quarta-feira, 23 de julho de 2025

Evandro, cidadão ítalo-brasileiro

    

        Evandro, nascido e criado em Brasília, era ítalo-brasileiro, como provava o invejado passaporte bordô dos cidadãos da União Europeia. É verdade que não carregava o pomposo sobrenome do trisavô materno: Ferrari.

Um sobrenome que poderia levar alguém ao equívoco de supor que o gajo seria parente do lendário Enzo Ferrari, fundador da marca que está no imaginário de nove em cada dez apaixonados por automóveis. Pouco provável. Diria até que beira o absurdo, já que tal sobrenome é um dos mais comuns dos originários da Bota. 

          Em vez de Ferrari, Evandro carregava Ferreira, que permanecia na família paterna há tanto tempo, que ninguém arriscava a dizer de onde teria vindo. O mais provável era de Portugal. Quem sabe, de um antepassado judeu perseguido durante a Inquisição na Península Ibérica?

          Ferreira ou Ferrari, não importa, já que o homem tinha trânsito por todo o Velho Continente. Melhor, não havia ponto no planeta Terra que o gajo não pudesse colocar os pés. "Sou italiano!", amava dizer para todos, como se isso fosse credencial para ganhar, por exemplo, abatimento na compra do pão de sal na padaria do seu Joaquim, bem ali numa das inúmeras esquinas da afamada cidade por não as possuir.

          Após quase dois anos de esforços hercúleos para juntar grana para, finalmente, visitar a Itália, Evandro desceu em Roma. Sim, isso mesmo! Roma, a Cidade Eterna. Que beleza! O homem sentiu como se estivesse retornando à terra natal, mesmo que aquele seu bisavô fosse de Reggio Calabria, no extremo sul, localidade que parece querer dar uma bicuda na enorme Sicília. 

          Os primeiros dias foram de puro êxtase por cada descoberta, apesar de, antes da viagem, ter estudado com esmero a história e os costumes do local. Tudo perfeito, até que, algo começou a deixá-lo incomodado. Não foi a culinária, que até apreciou. Também não teve o que reclamar da escultura e muito menos da pintura. O problema era sonoro. 

          Evandro percebeu que por ali não havia aquela batida gostosa de uma roda de samba, de uma MPB que penetra na alma e faz o coração sorrir. Até apreciava ópera, mas Enrico Caruso não era Martinho, Luciano Pavarotti não era Elis e, definitivamente, Andrea Bocelli não é Gilberto Gil. Foi aí que o sujeito, xícara de ristretto na mão, gargalhou.

      Todos na cafeteria voltaram os olhares para Evandro. Seria aquele homem um doidivana? Eis que, então, erguendo a xícara para a plateia de última hora, ele disse em bom português:

        — Deus me livre de não ser brasileiro!

  • Nota de esclarecimento: O conto "Evandro, cidadão ítalo-brasileiro" foi publicado por Notibras no dia 23/7/2025.
  • https://www.notibras.com/site/brasiliense-por-ter-passaporte-europeu-queria-ate-desconto-na-padaria/

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