Minha avó costumava reclamar da miséria
que passou na infância. Não chego a tanto no momento, mas poderia facilmente
dizer que estou latindo no quintal para economizar cachorro. É que perdi o
emprego há quase três meses.
Perdi é modo de
falar, pois fui obrigado a pedir as contas depois que o patrão descobriu
algumas falcatruas que andei fazendo. Coisa pequena, mas que fizeram com que o
dono da firma perdesse por completo a confiança em mim, que há tempos não era
muita.
Francisco
Arigó, seu criado! Nascido e criado pelas bandas de Conde, famoso município
paraibano por causa dos naturalistas que desfilam nudez nas areias de Tambaba.
Digo com sinceridade que jamais pus os pés por lá. Mas não pense que tenha sido
por falsa modéstia nem por timidez. Antes fosse. Mas deixemos de lado
minha falta de atributos, pois o tempo também é curto, e vamos direto ao que
interessa.
Fui
pego com a mão na massa pelo Sandoval, cujos braços estão sobre centenas de
cabeças na região. Aliás, antes que você procure saber quem é Sandoval, não
perca tempo. É que coloquei um pseudônimo para protegê-lo. Todavia, não estou
preocupado com a segurança do meu ex-patrão, mas com a sua que está lendo este
desabafo.
Meus
desvios eram pequenos e esporádicos, difíceis de serem averiguados. Mas o olho
cresceu e a mão perdeu a cerimônia. Quase oitenta mil, o que nem representava
tanto assim num montante de mais de milhão. O problema foi que o Sandoval
percebeu algo estranho. Nem tive tempo de inventar desculpas.
— Ficou mais alto, Arigó?
—
...
—
Arigó, só não te mato agora porque pode respingar sangue no tapete novo.
Diante
de tais palavras, tirei os sapatos e expus aquelas notas de cem escondidas sob
as palmilhas. Sandoval não me disse mais nada. Lançou-me aquele olhar firme e repuxou
a narina esquerda três vezes, como costuma fazer sempre que algo o aborrece. Ele
apontou a porta e fui embora, antes que ele mudasse de ideia.
Tratei
de sumir, até que, na semana passada, recebi a visita da minha mãe no sítio
onde ainda estou. Não sei como ela me encontrou, mas certamente foi com a ajuda
do pessoal do Sandoval. Seja como for, assim que a vi, corri para lhe dar um
abraço, mas fui interrompido por um inesperado tapa na cara.
—
Você tá maluco, Francisco? Por pouco que seu pai não te mata?
—
Pai?
—
Sim. Há tempos que estava pra te dizer isso. O Sandoval é seu pai.
Arregalei
tanto os olhos, que não sei como é que eles não saltaram do rosto. Levei um
tempo para digerir aquela informação. Mamãe me disse que os dois se conheceram
e tiveram um caso. O romance não durou muito, mas Sandoval não deixou nada
faltar para minha mãe, que já me carregava no ventre. Após ouvir tal
revelação, confesso que senti um alívio.
—
Agora que entendi.
—
Entendeu o quê, Francisco?
— O
Sandoval não me matou porque ele é meu pai.
—
Deixa de bobagem, moleque! Foi por causa do tapete.
- Nota de esclarecimento: O conto "Arigó e o desabafo" foi publicado por Notibras no dia 17/6/2024.
- https://www.notibras.com/site/tapete-novo-salva-a-vida-de-filho-bastardo/
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