, perto de completar 40 anos, percebi que não nascemos com manual de instruções. Ou, é provável, pelo menos no meu caso, perdi essa lista de orientações pelo caminho.

          Imaginei, lá pelos idos dos meus 20 anos, que, aos 30, estaria com a vida ganha. A realidade, todavia, se mostrou bem menos promissora. Tanto é que, caso não fosse por indicação de papai, nem o emprego de encarregado na empresa do senhor Olavo eu teria. 

           Confesso que já pensei em pedir as contas, mas não tive coragem de encarar o mundo dos desempregados. Não ficaria de bom tom, a essa altura da vida, retornar para a casa dos meus pais. Ademais, a Sandra anda com planos de juntar os panos, e não seria eu a contrariá-la. Nem sei o que ela viu neste sujeito mediano, isso para não usar um termo mais condizente. Medíocre que seja, pois acordei mais sincero do que de costume. Medíocre!

          Se não tenho coragem de pedir demissão, arranjei um tantinho para caminhar até o Tour Geneve, conhecido edifício aqui em João Pessoa. Pularia e me esborracharia todo na calçada. Morte certa, a não ser que algum incauto resolvesse se intrometer. 

          Pois mal pisei fora de casa, me deparei com a praia de Cabo Branco. Resolvi me despedir do mar. Tirei os sapatos e as meias, pisei na areia e fui até a beira. As ondas lamberam meus pés, como fazia o Sultão, meu vira-lata dos meus tempos de menino. Tais lembranças me convidaram a sentar por ali. Não tardou, adormeci e sonhei um sonho há tanto esquecido. 

          Não sei por quanto tempo fiquei por sobre aquela areia tão fofa. Fui despertado pelo barulho de garotos correndo de um lado para o outro, ora na areia, ora na água. Ainda deitado, olhei para o céu. Algumas nuvens, que há tanto tempo haviam deixado de ser belos chumaços de algodão, voltaram a ganhar formas outrora tão comuns. 

          Os meninos me olharam, como se estranhando um homem deitado bem ali, terno e gravata. Nada mais incomum num dia de sol. Voltei para casa, coloquei uma bermuda e corri de volta para a praia. Que mergulho gostoso! 

  •  Nota de esclarecimento: O conto "Entre meninos e nuvens d algodão" foi publicado por Notibras no dia 8/5/2024.
  • https://www.notibras.com/site/entre-morrer-ou-deixar-emprego-o-melhor-e-curtir-praia/

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