Você bem que poderia dizer que se trata de mais uma lenda urbana, mas afirmo que está redondamente enganado. Sou testemunha ocular do fato, ocorrido no dia 10 de janeiro de 1985, uma quinta-feira. Como guardei tal data? Simples, mas aguarde até o final da história para descobrir.
Meu nome é Francisco dos Santos. Aliás, dos Santos por parte de
mãe e pai. Mamãe até queria que ficasse Francisco dos Santos dos Santos, mas o
homem do cartório achou que ficaria esquisito e disse que o dos Santos seria
dos dois. Papai, que sabia respeitar decisão de gente importante, nem discutiu.
Voltou para casa e ouviu até seus últimos dias que o dos Santos do meu nome era
dela e não dele.
Pois lá estava, nos meus 23 anos, em pé naquele ônibus lotado,
indo para Sobradinho, quando, bem ali no início da Asa Norte, aconteceu um
acidente envolvendo dois Opalas. Pelo visto, um queria correr mais do que o
outro e, por conta de tamanha disputa, bateram e fecharam a W3. Formou-se o
caos, justamente no horário que todos estavam a caminho do lar.
Foi um festival de buzinas em Brasília, onde
o povo adora propagar que os motoristas ali não buzinam. Pois, sim! Naquele
dia, não houve condutor que se sentiu impedido de apertar com força as buzinas,
seja de Corcel, seja de Chevette ou até mesmo de Fusquinhas.
O calor, mesmo àquela hora, não dava trégua.
Os passageiros abriram todas as janelas para entrar um ventinho, que se
mostrava tímido. Xingamentos de todos os lados, de todos os tipos, de todas as
bocas. Um barulho ensurdecedor. E lá estava o motorista, que ainda tentou
conter aquele povo. Foi um festival de palavrões direcionados para ele e até
sobrou para a sua genitora, que, até onde sei, não estava presente para se
defender.
De repente, no calor do momento, o motorista
se levantou, olhou para aquela gente enfurecida e, sem palavra, abriu a porta
do ônibus e foi embora. Ninguém entendeu aquela atitude, até que o cobrador, um
rapaz franzino, nos revelou: "O Cardoso soube hoje que a sua aposentadoria
saiu."
Todos ali dentro se perguntaram o que fariam,
até que alguém sugeriu que um dos passageiros poderia continuar a viagem no
lugar do motorista. Uma senhora apontou o dedo para mim e disse que eu tinha
cara de quem sabia dirigir ônibus. Eu, que mal havia tirado a carteira, fui
arrastado até o banco do motorista. E, não me pergunte como, terminei a viagem.
Pelo visto, você ainda está aqui, na certa para saber como é
que guardei essa data. É que esse foi o meu primeiro dia como motorista da
linha Plano Piloto/Sobradinho.
- Nota de esclarecimento: O conto "Lenda urbana da linha Plano Piloto/Sobradinho" foi publicado por Notibras no dia 7/6/2024.
- https://www.notibras.com/site/lenda-urbana-da-linha-de-onibus-plano-sobradinho/
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