Casados há 34 anos, Madalena amava flores, enquanto Jaime passava hora diante
da televisão vendo aquela infinidade de programas esportivos e filmes de
guerra. Quanto mais sangue, melhor! Com a masculinidade em frangalhos,
precisava encontrar testosterona em algum lugar.
O marido cansou de reclamar que a mulher passava
horas fazendo crochê e não dava atenção a ele. Como é que alguém pode achar
normal a mulher passar tardes inteiras entretida com agulhas e rolos de fios
intermináveis? Jaime, cheio de razão, cansou de reclamar.
Madalena, por sua vez, a cada dia,
demonstrava maior habilidade para criar tanta coisa a partir do entrelaçamento
daquelas linhas. Toalhinhas aqui, enfeites acolá, até um enorme tapete florido
era questão de tempo para surgir. Um espanto de velocidade! Como é que ela
conseguia, o marido não conseguia entender. A mulher, no entanto, se divertia
com seu hobby. Tanto é que até se esqueceu da última vez que recebeu um carinho
do esposo. Cansou de esperar por aquele homem tão insensível. Que traste!
Aconteceu num domingo, final de algum campeonato qualquer.
Jaime, rodeado de amigos aposentados, disputava com eles quem é que falava mais
grosso. Madalena, talvez prevendo o ambiente tóxico, foi visitar uma amiga, a
Arlete, que também gostava de crochê. Crochetaram, crochetaram, crochetaram até
que, enquanto ainda crochetavam, a campainha tocou.
Era o
Augusto, morador do apartamento de cima. O homem foi pedir um pouco de açúcar.
Enquanto Arlete foi até a cozinha, ele olhou para as mãos habilidosas da
Madalena. Ficou encantado. A mulher sorriu.
—
Ponto baixíssimo duplo?
— Sim.
Conhece?
— Um
pouco. Vovó fazia, mas minha mãe nunca me deixou aprender.
Arlete
voltou com uma xícara com açúcar até a borda, quando percebeu que Madalena
estava ensinando o vizinho a crochetar. Tratou de fechar a porta e deixou a
xícara sobre a mesa. Os três passaram o final da tarde crochetando, crochetando,
crochetando.
Dois meses após, Arlete pegou seus apetrechos e
foi morar com Augusto. Dizem que os dois vivem crochetando. Quanto ao Jaime,
parece que a testosterona está cada vez mais baixa. Tanto é que o sangue
continua jorrando da tela da televisão.
- Nota de esclarecimento: O conto "A arte de crochetar" foi publicado por Notibras no dia 25/5/2024.
- https://www.notibras.com/site/jaime-testosterona-em-baixa-perde-para-o-croche/
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