Tio João é um tipo incomum. Não que tenha poderes sobrenaturais ou
algo assim, mas simplesmente porque sabe entreter familiares e amigos com
histórias. E, sempre que possível, lá estou eu sentada diante dele, olhos
arregalados, orelhas atentas e um leve sorriso nos lábios, pois sei que, não
demora, meu parente mais ilustre vai estalar a língua e começar a contar um dos
seus inúmeros causos.
Almoço de família, todos com os buchos
cheios, eis que estávamos na enorme varanda da casa da minha mãe, quando tio
João estalou a língua. Eu, que levava uma xícara de café aos lábios, tratei de
repousá-la ao lado. Não tardou, titio começou a falar sobre uma situação que
aconteceu há quase 40 anos na região rural de Brazlândia.
"Joaquim era quase meu compadre. Quase porque
o meu amigo não teve tempo de batizar a Sônia, que já estava passando da hora
de ter a cabeça molhada pelas mãos do padre. Chiquinha e eu tivemos que chamar
às pressas o Tião ou, então, perigava da nossa primogênita virar pagã.
O homem era um touro, tinha saúde pra dar e
vender. Ninguém imaginava que poderia acontecer algo com ele, ainda mais
naquele domingo, já agendado para o batismo da Sônia. Mas nada do Joaquim
aparecer. O que teria acontecido com ele?
Minha Chiquinha, que Deus a tenha, cuspiu
marimbondos, falou horrores do Joaquim. Mas é lógico que se arrependeu depois,
pois a ausência do quase compadre acabou sendo mais do que justificada. O meu
amigo estava morto.
Morto e de morte matada. Não por desafeto, que
Joaquim até possuía um ou dois. Foi por cobra venenosa. Sim, isso mesmo! E não
pense vocês que era uma serpente qualquer. Naninanão! Era uma cascavel, com seu
chocalho de fazer arrepiar até nuca de cabra metido a valente.
Quem viu o Joaquim ser picado foi a própria
mãe, dona Anísia. A pobre mulher teve um piripaque e desmaiou na hora. Mas foi
testemunha do fato ocorrido e, assim que voltou a si, encontrou o filho morto
ao lado. Não se sabe se o Joaquim tentou acudir a mãe ou, então, se o
veneno foi tão poderoso que matou o pobre coitado na hora.
A notícia se espalhou, até que chegou aos
ouvidos das pessoas que estavam na igreja para o batizado da minha filha. Padre
Alfredo não teve dúvida e trocou o batismo pelo velório, que varou madrugada
adentro. Dona Anísia e Chiquinha foram as que mais choraram. A primeira porque
perdera o único filho; Chiquinha por arrependimento do que havia dito sobre o
Joaquim.
O enterro aconteceu bem cedinho no outro dia.
E todo mundo que era parente ou amigo do Joaquim apareceu. E a cascavel, que
não era nem uma coisa nem outra, também estava lá, talvez até com remorso da
sua atitude. A bicha deu uma boa olhada, chacoalhou o guizo e, em seguida, se
embrenhou no mato."
Assim que terminou de contar o causo, tio João
ergueu o rosto, como se essa lembrança lhe trouxesse sentimentos profundos. Não
sei se alguém mais percebeu, mas os seus olhos estavam marejados.
- Nota de esclarecimento: O conto "O quase compadre" foi publicado por Notibras no dia 26/7/2025.
- https://www.notibras.com/site/joaquim-por-motivo-de-forca-maior-faltou-ao-batizado-em-brazlandia/
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