Jorge, meu marido, babão que é com a Manu, enaltece qualquer
feito da menina. Ele faz questão de guardar cada desenho da nossa filha em
álbuns que abarrotam as gavetas do armário da sala. Se recebemos visitas, lá
vai o homem mostrar os talentos da garota, como se ela fosse Pablo Picasso.
Confesso que dois ou três são até bonitinhos, mas nada que pudesse ser exposto
em alguma galeria.
A xícara com várias digitais da Manu, feita
há dois anos, é a única que o Jorge toma café. De tão ciumento, ele não deixa
que ninguém a toque, pois tem medo que quebrem. Meu esposo, assim que acaba de
usá-la, vai até a cozinha e, cheio de dedos, a lava com o maior cuidado. Depois
de seca, volta com a dita cuja e a guarda em uma caixa de papelão forrada com
algodão. Se quebra, é possível que eu fique viúva.
Eis que aqui estou no escritório com um
cliente. Sentado do outro lado da mesa, o sujeito me questiona sobre as chances
de ganharmos uma causa trabalhista. Apesar do chamativo bigode que se mexe vigorosamente
a cada palavra dita pelo dono, meus ouvidos estão suficientemente atentos para
não perder o fio da história. Faço algumas perguntas, pois já não aguento ouvir
aquela voz, até que, finalmente, exponho meu parecer. Cliente satisfeito, ele
se levanta e me estende a mão.
Sozinha, tomo um gole de água, quando percebo
uma mensagem no celular. É o Jorge, que disse que a diretora da escola da nossa
filha ligou. Manu ralou o joelho, mas está bem. Não sei o que me deu, pois não
sou dessas mães desesperadas. No entanto, quis ver a minha garotinha naquele
instante. Além do mais, o colégio fica aqui perto do meu trabalho.
Dez minutos depois, estava com Manu no colo.
Ela me deu um abraço e um beijo tão carinhoso, como se fosse eu que estivesse
sofrendo. Olhei o joelho ralado da minha filha.
— Dói ou arde?
— Arde que dói, mamãe!
- Nota de esclarecimento: O conto "Mãe racional, pai babão" foi publicado por Notibras no dia 28/5/2024.
- https://www.notibras.com/site/pai-babao-e-mae-racional-sem-deixar-emocao-de-lado/
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