terça-feira, 10 de junho de 2025

O homem que nunca faltava ao trabalho

        

Atílio até poderia ser classificado como um tipo comum, caso não fosse por uma particularidade. É que ele não faltava um dia no trabalho. Poderia arder em febre, cair canivete, o sujeito saía do pequeno apartamento na Asa Sul, pegava o ônibus no mesmo ponto e, sentado sempre ao fundo, chegava à repartição antes de todos. Não falhava nem um dia sequer. Sempre pontual.

          Não gostava de emendar feriados, mas o fazia por falta de alternativa, já que todos eram liberados e, afinal, não havia o que fazer. Mesmo em casa, só se sentia livre para curtir na data destacada no calendário preso à porta da geladeira. E, quando retornava à labuta, trabalhava com mais afinco ainda, como se precisasse mostrar a todos que levava aquilo a sério. 

           Durante as greves, Atílio fazia de tudo para burlá-las, o que era visto como afronta pelos colegas. O paradoxo é que era filiado ao sindicato, pois acreditava piamente que era necessário lutar pelos direitos dos trabalhadores. E, mesmo contraditório, era a favor das paralisações, apesar de nunca ter participado efetivamente de uma.

          Certo dia, quando tomava café, observou o bloco de notas sobre a mesa da cozinha. Algumas tarefas inadiáveis, como era tudo em sua vida. Também aconteceria, naquele dia, a costumeira reunião de final de mês, o que lhe provocava certa satisfação, pois era o momento de colocar a chefia a par do que havia sido feito ao longo do período. 

            Sorveu mais um gole e, quando resolveu encher novamente a xícara, eis que sentiu uma pontada no peito. Foi tão forte, que teve a sensação de estar debaixo da pata de um elefante. Arregalou os olhos, como se percebesse que aquilo era deveras grave.

Teve tempo de pegar a caneta no bolso da camisa e fazer uma anotação em uma folha, que foi arrancada do bloco. De tanta dor, o papel foi amassado por sua mão esquerda antes do gajo tombar e cair no piso. 

            O corpo de Atílio foi encontrado no mesmo dia. Joaquim, seu chefe, preocupado com a ausência do mais pontual funcionário, foi até a sua residência. A porta acabou arrombada pelo Corpo de Bombeiros, que encontrou o defunto. 

       Joaquim percebeu o papel amassado no chão e sentiu que fosse um bilhete de despedida. Quase caiu para trás quando o leu: "Por favor, avisem que hoje não vou trabalhar."

  • Nota de esclarecimento: O conto "O homem que nunca faltava ao trabalho" foi publicado por Notibras no dia 10/6/2025.
  • https://www.notibras.com/site/o-homem-que-nunca-faltava-ao-trabalho-faltou/

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