segunda-feira, 22 de setembro de 2025

Negócios e nada mais

    

       Solano mal acordou e já telefonou para Osmar sem nem mesmo se preocupar em temperar a voz, que saiu repleta daquela rouquidão própria dos dependentes de nicotina. 

         Preciso que você venha aqui.

        — Quando?

       Silêncio do outro lado da linha, era a senha para perceber que havia feito algo que, depedendo do caso, mereceria um carão, quando não o emprego. Tentou corrigir a tempo.

        — Tô indo.

        Foi apenas o tempo de jogar uma água no rosto e vestir-se sem se preocupar se era a mesma roupa do dia anterior. Meia hora após, o Opala 1974 venceu os portões do palacete no Park Way. Estacionou.

        — O senhor Solano o está aguardando na piscina.

        Caminhou até os fundos da propriedade, onde encontrou o dono daquilo tudo. 

        — Quando é que você vai me vender aquela carro velho, Osmar?

        — Ele já é parte de mim, Solano.

        — Hum! Não tem medo de que eu o tome de você?

        — Não.

        — Não?

        — Você não faria isso.

        — E por que não, Osmar?

        — Não somos ladrões.

        — Hum... Sente-se! Aliás, café ou um drink?

        — Café.

        — Carlos, um café para o Osmar. Aliás, dois.

      Diante das xícaras postas sobre a mesa, Osmar relembrava as besteiras que havia dito naquela manhã. E isso porque o relógio acabara de marcar 10h. Ele sabia que, quando Solano o chamava, não poderia titubear. Invariavelmente, era para ontem. E é óbvio que eram ladrões, apesar de haver um código de ética entre eles, que era não o de se apoderar do que pertencia ao outro. 

        — O Galindo tá causando problema.

        — O Galindo? Tem certeza?

        Osmar percebeu que mais uma asneira havia saído dos seus lábios. Que dia era aquele? Como poderia contestar o chefe?

        — O que você quer que eu faça com ele, Solano?

       — Hum... Bem, você sabe que não sou um homem violento nem vingativo. Mas preciso garantir que os nossos sócios confiem na firma. Não é questão de ultrapassar os limites da razão. Lembre-se sempre de que agir com o coração não é opção para os do nosso ramo. Se fosse o caso, já teria me aposentado, mesmo que isso não seja possível para aqueles que optaram por trilhar este caminho. 

     Osmar ouviu atentamente as palavras do patrão e, enquanto ruminava, se lembrou de Laura, a bela recepcionista do hotel na Asa Norte. Deveria ou não convidá-la para sair? Antes que tivesse a resposta para tal dúvida, voltou a escutar a voz carregada de alcatrão de Solano.

        — O que o está perturbando? Nem tocou no café.

        — Creio que o Galindo não deveria nadar sozinho à noite, Solano. 

      Dois dias após, era manchete em todos os jornais da capital: 'Empresário do ramo de postos de gasolina afoga-se na piscina da sua casa no Lago Sul'.

  • Nota de esclarecimento: O conto "Negócios e nada mais" foi publicado por Notibras no dia 22/9/2025.
  • https://www.notibras.com/site/negocios-e-nada-mais/

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