Um sobrenome que poderia levar alguém ao equívoco de supor
que o gajo seria parente do lendário Enzo Ferrari, fundador da marca que está
no imaginário de nove em cada dez apaixonados por automóveis. Pouco provável.
Diria até que beira o absurdo, já que tal sobrenome é um dos mais comuns dos
originários da Bota.
Em vez de Ferrari, Evandro carregava Ferreira, que permanecia
na família paterna há tanto tempo, que ninguém arriscava a dizer de onde teria
vindo. O mais provável era de Portugal. Quem sabe, de um antepassado judeu
perseguido durante a Inquisição na Península Ibérica?
Ferreira ou Ferrari, não importa, já que o homem tinha trânsito
por todo o Velho Continente. Melhor, não havia ponto no planeta Terra que o
gajo não pudesse colocar os pés. "Sou italiano!", amava dizer para
todos, como se isso fosse credencial para ganhar, por exemplo, abatimento na
compra do pão de sal na padaria do seu Joaquim, bem ali numa das inúmeras
esquinas da afamada cidade por não as possuir.
Após quase dois anos de esforços hercúleos para juntar grana
para, finalmente, visitar a Itália, Evandro desceu em Roma. Sim, isso mesmo!
Roma, a Cidade Eterna. Que beleza! O homem sentiu como se estivesse retornando
à terra natal, mesmo que aquele seu bisavô fosse de Reggio Calabria, no extremo
sul, localidade que parece querer dar uma bicuda na enorme Sicília.
Os primeiros dias foram de puro êxtase por
cada descoberta, apesar de, antes da viagem, ter estudado com esmero a história
e os costumes do local. Tudo perfeito, até que, algo começou a deixá-lo
incomodado. Não foi a culinária, que até apreciou. Também não teve o que
reclamar da escultura e muito menos da pintura. O problema era sonoro.
Evandro percebeu que por ali não havia
aquela batida gostosa de uma roda de samba, de uma MPB que penetra na alma e
faz o coração sorrir. Até apreciava ópera, mas Enrico Caruso não era Martinho,
Luciano Pavarotti não era Elis e, definitivamente, Andrea Bocelli não é
Gilberto Gil. Foi aí que o sujeito, xícara de ristretto na mão, gargalhou.
Todos na
cafeteria voltaram os olhares para Evandro. Seria aquele homem um doidivana?
Eis que, então, erguendo a xícara para a plateia de última hora, ele disse em
bom português:
— Deus me
livre de não ser brasileiro!
- Nota de esclarecimento: O conto "Evandro, cidadão ítalo-brasileiro" foi publicado por Notibras no dia 23/7/2025.
- https://www.notibras.com/site/brasiliense-por-ter-passaporte-europeu-queria-ate-desconto-na-padaria/
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