Mamãe, a mais velha, parecia proteger a irmã sempre que alguém
tentava imputar-lhe culpa. Não era assim com tia Aline, a caçula, talvez porque
ela sempre teve juízo demais. Vivia uma vida regrada além da conta, com medo de
afrouxar o cinto e tudo desandar. O engraçado é que até a séria da família
adorava as brincadeiras da irmã maluca. É verdade que o riso era sempre contido
por uma mão sobre os lábios, que eram mais sinceros do que as atitudes.
Quando nasci, tia Joaquina estava com 23
anos, mas as traquinagens dos seus tempos de menina eram tão vivas, que parecia
que eu as havia presenciado. Titia era mesmo maluca, e crianças adoram essas
personalidades tresloucadas. Enquanto os adultos se misturavam entre si, meus
primos e eu cercávamos nossa tia favorita até que chegava a hora dela se
despedir, sempre com a promessa de novas estripulias no próximo encontro da
família.
Tia Joaquina nunca se casou, pois, segundo mamãe, gostava muito
de namorar. Meu avô odiava essa conversa e sempre queria empurrar algum possível
marido para a filha. Vovó, ao contrário, falava que, nesse ponto, Joaquina era
a filha mais ajuizada. Esse entrevero até virou assunto em um churrasco na casa
dos meus avós.
— Joaquina, por que você não arruma um marido que nem as suas
irmãs?
— Papai, nem me venha com essa conversa de marido, que meu
negócio é saracotear.
Minha tia jamais se casou. Até pensei que fosse juntar os panos
com o Toni, namorado de idas e vindas. O sujeito era bonitão, mas parece que os
gênios dos dois não batiam. O homem era ciumento demais e não se adaptou às
liberdades da titia.
Quando a adolescência chegou e me trouxe tantas transformações,
mamãe tentou me ajudar. No entanto, foi com tia Joaquina que aprendi a lidar
com as mudanças do meu corpo e os primeiros namoros. Graças aos seus conselhos,
provavelmente me feri menos do que as minhas amigas.
Na semana passada, enquanto estava de férias
em Porto de Galinhas, soube que tia Joaquina sofreu um enfarto fulminante num
supermercado. Ela estava prestes a completar 50 anos. Tão jovem, tão linda, tão
livre, tão querida. Larguei tudo e voltei correndo para Recife.
Foi muito estranho encontrá-la imóvel no
caixão. Todos olhávamos incrédulos para aquela mulher, como se não
acreditássemos que ela pudesse morrer de verdade. Passei o velório inteiro
esperando que minha tia desse um pulo e fizesse careta com a língua para fora
como sempre havia feito. Nem se mexeu. Talvez, a plateia já não acreditasse
mais nas brincadeiras da tia Joaquina.
- Nota de esclarecimento: O conto "Tia Joaquina não tinha muito juízo" foi publicado por Notibras no dia 19/6/2024.
- https://www.notibras.com/site/tia-joaquina-sem-juizo-gostava-de-saracotear/
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