domingo, 29 de junho de 2025

Uma farsante chamada intuição

    

  Intuição. É o que me disseram. Siga sempre a sua intuição, que não tem como dar errado. Hum! Cá estou por causa dessa tal intuição, essa grande farsante que tem o poder da ilusão.

          Chame-a do que quiser, intuição, instinto, sexto sentido, percepção extra-sensorial, não importa. O resultado sempre será o mesmo. Sorte, então, não passa de mero acaso, e as probabilidades estão em jogo, seja para fazer sorrir ou, no meu caso, se afogar em um mar de lamentações. 

          Era jovem, ainda não contava com 16 anos, quando, por uma visão, imaginei-me rodeado de riquezas improváveis. Inocente, puro e besta, lá fui eu me embrenhar naquele mundo onde os fracos e desprovidos não têm vez. Tolice, hoje bem sei. Entre o ruim e o pior ainda, arrisquei tudo o que não tinha em uma vida impossível para os de onde vim. 

          — Tem certeza, meu jovem?

          — E por acaso deveria ter alguma dúvida, seu Carlos?

          — Hum... Qual é mesmo o seu nome?

          — Olegário, seu Carlos.

          — Filho da dona Selma, né?

          — Sim, seu Carlos.

          — E ela tá sabendo?

          — Há coisas que a mãe da gente não precisa saber. Não é mesmo, seu Carlos?

          — Hum...

          E foi assim que consegui entrar para o mundo do crime. E, logo de cara, tive a primeira lição, que, afinal, não era de todo surpresa para alguém de onde vim. Se tiver que confiar sua vida a alguém, fique longe de policiais que se embrenharam na criminalidade. Esses não perderam os escrúpulos simplesmente porque nunca os tiveram. 

          Seu Carlos, que ocupava o topo da cadeia alimentar na Ceilândia, foi traído por seu cúmplice em parte dos negócios, justamente um policial militar que lhe dava guarida. Acabou preso em uma operação deflagrada pela polícia civil, mas não pense que o alcaguete passou incólume. 

          Pouco antes de ser trancafiado, seu Carlos concatenou as ideias e concluiu que havia caído em arapuca armada pelo tal cana. Não teve dúvida e ordenou que o traíra fosse fisgado e, antes de ser despachado para o inferno, tivesse momentos inesquecíveis nas mãos firmes de alguns dos mais experientes no quesito trato com os desafetos.

          Lição aprendida, procurei me afastar de todo fardado que cruzasse a linha da legalidade. O problema é que eu já era conhecido e, por isso, por mais que tentasse me esconder, os tiras sabiam onde me encontrar. Carta já fora do baralho, não tive escolha a não ser dar um jeito de não ser mais um dos inúmeros "mortos em combate", mesmo não empunhando nem mesmo um mísero canivete de escoteiro. 

            E cá estou, em frente à redação do Notibras, para me entregar às autoridades. Não sei qual será o meu destino, mas, ao menos aqui, diante das câmeras, tenho certa proteção. Todavia, já deixei de lado qualquer esperança de sair dessa para situação melhor. Se bem que, agora mesmo, a minha intuição cisma em me apontar um futuro promissor.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Uma farsante chamada intuição" foi publicada por Notibras no dia 29/6/2025.
  • https://www.notibras.com/site/criminoso-arrependido-se-entrega-diante-de-cameras-e-garante-a-propria-vida/

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