Atílio até poderia ser classificado como um tipo comum, caso não
fosse por uma particularidade. É que ele não faltava um dia no trabalho.
Poderia arder em febre, cair canivete, o sujeito saía do pequeno apartamento na
Asa Sul, pegava o ônibus no mesmo ponto e, sentado sempre ao fundo, chegava à
repartição antes de todos. Não falhava nem um dia sequer. Sempre pontual.
Não gostava de emendar feriados, mas o
fazia por falta de alternativa, já que todos eram liberados e, afinal, não
havia o que fazer. Mesmo em casa, só se sentia livre para curtir na data
destacada no calendário preso à porta da geladeira. E, quando retornava à
labuta, trabalhava com mais afinco ainda, como se precisasse mostrar a todos
que levava aquilo a sério.
Durante as greves, Atílio fazia de tudo para burlá-las, o
que era visto como afronta pelos colegas. O paradoxo é que era filiado ao
sindicato, pois acreditava piamente que era necessário lutar pelos direitos dos
trabalhadores. E, mesmo contraditório, era a favor das paralisações, apesar de
nunca ter participado efetivamente de uma.
Certo dia, quando tomava café, observou o
bloco de notas sobre a mesa da cozinha. Algumas tarefas inadiáveis, como era
tudo em sua vida. Também aconteceria, naquele dia, a costumeira reunião de
final de mês, o que lhe provocava certa satisfação, pois era o momento de
colocar a chefia a par do que havia sido feito ao longo do período.
Sorveu mais um gole e, quando resolveu encher novamente a
xícara, eis que sentiu uma pontada no peito. Foi tão forte, que teve a sensação
de estar debaixo da pata de um elefante. Arregalou os olhos, como se percebesse
que aquilo era deveras grave.
Teve tempo de pegar a caneta no bolso da camisa e fazer uma
anotação em uma folha, que foi arrancada do bloco. De tanta dor, o papel foi
amassado por sua mão esquerda antes do gajo tombar e cair no piso.
O corpo de Atílio foi encontrado no mesmo dia. Joaquim, seu
chefe, preocupado com a ausência do mais pontual funcionário, foi até a sua
residência. A porta acabou arrombada pelo Corpo de Bombeiros, que encontrou o
defunto.
Joaquim percebeu o papel amassado no chão e sentiu que
fosse um bilhete de despedida. Quase caiu para trás quando o leu: "Por
favor, avisem que hoje não vou trabalhar."
- Nota de esclarecimento: O conto "O homem que nunca faltava ao trabalho" foi publicado por Notibras no dia 10/6/2025.
- https://www.notibras.com/site/o-homem-que-nunca-faltava-ao-trabalho-faltou/
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